Novo manual dos abelhudos

Deonísio da Silva (*)

Houve um tempo no Brasil em que um almanaque e a Bíblia estavam presentes em numerosos lares. Se não fosse a Bíblia, era ao menos a História Sagrada. A Bíblia continuou nas casas e, com o crescimento das pequenas igrejas ? pequenas igrejas, mas grandes negócios; para seus donos, evidentemente ? multiplicaram-se as edições e o livro sagrado está a cada dia em mais domicílios. É o livro mais vendido no Brasil, ainda que jamais freqüente as famosas listas de best sellers.

Os almanaques, entretanto, recuaram, sem contar que alguns, como o Almanaque Biotônico Fontoura, desapareceram. Almanaque é palavra que veio do árabe almanakh, designando primitivamente o lugar onde os nômades mandam ajoelhar os camelos. Enquanto homens e animais descansavam, os primeiros tratavam de trocar notícias, informações, em geral sobre o tempo, os caminhos, as safras, feitos de personagens famosos ou apenas curiosidades.

Os almanaques mantiveram a estrutura original daquelas antigas narrativas, como se pode constatar no Almanach Perdurável, do século 14, e no Almanach Perpetuum, organizado em Leiria, Portugal, pelo astrônomo e historiador judeu Abraham Ben Samuel Zacuto (1452-1515). Sua obra foi consultada por célebres navegadores, entre os quais Cristóvão Colombo (1451-1506) e Vasco da Gama (1469-1524).

Ainda que não carregue almanaque no nome, a Revista dos Curiosos vem preencher, em parte, a falta que fazem os almanaques. O jornalista Marcelo Duarte, seu diretor de Redação, está comemorando o sucesso dos dois primeiros números: "As vendas do primeiro número superaram as nossas expectativas", afirma.

Mas qual a linha editorial da Revista dos Curiosos? Seu êxito pode ser explicado pelo tom de almanaque. Senão, vejamos: o menor casal do mundo mora em Curitiba. O marido tem 90 cm de altura; a esposa, 93 cm. Mas moram numa casa em miniatura? Freqüentemente surge na imprensa a expressão "acabar em pizza". Como e onde surgiu? Consultaram o jornalista Eduardo Martins, autor do Manual de Redação e Estilo do Estado de S.Paulo, que registrou ter sido em reunião de diretores do Palmeiras, na década de 1950. O editor Miguel Icassatti faz um levantamento insólito, dando conta dos erros de grandes produções cinematográficas de Hollywood. Exemplos: Matrix e Titanic lideram as mancadas, o primeiro com 139 erros; o segundo, com 132. As informações foram extraídas do portal Movie Mistakes (Erros de filmes). O mérito da Revista dos Curiosos é pesquisar na internet, dar diagramação e edição de agradável leitura e ilustrar as matérias.

Revista nova nas bancas é bom sinal. Ainda mais quando preenche antiga necessidade caseira, retoma hábito já arraigado nas famílias e incentiva a leitura. Ainda que seja apenas pelo efeito de placebo, ler é sempre melhor do que não ler.

Mas que seus editores nos permitam, junto com os votos de boas-vindas, uma sugestão: a de pesquisar mais as curiosidades brasileiras. Há numerosas delas em livros de escassas tiragens, se comparadas com a tiragem de uma revista vendida em bancas.

Talvez seja mais urgente saber os motivos que levaram Hugo Chávez de volta ao poder, apenas 28 horas depois de derrubado, do que informar-se cientificamente dos motivos que levam os homens a serem barbados, e as mulheres não. Quer dizer, faltou um granus salis na matéria, pois mulheres barbudas infestam o imaginário e o folclore ? não custava nada adicionar umas linhas. De todo modo, a Revista dos Curiosos semelha os antigos almanaques, cumprindo função de oásis, de hora do recreio que concilia saberes, nem sempre dispensáveis, e sabores, duas entidades sempre bem-vindas, sobretudo quando acompanhadas.