Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O baralho, o craque e a rasteira no tempo

MÍDIA NA COPA

Ricardo Noblat (*)

A Copa do outro lado do mundo condenou os jornais impressos à velhice precoce ? chegam às bancas depois dos resultados dos jogos da madrugada. Mas na sexta-feira [21/6], dia da gloriosa vitória sobre a Inglaterra, conseguimos driblar o fuso horário com uma maestria que só é possível quando a gente se permite quebrar modelos até então intocáveis. Foi assim que, inspirado no princípio das cartas de baralho, o Correio Braziliense produziu uma de suas capas mais festejadas.

Havia notícias importantes para o destino do país ? o inchaço do risco-Brasil talvez a maior delas. Porém, estávamos todos, ou a maioria absoluta de nós, cronometrados com a madrugada. Era preciso, então, fazer uma capa com as cores da nossa ansiedade, fôssemos vitoriosos ou derrotados. A idéia inicial surgiu dois dias antes, de uma conversa do editor de Arte, Fábio Sales, com o editor de Fotografia, Cláudio Versiani.

Entre tantas outras responsabilidades, Sales tem por dever de ofício pensar graficamente e desenhar a primeira página do Correio. Se nas edições dos quatro jogos anteriores da Seleção Brasileira tinha acatado a solução convencional ? tratar do assunto com a atemporalidade possível e sem qualquer referência ao resultado dos jogos ?, nessa, a tensão das quartas-de-final levou Sales a pensar numa jogada ousada. Por que não dividir a capa em duas regiões distintas, numa das quais se trataria da possível vitória e em outra da indesejável derrota?

Quando contou de sua idéia na reunião de pauta da véspera do jogo, às 10h, Sales sentiu que tinha jogo. Os demais editores gostaram da tática inédita, mas era preciso uma solução gráfica e textos de peso para acompanhá-la. À tarde, ele já tinha tomado emprestado o conceito da carta de baralho e propunha repetir o cabeçalho do jornal no pé da página. Seguiram-se conversas exaustivas até se concluir que seriam necessários dois textos de qualidade literária, para dois títulos, o da "glória" e o da "frustração". Optamos por um inédito concurso de textos dentre os jornalistas do Correio, aberto a qualquer candidato ? outra jogada bem-sucedida.

Faltavam menos de três horas para o jogo do Brasil quando Sales deixou a redação, ansioso, preocupado, como costuma acontecer sempre que alguém lança o pé ao desconhecido. Temia que o leitor não entendesse a brincadeira, que as cores interferissem na leitura dos textos, que não desse certo, que… Deu tão certo que choveram e-mails e telefonemas de leitores surpresos e satisfeitos.

Mais um gol do carioca Fábio Sales, jornalista de 28 anos, formado na Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, marido de Cassia e pai de Rafael, 3 anos, e Manoela, de nascimento marcado para agosto. Em menos de dois anos no Correio, depois de passar pelo O Globo e O Dia, no Rio, Sales já pôs no bolso mais de 52 prêmios do SND, espécie de Oscar do design gráfico, pela qualidade das páginas que ele e sua equipe produzem. Quando diz que este é o jornal mais bem desenhado do país, ele não está cometendo o pecado da empáfia. Pensava assim desde que conheceu o projeto de Chico Amaral, supercraque do design gráfico, autor do projeto do Correio e responsável pelo reconhecimento internacional deste jornal.

Chiquinho foi para Barcelona e escolheu Sales para substituí-lo. A feliz escalação comprova que o mineiro Chico Amaral não só sabe jogar muito bem como tem sabedoria e generosidade para enxergar novos craques. Que venha o penta!

(*) Diretor de Redação do Correio Braziliense; artigo orginalmente publicado no mesmo jornal em 27/6/02

Leia também

Zero
Hora e o jornalismo de resultados

? James Görgen