MARKETING DO HORROR
Claudio Julio Tognolli (*)
"Fico preocupado quando não sofro ameaças. É aí que algo pode acontecer mesmo."
A frase, disparada pelo jornalista Marcelo Rezende, hoje na Rede TV!, vai constar de um banco de dados sobre jornalismo investigativo latino-americano ? uma iniciativa promovida pelo Instituto Prensa y Sociedad (IPYS), do Peru, com apoio da Unesco e do Usaid. Em poucas semanas, mais de 20 reportagens investigativas realizadas no Brasil, nos útimos 15 anos, estarão online com os devidos bastidores e making ofs detalhadamente relatados pelos autores das matérias. Boa parte do material investigativo produzido na América Latina já está disponível no site <http://www.ipys.org>
Já que a imprensa absorve todas as formas de representação do real, desde a crítica a ela mesma até o marketing nu e cru, o mais novo sinal dos tempos guarda uma relação sagital com o passado: justamente com aquele passado em que as autoridades judiciais que promovem investigações são ameaçadas de morte.
A lista é imensa. As situações caóticas, caleidoscópicas. Juízes são mortos, promotores perseguidos em tramas hollywoodianas de roteiro inapreensível. E desde que o jornalista Tim Lopes foi assassinado, sem aviso, choro nem vela, um precedente dos marqueteiros se armou: tornar públicas ameaças em carta feitas contra jornalistas. O dilatado império dos marqueteiros do jornalismo quer correr no vácuo da morte de Tim Lopes, repleto de infinita energia cinética, num conjunto em que se cifram no imaginário do povão os juízes mortos, os promotores ameaçados e as testemunhas isoladas num autêntico e socialmente celibatatário rito de "salve-se quem puder".
Mas a realpolitik da coisa é essa: bandido que quer matar não ameaça. Vai lá e "faz o cara". São, essas gentalhas, relativamente lúcidas para saber o dictum popularesco de que a galinha que canta é dona dos ovos.
"Escrito nas estrelas"
Ninguém disse ao Tim Lopes que ele seria morto. Ninguém avisou Giovanni Falcone, o juiz italiano, naquele interminável dia 23 de maio de 1992, que ele seria mandado pelos ares. Ninguém "cantou o galo" para o juiz Machado Dias. Eventualmente, como se diz no métier do crime, alguns paus-mandados, agindo e modo a desmerecer seus capos, profissionalíssimos, costumam rachar o vaso e mostrar a água podre. Foi assim que homens da Rota ameaçaram Caco Barcelos, e soldados da Rota 91148, a partir de 1991, passaram a ameaçar de morte os promotores Marco Antonio Ferreira Lima e Stella Kuhlmann, da Justiça Militar de São Paulo.
Juntemos esses fatos, e outros tantos e tamanhos, ao talado obelisco imaginário que se forma na cabeça do consumidor de notícias. Prefigura-se uma fórmula de marketing. É óbvio. Marketing que tem feito do apresentador José Luiz Datena, o homem dos ternos risca-de-giz Armani, o mais novo marqueteiro do Brasil. Não se fala outra coisa: as falas prosódicas, emocionadas e emocionantes de Datena, viraram assunto do dia-a-dia. As cartas em que os bandidos cavilam vilanias, tocaiam situações, fizeram de Datena o mais novo mártir do jornalismo brasileiro.
Tome-se dois punhados de mau português, de gírias específicas, de mal traçadas cartas, e leve-as à TV. Diga: "Serei eu o próximo, está escrito nas estrelas". E tem-se aí uma ostentação vulgar de um marketing criado no vácuo da morte de Tim Lopes. Entrou em circulação agora o marketing do horror. Mas, como disse Marcelo Rezende, o perigo reside justamente em não ser ameaçado. Nesse sentido, Datena está seguríssimo.
(*) Repórter especial da Rádio Jovem Pan, professor de jornalismo da ECA-USP e do Unifiam (SP)