Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Nota dos editores

CASO TIM LOPES

O assassinato brutal de Tim Lopes expõe, de maneira sem antecedentes, a tragédia social causada pelo narcotráfico em nosso país. Por um lado, a corrupção e a omissão que afetam nossas instituições; por outro, o aperfeiçoamento contínuo das organizações criminosas, a falta de perspectiva das populações mais pobres e o consumo indiscriminado de drogas, que possibilita o explosivo aumento do tráfico (idéia dificilmente aceita pelos usuários), dão forma à nuvem densa e macabra que cobre nossos dias de sombras; sombras que ditam toque de recolher para as pessoas que habitam os morros, sombras que tomam conta dos hospitais cariocas. Esses hospitais se especializaram ? estão entre os que mais se dedicam a isto no mundo ? em tratamento a feridos por armas de guerra. Há uma guerra.

A despeito de tudo o que se disse sobre o caso Tim Lopes (muitos o acusaram de irresponsável), o autor não hesita em defender o profissional ao mostrar que sem o jornalismo investigativo esse mundo seria ainda mais obscuro e alheio a qualquer discussão, estaríamos portanto ainda mais fragilizados. A missão do Arcanjo Tim Lopes era nos proteger.

Mas também é preciso dizer que Narcoditadura ? o caso Tim Lopes, crime organizado e jornalismo investigativo no Brasil não estava previsto, eram outros os nossos planos. O contrato, recentemente assinado, prevê a edição e a publicação de sete livros nos moldes do famoso O crime da Rua Cuba. Entretanto, num telefonema aos editores, Percival de Souza propôs desviar-se do projeto original para contar as circunstâncias que tiraram a vida de seu amigo Arcanjo Antônio Lopes do Nascimento, bem como as implicações desse crime.

E Percival o fez com a habilidade dos grandes escritores que concebem textos de cunho jornalístico lançando mão de recursos literários, o que neste caso carrega de tensão muitas passagens do livro. Para tomar um exemplo, vamos até a página 195 ver que a única testemunha de uma chacina entre mafiosos da fronteira é um menino pequeno, chorando amedrontado sob a sombra de uma árvore ? durante um churrasco à beira da piscina, a criança viu seus pais caírem por terra crivados de balas; terminava assim um longo reinado na contravenção. Em outra página, Percival nos conta que os jornalistas, subindo o morro em comboio após o assassinato do colega, são recebidos pelas vozes de enviados dos traficantes. Escondidos naquele labirinto vertical, eles gritam: "Vai ter mais Tim, vai ter mais Tim!".

Numa bela síntese, Alessandra, a viúva de Tim Lopes, disse em seu discurso na Associação Brasileira de Imprensa que "dividiram o homem de bem em vários pedacinhos, sem contar que cada um deles viraria semente e frutificaria no alto do morro e, do alto do morro, no coração de cada um de nós. Seus carrascos, numa atitude insana, acabaram por multiplicar Tim Lopes".

É como se de vários pontos da sociedade surgissem respostas às vozes dos traficantes, repetindo suas próprias palavras com outro sentido: "Sim, vai ter mais Tim!". Sim, o jornalismo investigativo continuará a desempenhar seu papel, o país e suas instituições vão se organizar. Sim, vai ter mais Tim!

Este livro é, portanto, um pedaço de Tim Lopes. Faz parte da reação pedida por Alessandra no mesmo discurso, faz parte de seu desejo de "construir um mundo melhor".

É esse o nosso desejo também.