INTERESSE P?BLICO
ENTREVISTA / VENÍCIO ARTUR DE LIMA
Luiz Egypto
Está aberta à consulta pública o anteprojeto da Lei de Radiodifusão, em <http://www.mc.gov.br/Consulta/default.asp?IDTextoBase=11>. Para ter acesso à consulta, é necessário cadastrar-se em <http://www.mc.gov.br/Consulta/Logon.asp?IDTextoBase=11>.
O documento patrocinado pelo Ministério das Comunicações recebeu várias críticas, como seria de esperar de uma discussão democrática. A mais preocupante dessas críticas tem a ver com as propostas de concentração do poder decisório sobre concessões (ou renovações de outorgas) dos canais de radiodifusão, para não mencionar o retrocesso no que diz respeito às normas sobre propriedade cruzada dos meios de comunicação.
O professor Venício Artur Lima, criador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília (UnB), sempre acompanhou com lupa as discussões dessa área. Durante o Congresso Constituinte, que afinal promulgou a Constituição de 1988, foi assessor da subcomissão de Ciência e Tecnologia, das comissões da Família, Educação, Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia e da Comunicação. Hoje é professor aposentado da UnB e leciona na Universidade de Caxias do Sul (RS). Seu terceiro livro, Mídia: Teoria e Política, está em fase de conclusão.
Nesta entrevista, concedida por e-mail ao Observatório da Imprensa, o professor avalia o anteprojeto do ministro Pimenta da Veiga.
Em 175 artigos, parágrafos e profusão de incisos, o Ministério das Comunicações apresentou para consulta pública o anteprojeto de Lei de Radiodifusão. Qual sua diferença conceitual mais marcante em relação à Lei de Comunicação Eletrônica de Massa, cuja minuta foi preparada na gestão do então ministro Sérgio Motta?
Venício Artur de Lima ? Primeiro é preciso registrar que não houve um projeto de "Lei de Comunicação Eletrônica de Massa" que tenha sido oficialmente encampado pelo Ministério das Comunicações na gestão de Sérgio Motta. Circularam várias versões, seis ao todo, algumas pela internet, atribuídas ao ministério, mas nenhuma delas chegou a ser colacada em consulta pública. Creio que a 5? versão foi confirmada por auxiliares do ex-ministro como tendo sido de fato submetida a ele. Mas nada oficial. Todavia, independentemente disso, o que mais chama a atenção no anteprojeto agora colocado em consulta pública é tratar-se de uma Lei sobre "serviços de radiodifusão" contrariando as evidências de nosso tempo de que a convergência tecnológica indica com absoluta clareza o desaparecimento das fronteiras entre as telecomunicações, a comunicação de massa e a informática. Aliás isso já ocorre, inclusive no Brasil, em termos da economia política do setor. É difícil compreender, portanto, quais as razões que levam o MiniCom a insistir em tratar a radiodifusão separadamente.
O documento do ministro Pimenta da Veiga "dispõe sobre os serviços de radiodifusão, os serviços ancilares aos serviços de radiodifusão, os serviços auxiliares de radiodifusão, e dá outras providências". Por que não se menciona "telecomunicações"? Por que desconhece a convergência entre os serviços de radiodifusão e de telecomunicações?
V.A.L ? Como disse acima, essa é a questão mais evidente. Por que o MiniCom age assim só podemos especular. Aparentemente, o poder político dos grupos que historicamente controlam a radiodifusão no Brasil é muito grande e seriam os seus interesses que estariam sendo preservados no anteprojeto de Lei.
O que se deve entender por "serviços ancilares aos serviços de radiodifusão"? Que serviços auxiliares ou subsidiários pode oferecer a radiodifusão a não ser num ambiente multimídia de convergência tecnológica?
V.A.L ? Em algum momento o projeto de Lei terá que esclarecer o que significam os tais "serviços ancilares". Ancilar e auxiliar no dicionário é praticamente a mesma coisa. Pode ser que esteja embutida aí a possibilidade dos radiodifusores fazerem transmissão de dados e talvez até mesmo de telefonia. Não sei. Vamos ter que esperar uma definição do MiniCom sobre o assunto.
O ministro Motta gostava de repetir que, no bojo da sua proposta de criação da agência reguladora das telecomunicações (atual Anatel), o Ministério da Comunicações passaria a funcionar com pouquíssimos funcionários. O anteprojeto apresentado pelo atual ministro, contudo, não prevê o fortalecimento das agências e concentra o poder decisório no âmbito do próprio ministério. Qual a razão do retrocesso?
