Tom Taborda
"Aumenta a violência contra a mulher" (O Globo, 27/8/2000)
"Crescem os casos de violência contra a mulher" (Jornal do Brasil, 7/8/1999)
Até quando os editores de Primeira Página vão continuar insistindo ciclicamente neste erro primário de manchetar como se fossem catástrofes as denúncias acima?
A angulação de tais manchetes é completamente equivocada. Sua leitura deixa no ar o sentimento de aumento de fatores degenerativos da sociedade. E não o são. Pelo contrário, eles indicam evolução social.
O "aumento" da violência reportado sob tais manchetes espelha unicamente o aumento dos registros de violência nas delegacias especializadas. As mulheres agora têm coragem de denunciar a violência doméstica ou fazer queixa de estupro. Começam a aparecer – e fazendo disparar as estatísticas – casos de barbaridades que antes eram varridos para debaixo dos tapetes da censura ou da hipocrisia.
A imprensa deve ficar atenta e sempre frisar que a exposição destes desvios é positiva para a sociedade, significa que estamos aprendendo a expô-los, não mais aceitá-los, tomando a coragem de denunciá-los. Que os casos estão sendo trazidos à luz. No caso do Jornal do Brasil, o editor sequer leu o bem-escrito texto de Léa Agostinho, a começar pelo título da matéria, que trazia a positiva constatação que a "Mulher desafia medo e agressão", começando, aos poucos, a ter coragem de denunciar os maus-tratos, antes escondidos.
Por este nada singelo motivo, os números têm aumentado.
Assim também ocorre com a corrupção. Nunca, em passado recente, vimos tantos casos de corrupção pipocarem na imprensa. Da mesma forma, se reportados sob uma angulação equivocada, transmitirão ao cidadão comum a impressão que as "coisas" estão piores que nunca. Que a bandalheira é generalizada. Como se nossos governantes, dos últimos 40 anos, fossem vestais impolutas. Acredite se quiser.
Sob a mão férrea da ditadura, pareciam não existir o alcoolismo, a corrupção e o crime organizado na União Soviética. Sem a censura, os jornais puderam falar nestes assuntos. De uma hora para a outra, abriu-se uma caixa de Pandora, liberando todas as pragas do mundo. Imagino o cidadão comum, na Rússia atual, vendo agora todas essas desgraças na imprensa e suspirando por um passado "onde essas coisas não ocorriam", pensa ele, equivocado. Ocorriam, com certeza, apenas não apareciam.
Não podemos, assim, compactuar com o sentimento de "o que os olhos não vêem, o coração não sente". Se não é exatamente a melhor maneira de um indivíduo amadurecer, muito menos o será para uma sociedade.
Mas não podemos, tampouco, carregar nas tintas do "agora está pior que nunca", deleitando-se somente em enumerar casos e mais casos de barbaridades, como faz alguma parcela da imprensa, sobretudo a "imprensa popular" (TV principalmente), sem a visão macroscópica do significado de tais aumentos.
Cabe à imprensa ser responsável nestas análises, pois ela tem um papel peculiarmente didático na criação de ‘impressões coletivas’. E é a impressão do fato que fica, não o fato.
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