Carlos H. Knapp
Haverá quem responda que algumas vezes a beleza é o resultado, isto é, a estética dos anúncios contribui para estabelecer um conceito e uma imagem desejados. É verdade.
Entretanto, na maior parte dos casos, a preocupação em fazer do anúncio uma obra de arte prejudica a comunicação pretendida. Ao aprovar uma campanha, o anunciante acredita na agência. Confia em que seus especialistas estejam seguros do resultado que as peças de propaganda criadas devem produzir. Às vezes, porém, tais peças – pagas e veiculadas com o seu precioso dinheiro – se destinam bem mais a enriquecer portfólios, concorrer a festivais de criatividade e quem sabe até merecer a honra de entrar em anuários internacionais como o Graphis ou o B.D.&A.
Sempre existiu essa tentação de um criador se realizar na propaganda enquanto não consegue ser um cineasta, um artista plástico ou um escritor de moto próprio. Não há mal nisso, desde que os ensaios estéticos produzam o resultado esperado por quem paga a conta, o cliente. Mas o verdadeiro profissional da propaganda coloca sempre seu talento e seu estilo criativo a serviço do cliente, tratando de cumprir com isenção o objetivo proposto.
Um publicitário muito experiente foi consultado há dias sobre o que fazer com um anúncio de marketing direto que era lindo mas não funcionava. Ele logo viu o defeito: o espaço inteiro estava ocupado por uma ilustração alegórica; o texto com a oferta, as vantagens e o telefone para contato encontravam-se resumidos e espremidos em corpo 6, no rodapé. Sugeriu reduzir a ilustração à metade e colocar, na outra metade, o texto de venda com o telefone bem grande. De dois telefonemas por dia, o anunciante passou a receber mais de duzentos. O puro bom senso estava sendo sacrificado em benefício de uma boniteza inútil.
O texto tem sido a vítima dileta dos estetas do layout. Esquecem que o bloco de texto é para ser lido e o consideram, quando não um estorvo, um elemento visual a ser distribuído no espaço. Há semanas vi um anúncio de 2 ou 3 páginas que serve de perfeito exemplo para esta crítica: tinha um longo texto composto em espiral, com linhas sinuosas e contínuas que imitavam as circunvoluções de uma impressão digital ampliada. Para lê-lo era preciso ir girando a página do jornal (ou dar voltas em torno da mesa sobre a qual ela estivesse aberta). Tamanho sacrifício só se justificaria se a leitura fosse premiada com alguma surpresa final, mas não era o caso. Tratava-se de um discurso algo hermético sobre os méritos de um serviço informático. Por mais que me esforce, não consigo me lembrar agora do nome do anunciante nem do serviço anunciado – prova de que esse exercício “criativo” não favoreceu o resultado.
Um exemplo não tão dramático de descaso é o anúncio da Telefonica publicado em 27/6/00, na Gazeta Mercantil: “Um aluno da rede pública de nosso cliente Secretaria da Educação durante uma aula em Cambridge”. Ele é ocupado fora-a-fora por uma belíssima foto de uma criança pobre, de perfil diante da tela do computador. O título e o bloco de texto, contudo, têm sua leitura prejudicada por terem sido aplicados em negativo sobre a foto b&p, um fundo ora claro ora escuro. O corpo reduzido da composição piora ainda mais a legibilidade. Com os recursos de que dispomos hoje, não se admitem mais esses imprevistos do tempo do clichê e dos estéreos. Imagino que o diretor de criação deve ter ficado fascinado com a força da foto e tratou o resto do anúncio como elemento secundário.
Estou atribuindo tais deficiências a diretores de arte excessivamente empenhados em valorizar visualmente as peças que criam, mas existe também uma causa exatamente oposta, que é o uso dos anúncios prêt-à-porter. São anúncios quase sempre reproduzidos de publicações estrangeiras e arquivados no computador, prontos para adaptar conforme o caso: é só substituir os vários elementos – imagens, títulos, textos, produto, marca – conservando o layout. É uma pirataria barata, mas não dá para exibir por aí.
Não se pode esperar muita profundidade dos argumentos publicitários, concebidos para nos seduzir nos breves instantes em que captam nossa atenção. Mas alguma coerência eles precisam conservar. Ao ler “Podemos dar mais de um milhão de motivos para explicar por que estamos revolucionando a comunicação no mundo dos negócios”, um título que ocupa 2/3 de um anúncio de página inteira de jornal, você espera que o texto, logo abaixo, justifique a afirmação. Mas não, ele só diz:
Gostaríamos de anunciar o nascimento de uma nova empresa, que é o resultado de 130 anos de experiência: Avaya. Com quase um milhão de clientes em 90 países, já somos uma força (…).
E nem um só dos motivos porque a empresa está revolucionando o mundo dos negócios.
Esse “gostaríamos de anunciar” nos faz desconfiar de que se trata de um anúncio traduzido do inglês, em que “we would like to” é uma fórmula amável de enunciar um desejo. Mas não há razão para empregar esse condicional em português: se você gostaria de anunciar, por que não anuncia de uma vez, já que está pagando o anúncio?
O Grupo Aché tem apresentado no Jornal Nacional um comercial que valoriza a profissão do médico. Ele abre com uma visão da cara do parteiro, do ponto de vista de quem acaba de sair do útero, e depois continua com a visão que alguém teria ao sair do coma, na sala de cirurgia: os rostos dos médicos que o salvaram. Trata-se de uma bela idéia, muito bem realizada. Infelizmente, uma falta de cuidado na locução torna a mensagem incoerente. Você ouve isto:
O médico é a primeira pessoa que você vê quando nasce.
Mesmo que você esteja nascendo de novo, nada pode ser mais
importante neste país que salvar uma vida.
Existe tanta relação entre o seu renascimento e a importância de salvar vidas no país como aquela que apontei, entre o título e o texto do anúncio da Avaya. Parece-me que o texto original deve ter sido escrito assim:
O médico é a primeira pessoa que você vê quando nasce,
mesmo que você esteja nascendo de novo.
Nada pode ser mais importante neste país que salvar uma vida.
Duas sentenças lógicas. A simples mudança da pontuação deixou a segunda sem sentido.