CADERNOS CULTURAIS
Antônio José do Espírito Santo (*)
Acompanho, com viva atenção, o grande interesse despertado na imprensa pelo surgimento de novos autores teatrais, numa espécie de movimento denominado Nova Dramaturgia Carioca.
Assunto sempre recorrente nos cadernos de cultura de nossos principais jornais, a suposta crise existente no teatro brasileiro ? no que diz respeito à carência de textos atuais com boa qualidade dramatúrgica ? é uma dessas questões que, a despeito de sua relevância, têm sido sempre desviadas de seu eixo principal, qual seja, é um claro reflexo do extremo descaso e da incúria a que está relegada a cultura brasileira real, aquela de extrato mais profundo, que não cabe nos formatos descartáveis de nossa avassaladora cultura de massa.
Diversos pontos de vista foram já emitidos sobre o assunto. A maioria opondo, de um lado, um certo grupo de novos autores e, de outro, alguns de nossos mais famosos diretores, acusados pelos primeiros de serem os grandes responsáveis pela tal crise dramatúrgica.
Para avivar tão candente discussão, a opinião rigorosa daquela que talvez seja a nossa mais abalizada crítica teatral, motivada pela ocorrência de uma mostra de trabalhos deste grupo de novos dramaturgos, expõe de maneira irrepreensível a incrível fragilidade técnica dos espetáculos ? vale dizer, dos textos ? desta Nova Dramaturgia Carioca
A mostra, em si mesma uma louvável experiência, pode ser também questionada, no entanto, por meio de outra e mais ampla linha de raciocínio: a natureza dos mecanismos de avaliação e seleção dos trabalhos que possibilitaram a este grupo de autores em especial serem declarados talentos emergentes de uma Nova Dramaturgia Carioca.
Não é novidade que a realização de concursos, mostras, seminários, festivais etc., com o fim de estimular a assunção ou afirmação deste ou daquele aspecto da cultura brasileira, costuma ser o meio mais usual de tratamento de questões ligadas ao teatro brasileiro, tanto quanto da literatura, do cinema, das artes plásticas.
A julgar pelos ares de esperança que respiramos nestes tempos, junto com todos os outros aspectos, a qualidade de nossa dramaturgia deveria mesmo ser uma questão de honra nacional, uma razão de Estado, na linha de frente das ações do Ministério da Cultura, instituição que, aliás, costumava manter um concurso anual de textos teatrais inéditos.
Entretanto, até em nome desta esperança, nós, argutos observadores, deveríamos nos perguntar:
** Afinal, de que Nova Dramaturgia estamos falando? Daquela ligada à teatralidade brasileira ampla, geral e irrestrita ou de uma espécie de ação dramática entre amigos?
** Se não foi o público, quem elegeu, e sob quais critérios, este grupo de novos autores como talentos emergentes, representantes de uma Nova Dramaturgia Carioca?
** Na busca desta Nova Dramaturgia, além da aprovação do público, utilizaremos mecanismos de avaliação técnica e artística, éticos, transparentes, acessíveis ao maior número de candidatos possíveis ou, bem ao estilo da extrema vocação de nossa sociedade para a exclusão? Ou manteremos a politicazinha do "QI" ("quem indica"), das bancas examinadoras invisíveis ou onipotentes, dos editais e critérios de aprovação confusos e viciados, enfim, dos acertos entre amigos, neste eterno corporativismo de botequim que quase sempre tem marcado, no Brasil, as ações culturais financiadas com dinheiro público?
Nós, argutos observadores, espectadores, novos, velhos autores, ou não, precisamos pelo menos declarar que não nos sentimos representados pelo sucesso ou pelo fiasco desta gente.
Há uma crise no teatro brasileiro, sim, mas não nos parece que ela seja uma crise essencialmente dramatúrgica, muito menos uma crise exclusivamente teatral.
Pode ser uma crise da mídia teatral, da linguagem teatral em si que, diante da força terrível da televisão, não encontrou maneiras conseqüentes de atrair, formar e manter platéias. Pode ser uma crise de natureza ideológica também, já que o teatro brasileiro dos anos 90 passou cada vez mais a discutir temas escapistas, restritos a uma pequenina classe de iniciados, quase que a falar de seu próprio umbigo, produzindo não só uma dramaturgia ruim, mas um teatro de maneira geral muito ruim, quase medíocre.
Sem ética, sem cultura
Devíamos saber que não são necessários dramaturgos para se fazer mau teatro.
Falta-nos o conflito entre os bons textos inéditos que, com certeza, existem por aí, e os textos ruins e presunçosos dessas "panelinhas" e "corriolas" que atravancam os acessos à mídia e aos recursos, infestando nosso pobre meio cultural de baixos interesses.
Não nos faltaria portanto e tão somente uma nova dramaturgia; nos faltaria isto sim, um novo teatro brasileiro, um novo cinema, uma nova literatura, um nova imprensa, nos faltariam em suma os novos-velhos elementos essenciais de uma cultura brasileira real que está por aí, como quase tudo que temos de melhor, excluída.
Devíamos ter concluído há mais tempo que sem ética não há cultura possível.
(*) Músico e pesquisador da Uerj