Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O besteirol das previsões

ENTRA ANO, SAI ANO

Deonísio da Silva

Todo ano a imprensa embarca na mesma canoa furada. A televisão, o rádio, revistas e jornais, enfim os meios de comunicação agem no crepúsculo do ano velho e no alvorecer de um novo ano, empenhados em dar vez e voz a um batalhão de profetas que mais parecem o exército de Brancaleone.

Denominar místicos a esses autoproclamados videntes é grave ofensa a célebres místicos, como Santa Teresa d?Ávila e São João da Cruz, indivíduos que melhoraram a vida da Humanidade, mesmo aos olhos de quem não é católico, pois, quando menos, suas ações resultaram em atos de solidariedade aos mais pobres.

O mais irritante é que muitos deles se dizem professores. Onde estudaram? Que escola ou universidade lhes deu os diplomas que não apresentam? E são diplomados em quê?

Se ao menos os editores que os pautam tivessem o cuidado de retomar as previsões para 2003, feitas em dezembro de 2002! Ou pesquisar agora aquelas que foram feitas em janeiro de 2003. Não, à semelhança de James Bond, que tinha licença para matar, nossos videntes têm licença e impunidade para profetizar.

A favor deles, há, entretanto, um argumento pesado: erram menos do que muitos economistas. A taxa de erro de ilustres personalidades chegou a mais de 200%. O crescimento do Brasil não seria de 3%? Não chegou a 0,5%. Por isso, comparados com os videntes, os economistas erraram mais. Sem contar que as previsões dos videntes não afetam o dólar, nem a bolsa, nem as dívidas, públicas ou privadas.

"Estão limpos"

Vamos ficar de olho? A astróloga Bárbara Abramo disse que "o MST estará bem no primeiro semestre", mas "no segundo semestre, uma quadratura de Plutão com Mercúrio trará batalhas no campo, com bloqueios de estradas e mortes". Diz mais: "Poderá haver intensificação dos oligopólios".

A astróloga continua a prever, desta vez para maio. "Um eclipse no dia 4 sinaliza um momento privilegiado para alterar positivamente a política de salários". E na política? "Marta Suplicy será reeleita em São Paulo." E o PT, como vai? Afinal, é preciso perguntar, trata-se de questão pertinente, é o partido que está no poder. "A tendência no segundo semestre é o caminho do meio. Como o PT está bastante em cima do muro [sic], terá bons resultados. O mesmo cenário pode favorecer o PSDB". É? Mas, como? Não houve eleições, não houve troca de poder, não há oposição? Para os astros, os dois partidos serão favorecidos pelas mesmas coisas? Devem ser astros mineiros, conciliatórios!

Robério de Ogum apresenta realizações de seu curriculum vitae: "Previ a morte de Tancredo Neves seis meses antes das eleições". Bem, o signatário não lembra disso, embora não esqueça que na época o jornalista Getúlio Bittencourt fez e publicou o mapa astral de Tancredo Neves, que previa dias de muita apreensão às vésperas da posse. Como se sabe, Getúlio Bittencourt acertou, mas jamais o signatário viu o jornalista jactando-se desses acertos.

E Robério de Ogum prevê para Marta Suplicy o contrário do que para a princesinha do Brasil previu Bárbara Abramo. Isto é, Marta Suplicy "dificilmente se reelege". E por quê? "Ela apagou espiritualmente." "César Maia ganha no Rio" e "Maluf nunca mais vai exercer um cargo executivo".

Segundo Maggy Harrison, "em julho, Saturno entrará na casa seis, da saúde e da classe trabalhadora, onde ficará dois anos e meio". Isso será muito bom para a área social. Mas, atenção: "A quadratura de Plutão com Marte indica um novo escândalo no Judiciário".

Já Sérgio Padovan, o Arhan, "muitas CPIs serão instaladas". "A primeira pode ser sobre o assassinato de Celso Daniel [ex-prefeito de Santo André]." Os ministros José Dirceu e Antonio Palocci devem temer as intrigas que cercam a profetizada CPI? "Não, eles estão limpos." Ou o vaticínio diz respeito aos "setores do governo e do PT"?

Ramerrão anual

Como os videntes, profetas e áugures existem em muitas culturas, vejamos, para concluir, como previam na antiga Roma. Desde os tempos de Rômulo, havia gente encarregada de prever se os acontecimentos vindouros trariam boas ou más notícias.

Essas pessoas, inicialmente em número de três, depois quatro e finalmente nove, formavam um colegiado e eram chamadas de áugures. Eles começaram seu ofício observando o canto e o vôo dos pássaros. Paulatinamente foram aumentando esses indicadores. Assim, passaram a ser critérios de adivinhação das cousas futuras também o modo como as aves se alimentavam, o tráfego dos corpos celestes, o trovão, o raio, os ventos.

Entre as aves, as mais observadas eram a águia, o corvo, a gralha, o abutre e o milhafre. Os áugures mais qualificados encarregavam-se de examinar os presságios que envolviam cerimônias religiosas e negócios de Estado.

A sabedoria adivinhatória estava contida em 12 artigos, relacionados com os 12 signos do zodíaco. Comandantes militares levavam áugures com as tropas, para que previssem as condições das batalhas.

Os áugures consultavam frangos levados em gaiolas. Na Primeira Guerra Púnica, observando que os frangos não queriam alimentar-se, nem sair das gaiolas, desaconselharam a batalha naval contra a frota cartaginesa. "Se não querem comer, que bebam", disse o comandante. E mandou jogar as aves ao mar. Os romanos foram fragorosamente derrotados, fortalecendo, assim, ainda mais o prestígio dos áugures. Outras formas de adivinhação, herdadas dos etruscos, consistiam em examinar as entranhas de aves e animais.

No Brasil, com o preço do frango caindo pelas tabelas, bem que os videntes poderiam auscultar as entranhas de aves tão baratinhas. Pelo menos teríamos previsões diferentes do conhecido remerrão dos crepúsculos de todos os anos e começos dos sucessores.