AMADO NO LESTE
Fabiano Golgo, de Praga
Sobre a repercussão internacional da morte de Jorge Amado no mundo: aqui na República Tcheca ele saiu na capa do jornal Pravo, ganhou meia página na maioria dos diários restantes, como Mlada Fronta Dnes, Lidove Noviny, Zemske Noviny, Slovo, Hospodarske Noviny e Denik Bohemia. Vários prepararam boxes com biografia completa, trechos dos aqui famosos "Mulatka Gabriela, hrebicek a skorice", "Dona Flor a jeji manzele", "Uniforma, frak a nocni kosile", "Kapitani z pisku", "Pot, mrtve more" e até o último, "Zmizeni svate Barbory".
A TV tcheca CT1 deu a notícia com direito a minidocumentário no final, de 10 minutos. As TVs Prima e Nova especularam sobre onde vai ser a Rua Jorge "Amadova", em homenagem ao homem que "morou na Tchecoslováquia entre os anos 1948 e 1952, enquanto exilado". Entrevistas com os amigos tchecos de Jorge Amado, vizinhos do apartamento de uma rua de Zizkov (a tal que deve acabar levando seu nome, segundo declaração de um de seus fãs, o prefeito-arquiteto Jan Kasl), imagens da Globo News.
Fiquei extremamente surpreso com isso tudo, mesmo morando aqui há cinco anos. Não tinha a menor idéia de que Jorge Amado, descrito aqui como o "mais traduzido dos autores brasileiros", seria também tão popular. Sei que Paulo Coelho ? que neste tempo em que estou aqui já veio duas vezes para sessões de autógrafos em lançamento de livros ? é parte da cultura de massa tcheca. Mas Jorge Amado, não.
Convocado pela revista tcheca em que trabalho para escrever a página sobre o escritor para a edição de segunda-feira, fui conversar com várias pessoas de suas relações, mas também com um sociólogo, que me contextualizou a popularidade de Amado. Acontece que ele foi um autor "autorizado" pelo Partido Comunista durante o regime totalitário, que o tinha por aliado. Ao mesmo tempo, a população nunca o identificou com o tal "mau comunismo", aqui geralmente conjugado ao "bolchevismo" ou ao "comunismo à la russa", mas sim como um dos idealistas, que queriam uma sociedade muito parecida com aquela que queriam os próprios tchecos ? que são, repetindo Maria Tereza da Áustria, "irritantemente igualitários".
Na década de 60 ele já não era conhecido como o brasileiro que morou em Praga (Kubitschek já tinha se tornado o "tchecoslovaco presidente do Brasil, pai de Brasília", ainda mais que Oscar Niemeyer tinha até praça dedicada a ele pelo governo local), mas escritor ainda bastante lido.
Alexander Dubcek, o eslovaco que liderou a Primavera de Praga, com seu "socialismo de face humana" (esmagada pelos tanques soviéticos do Pacto de Varsóvia em 1968, depois de oito meses de liberdade total), chegou a escrever para um jornal de Bratislava, em 1966, a crítica (mais que positiva) da então mais recente obra de Amado, para se ter uma idéia.
A TV CT2 agora há pouco anunciou que no sábado à noite apresenta o documentário do canal suíço "Amado e Gattai: anarquistas Graças a Deus".
Foi-se, então, mais um dos embaixadores do Brasil no mundo. Mas me dei conta de que ainda temos outros pin-ups no mainstream global, quando o editor-chefe, do topo de sua cabeça, minutos depois da notícia da morte, me pediu para ver se conseguia "citar as declarações de Caetano", "Coelrrro", Pelé, "Ronaldinyo", Fernando Henrique, "Djil", Fittipaldi, Barrichelo, Sepultura (?!) e Suplicy (não me disse qual).
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF une-se ao sentimento de consternação geral pela perda de Jorge Amado, escritor que soube trazer à cena principal da cultura brasileira os dramas, as tragédias e a sabedoria da gente simples e sofredora, dos trabalhadores em luta, dos oprimidos sem vez e sem voz. A Jorge Amado, à sua obra, à sua vida militante em defesa das transformações sociais, e à sua família, nosso mais profundo reconhecimento e respeito.
Ao mesmo tempo, quando as mesmas elites que tanto censuraram as obras e as idéias de Jorge Amado, e que tanto se empenham na indecorosa tarefa de assalto aos cofres públicos para manter os personagens populares do escritor baiano na mesma situação de opressão, miséria e ignorância, estas que planejam numerosas homenagens, lembramos que a maior homenagem que se possa oferecer a um escritor desta estatura universal é permissão de que seus livros sejam finalmente lidos pela grande massa do povo brasileiro, que continua impedida de ter acesso aos bens da cultura, como a tantos outros bens da civilização.
Os governantes, aqueles sempre insensíveis à necessidade da democratização do acesso à cultura, aos livros, ou às peças teatrais e filmes baseados na obra Jorge Amado, e que agora serão pródigos em medalhas e outras homenagens ocas, estão desafiados a darem o verdadeiro tributo ao talento e ao compromisso histórico do escritor baiano: que os livros de Jorge Amado sejam publicados na escala de milhões pelo Ministério e Secretarias da Cultura, distribuídos aos estudantes das escolas públicas, aos sindicatos de trabalhadores, às mais de 2 mil escolas dos assentamentos rurais e do MST, colocados em grande escala nas escassas e depredadas bibliotecas públicas e vendidos a preços populares! Que o exemplo de vida militante de Jorge Amado e sua obra sirvam de chamado às forças progressistas e democráticas para a necessidade inadiável de retirar o povo brasileiro desta situação de miséria cultural e informativa! Que os filmes baseados na obra do escritor comunista sejam projetados em escala nacional em sessões abertas ao público, em praças públicas, escolas etc, para que a grande massa de brasileiros, proibida de comprar livros e de ir ao cinema, possa finalmente fazer a homenagem mais sincera e mais autêntica a um escritor do porte de Jorge Amado! Que as gráficas oficiais interrompam por um período a impressão de documentos e discursos de categoria duvidosa e dediquem-se à impressão dos livros que tanto projetaram a cultura e o povo brasileiro em escala mundial. Que os jornais e revistas usem um pouco dos generosos incentivos fiscais e favores creditícios recebidos do estado e publiquem encartes especiais com a obra de Jorge Amado para distribuição gratuita ao povo que não lê jornal, já que sequer consegue consumir alimentos, remédios e roupas.
Jorge Amado não precisa de solenidades formais e vazias, nome de rua ou de praça, medalha ou placa A grande homenagem que Jorge Amado merece é a de ser lido, finalmente, pelos milhões de brasileiros sem acesso à leitura, seja pela imposição da pobreza ou pelo analfabetismo, que devem ser urgentemente erradicados. O Brasil e sua sociedade injusta têm esta grande dívida para com o grande escritor baiano! [
Brasília, 7 de agosto de 2001]