Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Novos formatos de uma velha praga

SPAM

Marinilda Carvalho


"Você sabia que o projeto de lei PL-6210/2002 lhe garante o direito do envio de e-mails comerciais?"


Assim começa um spam ? ou seja, um e-mail não-solicitado, e pior, não-desejado ? da "empresa" Eletro Marketing 2002, que a exemplo de outras vende aos "clientes", sem autorização, o seu, o meu, o e-mail de todo mundo. Mas essa tática aí é nova. Veio substituir balela baseada numa suposta legislação americana, segundo a qual não será considerado spam o e-mail que incluir recurso de cancelamento. Mas isso veremos adiante.

Sobre o PL-6210/2002, do deputado Ivan Paixão (PPS-SE): em primeiro lugar, projeto de lei não garante coisa alguma. Como diz o nome, não passa de projeto. Não se garante nem que vá virar lei: 99% deles repousam indefinidamente nos escaninhos legislativos. Para que um projeto de autoria de um deputado vire lei é necessário, como determina o regimento interno da Câmara, que seja aprovado antes na comissão temática e na Comissão de Constituição e Justiça. Depois, pelo plenário da Câmara dos Deputados. Em seguida, pelo plenário do Senado Federal. E mais: se algum senador fizer alterações, o projeto volta à Câmara, para nova votação. Quando se trata de Projeto de Lei Ordinária, como é o caso, vai exigir ainda a sanção do presidente da República.

Pois o PL-6210/2002 está parado desde abril, à espera da indicação de relatores. Ou seja, nem sequer foi avaliado nas comissões de Informática e de Constituição e Justiça.

A mentira tem pernas curtas. Mas a "empresa" Eletro Marketing 2002 aposta na ignorância ou na ingenuidade dos eventuais "clientes" para vender seu peixe. "Conheça o meio mais ágil, econômico e moderno de divulgar sua empresa e seus serviços para milhões de pessoas, atinja instantaneamente seus clientes", alardeia a mensagem da "empresa". Ora, até bebê de meses sabe que ninguém lê spam, simplesmente deleta, em meio a palavras pouco abonadoras para a reputação do remetente.

Outra novidade odiosa é o spam que abre automaticamente o navegador na página do remetente, um abuso indescritível. Nem o excelente site <www.antispam.org.br> tratou ainda do assunto, que merece análise urgente. Aliás, este site é imperdível para quem abomina o spam e deseja conhecer meios de combater essa praga da internet.

Até poucos meses atrás, a balela da vez era uma frase, no pé do spam, dizendo que o envio era legítimo, segundo o decreto tal de tal data. Em sua coluna da WebWorld, página do IDGNow! <http://idgnow.terra.com.br/webworld/>, o advogado Gilberto Almeida ? que é professor de Direito da Informática na PUC-Rio, consultor de várias entidades da área e sócio da banca de advocacia Martins de Almeida ? destrincha a lorota: leis estaduais americanas de 1998 (especialmente nos estados da Califórnia e de Washington) "formalizaram um suposto equilíbrio entre os interesses de comerciantes e de usuários. O que diziam? Basicamente que, para o spam ser válido, deve respeitar certas condições, como: 1) não dissimular o propósito comercial; 2) identificar com veracidade e clareza quem é o remetente; e 3) habilitar o usuário a facilmente solicitar sua exclusão do cadastro da lista de distribuição".

Bendita jurisprudência

Trata-se da lei do junk mail, ou lixo postal, que prevê multas de 500 dólares por cada spam enviado, segundo matéria de Débora Pinho na revista Consultor Jurídico <www.conjur.com.br>. Ou seja, a tal lei pune quem recorre ao lixo eletrônico.

Mas, até onde se sabe, Califórnia e Washington não estão em território brasileiro. "O que existe, então, no Brasil?", pergunta Gilberto Almeida. "Em primeiro lugar, o Código do Consumidor, no art. 36, exige que toda propaganda não disfarce seu propósito comercial. E o Código Civil, no art. 159, determina que sejam indenizados os danos morais e materiais indevidos, como os que uma avalanche de spam às vezes provoca. Isso sem contar auto-regulamentação publicitária ou profissional ? como, no caso da OAB, o recém-editado Provimento n? 94, do Conselho Federal, que permite o envio de mala direta por advogado apenas quando solicitado ou autorizado."

Nada mais. Há outros projetos sobre o assunto tramitando no Congresso, em estágios bem mais adiantados que o de Ivan Sampaio, mas nenhum chegou ao ponto de entrar em vigor.

Em outra matéria, Débora Pinho comenta decisão inédita da Justiça gaúcha contra um jornalista que enviava sua newsletter a 11 mil endereços de e-mail por dia, alegadamente com autorização dos destinatários. [para ver a íntegra da matéria, visite o endereço <www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/asp0307200299.htm>. O provedor Via-RS, da Procergs, empresa do governo do estado, provou entretanto que muitos usuários reclamavam do recebimento da newsletter e do não-descadastramento, quando solicitado.

Bendito juiz. Que sua decisão crie jurisprudência e se alastre pelo país. Todo mundo hoje se acha no direito de enviar a todo mundo suas opiniões, sensações, gracinhas, angústias. Quando autorizado, tudo bem. Quando não, resta ao indigitado uma boa dose de simancol. Em silêncio, de preferência: diante de um pedido de remoção é cada vez mais freqüente o spammers sofrer aguda crise de rejeição, e sair brigando com o usuário descontente. Para isso, só mesmo o divã.