Beatriz Wey (*)
Há cerca de três meses o Granma tem demostrado maior preocupação com o espaço destinado às abordagens internacionais, com aproximadamente três páginas, e não apenas uma.
A Coluna Internacional apresenta em seu novo perfil uma divisão. Num primeiro momento são discutidas as questões que permeiam os continentes asiático, africano e norte-americano. No segundo momento, a América Latina é destacada sob um plano de análise mais centralizador, em que aspectos sociais, econômicos e culturais se fundem para destacar indicadores políticos presentes em cada país, compartilhados ou não com o sistema adotado em Cuba.
No tocante ao primeiro momento, a de se destacar que a África e os Estados Unidos são mencionados com grande freqüência, muito mais que os países asiáticos. A explicação é simples: os países africanos são explicitamente, segundo o Granma, excluídos do processo de globalização arquitetado pelos Estados Unidos, que por sua vez excluem também os próprios norte-americanos com o fim "da era do emprego estável e das megafusões" (Granma, 19/4/00), assunto de urgência para Cuba, igualmente fora do processo de globalização.
Prensa Latina
A crítica à globalização e a seus instrumentos, seja quando contribuem para a implantação de um novo sistema de educação, seja quando alteram as relações de trabalho, aparece em artigos que sustentam uma única visão acerca do problema.
As questões citadas acima não representam uma novidade no estilo que define o Granma, ao contrário, reafirmam os posicionamentos defendidos desde a sua fundação, sempre contrários ao sistema capitalista e à política norte-americana. O mesmo podemos afirmar no que se refere aos informes da América Latina, denominado Nossa América, que de forma alguma atuam no sentido de revolucionar o jornalismo do Granma. O que nos tem chamado atenção, no entanto, na criação deste espaço, é a presença diversificada de temas de reflexão, como a emigração, o cinema argentino e suas abordagens sobre a ditadura, os posicionamentos da igreja católica frente à dívida externa dos países latino-americanos e outros mais e, também, o fato de países pouco mencionados estarem ocupando espaços mais privilegiados.
A responsabilidade por esta alteração é da agência Prensa Latina, que tem aceitado a contribuição de jornalistas latino-americanos na seleção do material a ser editado, como tem acontecido em relação a Porto Rico, que até então pouco havia sido destacado no Granma e passou a representar um forte aliado nos posicionamentos do governo de situação revolucionária.
"Quando eu tiver terra…"
Artigo de 19 de maio de 2000 demostra a carga ideológica expressa em Nossa América: "O colonialismo em Porto Rico é um caso de violação flagrante generalizada dos direitos humanos de uma nação, e apesar de quatro séculos de colonialismo espanhol e de um século de colonialismo norte-americano, não puderam roubar a sua identidade. Porto Rico demostra a importância de salvar a cultura, os valores da identidade própria para preservar a soberania."
Entre os países que tomaram maior dimensão para o jornalismo cubano está o Brasil que, como Porto Rico, passou a ser mencionado com freqüência maior a partir da criação de Nossa América. Ainda têm sido tímidas as abordagens sobre o Brasil: desde o início do ano, apenas três artigos. O primeiro destacando o Carnaval como um grande acontecimento cultural em que os brasileiros "esquecem dos seus problemas cotidianos: a redução real do salário mínimo, as eleições municipais, a inflação que dispara, a alta dos produtos, a violência que mata milhares de pessoas, a deficitária saúde pública, a carência das escolas e a discriminação racial e dos sexos" (19/3/2000). Lídice Valenzuela, correspondente especial do Granma no Brasil, escreveu um mês depois sobre os 500 anos. A crítica feita no primeiro artigo se repete no segundo, com um pouco mais de indignação sobre as comemorações que marcaram os 500 anos de Brasil. O último artigo, publicado em 4 de junho, segue o mesmo padrão, mas foi escrito por Mireya Castañeda, da redação do Granma, que assina grande parte do material publicado no espaço.
"Quando eu tiver terra…" é o título do último artigo, que aborda o movimento dos trabalhadores rurais (MST), as ocupações de latifúndios que ocorreram desde maio de 1999 até os dias de hoje nos estados de Pernambuco, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo e Paraná e as ocupações de prédios públicos, como os ministérios da Fazenda e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. A resposta do governo e o posicionamento do líder do movimento são pontos cruciais do artigo. As estatísticas e entrevistas citadas foram destacadas, segundo o Granma, da Folha de S.Paulo, o que demostra que a matéria foi resultado da leitura do material da Folha, e não propriamente investigado por Prensa Latina ou qualquer outra agência, como no caso de outros artigos de correspondentes.
Visão parcial
Grande parte dos artigos assinados por Mireya Castañeda apresenta a característica de serem leituras interpretativas de outra imprensa, e por esta razão acabam sendo publicadas com certo atraso. É possível que nem todos os países tenham correspondente permanente, o que demostra a grande dificuldade do semanário de levantar dados e atuar, efetivamente, como imprensa preocupada com o novo.
Se os dados são fidedignos, principalmente os quantitativos, não é possível saber. O fato é que o Granma tem enfrentado o problema de manter correspondentes em determinados países latino-americanos para definir o novo espaço internacional de Nossa América. A diferença de Nossa América está no fato de o Granma estar compartilhando informações com outros veículos jornalísticos e mostrar-se, possivelmente, mais atento aos fatos cotidianos e supostamente novos, redefinindo-se com uma imprensa preocupada, em parte, com a informação.
Paralelamente, a imprensa cubana tem editado um encarte especial para debater Direitos Humanos, que vem refletindo os posicionamentos do Granma em relação ao acontecimentos relatados em Nossa América. No dia 7 de maio, Nossa América relatou "a falta de segurança face à delinqüência e à incapacidade do Estado e do sistema judicial da Guatemala, provocando 90 linchamentos no ano de 1999"; no mesmo exemplar, o encarte Especial assume a função de questionar a violação dos direitos humanos e a ação do governo de situação revolucionária na Guatemala.
As mudanças do Granma reafirmam seus já conhecidos posicionamentos; mesmo buscando informações relativamente novas, continua atuando de maneira parcial.
(*) Pesquisadora do Neamp (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política) da PUC/SP
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