V.A.L ? Só pode ser uma visão do atual ministro de querer preservar o poder de barganha política que o Executivo historicamente teve no Brasil em relação às concessões públicas de rádio e televisão. Isso é exatamente o contrário do que o Fernando Henrique Cardoso propunha em seu programa de governo.
No Capítulo 3 do anteprojeto ("Das competências") está dito que caberá ao Ministério das Comunicações "implementar a política nacional dos serviços de radiodifusão". Que política nacional de radiodifusão é essa? Quais suas linhas mestras?
V.A.L ? Só o ministro Pimenta da Veiga poderia responder a essa questão.
O art. 14 da Proposta Pimenta prevê a criação do Conselho Nacional de Comunicação? Que fim levou o Conselho de Comunicação Social, criado na Constituição de 1988, instituído pelo Congresso Nacional em 1996, então sob a presidência do senador Sarney, e que nunca funcionou?
V.A.L ? O Conselho de Comunicação Social criado pela Constituição de 1988 e regulamentado pela Lei 8.389 de 30/12/1991 jamais foi instalado. Ele seria um órgão auxiliar do Congresso Nacional e, além disso, a Lei 8.977 de 6/1/95 prevê que todos os atos, normas e regulamentos relativos à TV a cabo deveriam ser submetidos ao parecer desse Conselho (art. 44). Nunca foram.
O Conselho Nacional de Comunicação, segundo a Proposta Pimenta, será composto de onze membros, sendo quatro representantes do Executivo e "sete representantes escolhidos entre os indicados por entidades de classe e por entidades representativas de usuários e de exploradoras dos serviços de radiodifusão". Registre-se a representação garantida às "exploradoras dos serviços de radiodifusão". O documento prevê, mais adiante, entre as atribuições do Conselho, a de "opinar quanto à conveniência da renovação de concessão e a outorga e renovação de permissão e autorização para exploração de serviços de radiodifusão". Com todo o respeito, não lhe parece como raposas tomando conta do galinheiro?
V.A.L ? É preciso deixar claro que o Conselho proposto no anteprojeto de Lei do ministro Pimenta da Veiga tem funções totalmente distintas daquelas do CCS criado pela Constituição de 88. O CNC agora proposto teria a função de "assessorar o Ministro das Comunicações na formulação de políticas e diretrizes para a exploração dos serviços de radiodifusão" (art. 13). A representação das "exploradoras dos serviços de radiodifusão" neste Conselho seria legítima como uma das partes interessadas na formulação da política de radiodifusão. A questão é garantir a representação de todos os outros segmentos da sociedade civil também interessados em tal política.
No que o anteprojeto avançou ? ou regrediu ? no tocante aos limites da propriedade cruzada de meios de comunicação?
V.A.L ? Este me parece um ponto crucial. O anteprojeto acaba com os limites de propriedade do mesmo grupo empresarial anteriormente estabelecidos pelo Decreto Lei 236, de 28/2/1967. Na prática, isso significa que o mesmo grupo poderá controlar tantas emissoras de rádio e de televisão aberta quantas conseguir no território nacional. A única restrição refere-se aos mercados locais. Isso é um sinal verde para a concentração do poder ? ainda maior do que a já existente.
O parágrafo 1? do art. 73 reza que "é vedada a participação de pessoa jurídica no capital social de empresa de radiodifusão, exceto a de partido político e de sociedades cujo capital pertença exclusiva e nominalmente a brasileiros". Não lhe parece uma exceção sob medida para as aspirações das Organizações Globo?
V.A.L ? Essa já é a norma em vigor nos termos da Constituição de 1988 (art. 222, Parágrafo 1?).
O inciso III do artigo 95 do anteprojeto dispõe que os aparelhos de TV comercializados no país devem se dotados de dispositivos eletrônicos para "bloquear a recepção de programas". Este é o melhor recurso para impedir os excessos cometidos pela programação de TV?
V.A.L ? Esse é o recurso que foi introduzido pelo Communications Act de 1996, nos EUA. Simplesmente foi copiado o que está sendo feito lá.
Em que medida o controle social dos meios de comunicação está (estará) contemplado no anteprojeto de Lei de Radiodifusão ora em discussão e no documento final a ser encaminhado ao Congresso pelo ministério? O Poder Legislativo deverá manter, neste campo, as prerrogativas conquistadas no Congresso Constituinte de 1988?
V.A.L ? Na verdade não creio que se possa falar que exista controle social dos meios de comunicação no Brasil. A Constituição de 88, neste sentido, foi um avanço porque compete ao Congresso Nacional apreciar os atos do Executivo com relação a outorga e renovação de concessões, permissão e autorização (art. 223). É claro que essa conquista deve ser preservada.
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