Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O Brasil precisa é de inclusão social

DEMOCRACIA DIGITAL
(*)

Alexandre Rangel (**)

O jargão inclusão digital continua sendo explorado pelos diversos setores do atual governo como a solução para diversos problemas sociais, educacionais e culturais. A história, já contada pelo governo anterior, continua a mesma: a exclusão digital será combatida por meio de cursos de informática, da doação de microcomputadores e da replicação de modelos de telecentros, o que favoreceria a inclusão de milhões de brasileiros e brasileiras.

Tudo isso já foi dito no passado, mas sabemos que o acesso a equipamentos, por si só, não promove a inclusão. É certo que existem muitas pessoas sem acesso a microcomputadores e à internet, mas não podemos ficar restritos a essa constatação. Caso contrário, a proposta poderia ser a de criação de um movimento pela inclusão analógica. Na verdade, a única inclusão ou exclusão que existe é a social ? de conhecimento, informação, gênero, raça, justiça e cidadania.

Acesso à inovação tecnológica não é somente acesso aos meios, mas, fundamentalmente, à informação de como utilizar esses meios para potencializar conhecimentos, oportunidades etc. E isso não irá ocorrer com modelos pré-fabricados e pró-inclusão digital institucionalizados pelo governo federal. Não podemos pegar um único modelo, como o projeto dos telecentros de São Paulo, por melhor que seja, e implementá-lo Brasil afora. Não irá funcionar.

O projeto dos telecentros da cidade de São Paulo foi idealizado pelo atual presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), Sr. Sérgio Amadeu da Silveira, com o objetivo de reduzir a desigualdade social gerada pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Os telecentros são equipados com microcomputadores, softwares livres e acesso à internet de alta velocidade, criando uma das maiores redes de usuários de GNU/Linux do planeta. Dessa forma, será incentivada a criação de cooperativas ou empresas locais/nacionais para a produção de software livre, além da produção de conteúdos locais para a internet e a co-participação da população por meio da criação de conselhos eleitos para gerir os telecentros.

O modelo é muito bom, mas o Brasil é um país-continente, com diversidades socioculturais e educacionais que precisam ser levadas em conta na hora de implementar qualquer projeto sério. O que é eficaz para uma determinada região, provavelmente não atenderá a outra. Logo, para que haja inclusão social, a população local precisa participar dos processos de modelagem e/ou adaptação para a sua realidade, bem como da implantação e da gestão dos telecentros, tornando-se co-responsável pelo projeto, por meio de associações, ONGs, conselhos etc. No caso dos telecentros de São Paulo, a população local é convidada a gerir uma iniciativa pronta, um modelo pré-estabelecido, no qual as regras já estão definidas. Cabe ao governo criar políticas públicas que garantam continuidade e sustentabilidade a essas iniciativas.

As tecnologias são feitas por e para a elite, é assim que funciona a lógica econômica da produção. A sociedade civil organizada deve interferir neste processo de fazer com que as TICs sejam utilizadas para a redução das desigualdades sociais que elas próprias ajudam a aumentar. Podemos até admitir o uso do jargão inclusão digital se significar o uso de TICs como ferramentas facilitadoras para o processo de inclusão social.

Porém, não é isso que presenciamos hoje. A oferta de equipamentos tende a crescer com a implementação dos telecentros, mas as políticas públicas digitais estão sendo adiadas ou definidas arbitrariamente, sem a participação social. Exemplo disso é a contribuição do governo brasileiro para a conferência da ONU sobre a sociedade da informação, denominada Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI), que está sendo feita sem interlocução com quem irá sofrer diretamente seus resultados, a sociedade civil.

Essta conferência definirá regras para a sociedade da informação mundial, afetando diretamente qualquer projeto de inclusão social com o uso de TICs, o que inclui os telecentros, nosso direito à "privacidade digital", convergência digital, sobrevivência dos meios de comunicação e informação alternativos e outros.

De nada vai adiantar a implantação de telecentros para garantir a liberdade de expressão do cidadão ou da cidadã se não se puder garantir que toda a sua comunicação não seja monitorada ou violada por empresas que administram os Pontos de Troca de Tráfego (PTTs) e/ou outros concentradores da internet. Os PTTs são os "funis" da internet. Segundo a Telegeography.com, hoje existem 155 PTTs na internet mundial, sendo 45 nos EUA e 4 no Brasil, localizados em São Paulo ? Abranet, Fapesp, Diveo e OptiGlobe.

Os telecentros ganharam novos projetos com nomes bonitos, como Rede Floresta de Inclusão Digital, e a possibilidade de utilização de internet via satélite, mas a estrutura continua a mesma. Todos pré-estabelecidos e candidatos ao prêmio de modelo ideal de telecentro para o país. Porém, não precisamos de um único e sim de vários modelos, cada um com sua expertise e convivendo em uma mesma localidade.

Podemos ter um telecentro de negócios para desenvolver o empreendedorismo; para a capacitação na utilização de programas de escritório (editor de textos, planilhas de cálculo, apresentações); para treinar o indivíduo no uso de programas específicos utilizados por grandes empresas; para estimular a criação de redes comunitárias virtuais, permitindo trocas de experiências na elaboração e manutenção de projetos sociais. Enfim, as possibilidades são inúmeras, a tecnologia proporciona isto, permite uma infinidade de soluções que devem ser exploradas. Não podemos mais aceitar como positiva a competição entre os diversos modelos possíveis. Ao contrário, devemos estimular a criação de novos e a interação entre eles.

(*) Reproduzido do sítio da Agência Ibase <http://www.ibase.br>; publicado originalmente em 22/8/03 no sítio da ONG Socid ? Sociedade Digital <http://www.socid.org.br/>

(**) Coordenador-executivo da Socid <http://www.socid.org.br/>