NYT: RESCALDOS DA CRISE
O New York Times deu bola fora de novo. Ressabiado com as gafes dos últimos meses que geraram uma forte crise na redação, o jornalão se retratou extensivamente na primeira página da seção de negócios do dia 14/7. O artigo corrigido falava de Steven Gottlieb, presidente da TVT Records. A reportagem, de Lynette Holloway, deturpava o status financeiro do selo fonográfico independente e suas antigas ações na justiça.
Segundo Joe Strupp [Editor & Publisher, 14/7/03], Gottlieb ficou surpreso com a quantidade de erros cometidos no texto, uma vez que foi entrevistado por Lynette. O advogado do empresário afirmou ter enviado uma carta de quatro páginas ao Times após revisar a reportagem. A carta fala dos erros ponto a ponto e exige correção.
Arthur Sulzberger Jr., publisher do Times e presidente da New York Times Co., disse que a correção publicada pelo Times foi apenas um gesto necessário para garantir a precisão. "Houve alguns erros e foi feita uma revisão", disse. "Este é nosso contrato com os leitores. Devemos [a correção] para ser transparente e fazer tudo direito."
A correção, publicada menos de três meses depois das quatro páginas de retratação que o Times publicou quando descobriu as fraudes do repórter Jayson Blair, reconheceu que a matéria de Lynette de 7/7 reportou erroneamente que Gottlieb deu calote sobre um empréstimo e perdeu o controle da companhia. O jornal também admitiu ter "dado um foco negativo ao histórico de envolvimento de Gottlieb na justiça, descrevendo-o como um sujeito litigioso ? conclusão injusta dos casos legais que enfrentou."
O jornal também publicou uma nota do editor na página de editoriais (segunda página do primeiro caderno), próxima às correções usuais, explicando a reportagem mal-apurada e reconhecendo alguns dos erros cometidos.
O advogado de Gottlieb disse que seu cliente ficou satisfeito com a atitude do jornal. "Ficamos gratos com o gesto do New York Times ao ver a profundidade de seus erros", disse. "A correção foi substancial e, acreditamos, responsável."
Palavras originais e suas correções
A matéria original se centralizava na atual ação judicial no valor de US$ 132 milhões que a TVT Records ganhou, contra a Def Jam Records. A despeito da vitória, a repórter afirmou que Gottlieb e TVT estavam tendo dificuldades financeiras que levaram a Prudential Securities a assumir o controle da companhia devido ao calote de uma dívida de US$ 23,5 milhões da TVT, a qual, segundo a reportagem, já estaria procurando um comprador.
Na realidade, conforme a correção, Gottlieb mantém controle da companhia, não é pessoalmente responsável pelo empréstimo e não tem de se desfazer da TVT. "Na verdade, Gottlieb nunca foi responsável pelo calote e permanece em total controle de sua companhia", afirmou o artigo que corrige o original, de autoria de Diana B. Henriques [The New York Times, 14/7]. "Mesmo se a Prudential ganhasse a disputa, que permanece em julgamento, a decisão se limitaria ao corte de alguns direitos autorais… Prudential não teria direito a parte da companhia e, portanto, não estaria em condições de pô-la à venda, como diz o artigo."
O jornal também afirmou, erradamente, que a companhia distribuíra álbuns de certos artistas e cancelara o contrato de outros.
Além de imprecisões originadas por premissas errôneas, o artigo estava cheio de erros factuais. Dizia que Gottlieb estivera envolvido em mais de 40 ações na justiça desde 1991. Na verdade, apenas em um terço delas consta o nome do empresário ou de sua companhia nos arquivos de tribunais federais e estaduais.
Em meio ao recente tumulto, o discurso do novo editor do jornal ficou obnubilado. Em 14/7, Bill Keller foi indicado ao cargo mais poderoso ? de editor-executivo ? do New York Times, um dos jornais mais poderosos do mundo. Em seu primeiro discurso à redação, Keller disse que não haverá recriminações pessoais como resultado dos sucessivos escândalos que assolaram o Times nos últimos meses, quando o jornal era dirigido por Howell Raines. "Não vou dividir o jornal entre Amigos de Howell e Amigos de Bill", afirmou.
Keller disse que o repórter Jayson Blair, autor de artigos plagiados e fabricados que saíram no Times ? principal motivo da demissão de Raines e de seu braço direito, o ex-editor-administrativo Gerald Boyd -, é uma aberração. Segundo artigo de Sridhar Pappu [The New York Observer, 21/7], Keller observa que o caso, apesar de nefasto, apontou uma vulnerabilidade básica em empresas jornalísticas, que diz respeito à confiança que se tem de ter nos repórteres. "Mesmo após examinar o currículo da pessoa, conversar com suas referências, observá-la durante determinado período, supervisionar seu histórico de apuração, entre outros procedimentos", afirmou Keller, "mesmo assim, isso pode ainda ser insuficiente. Você pode fazer diversas coisas para monitorar a performance de alguém, mas basicamente, precisa confiar que saberá fazer seu trabalho. Não vamos contratar inspetores ou grampear telefones de repórteres… Quem gostaria de trabalhar em um lugar assim?"
Observando Raines de longe por cerca de dois anos, Keller diz ter confirmado sua "impressão de que um sistema centralizado que pode trabalhar muito bem em uma organização de 50 pessoas, não funciona tão bem em uma de 1.200". Para Keller, os escândalos da pequena era Raines não são resultados da falha de uma "cultura do Times", mas na liderança dessa cultura. "Ainda precisamos fazer muita coisa", afirmou.
Mais que liderar uma redação grande com baixa auto-estima, Keller tem a dura tarefa de consertar as desgastadas bases da "old grey lady". Ele também adentra um novo ambiente, com uma equipe mais poderosa, que se recusou a aceitar as desculpas de Raines e Boyd. Keller promete um NY Times mais gentil.