ARTIGO 222
Luciano Martins Costa (*)
Está em curso, ainda em fase embrionária, um fenômeno que pode virar de pernas para o ar o cenário das comunicações no Brasil. Ele resulta da Emenda Constitucional 36/2002, que modificou o artigo 222 da Carta e abriu a possibilidade de associação das empresas de comunicação com investidores estrangeiros, no limite de 30% do capital, e a posse da chamada mídia por pessoas jurídicas. Mas não se trata exatamente da injeção de dólares sem sombra de tutela editorial, tão sonhada pelos proprietários dos meios de comunicação. Pelo contrário, o fenômeno que começa a se delinear em conversas ainda tímidas, mas muito consistentes, pode se revelar um pesadelo adicional para alguns dos atuais donos de jornais, já assombrados com a queda das margens de lucro e a perspectiva de aumento no custo de insumos.
Alguns analistas encarregados de assessorar negociações para o ingresso de investimentos nas empresas de comunicação têm detectado basicamente três tipos de problema: falta de qualificação de gestores especializados em mídia, governança corporativa inadequada e baixo investimento no chamado core business da imprensa ? conhecimento ?, o que resulta em falta de habilidades essenciais para o exercício de um jornalismo competitivo e inovador.
Dos exames contábeis brotam ainda altos níveis de endividamento, alguns casos de passivos trabalhistas gigantescos e falta de visão estratégica sofisticada o suficiente para convencer os investidores. Um dos mais conceituados jornais do país recentemente fez circular em ambiente restrito seu plano estratégico para os próximos quinze anos e provocou risos de desânimo: tinha tudo com que pode sonhar um empreendedor, exceto o mais básico senso de realidade.
Velha pátria
O fenômeno que começa a se desenhar tem origem no ambiente de empresários e consultores vinculados ao movimento por responsabilidade social nas empresas e envolve investidores de risco comprometidos com instituições dedicadas a repensar o capitalismo. Ele se inicia na suspeita de que poucas empresas de comunicação no país podem ser tidas como oportunidades reais para investidores. Quanto à mídia impressa, com exceção dos títulos especializados como jornais de economia, cujo potencial pode ser mais claramente avaliado, cresce a desconfiança de que seria melhor negócio criar novos títulos, forrados em pesquisas consistentes e tocados por equipes especialmente capacitadas, do que comprar uma publicação já estabelecida e sujeita a perigosos índices de rejeição.
Alguns elementos que estão sendo considerados: os grandes jornais de São Paulo perderam nos últimos sete anos ? sem contar os novos leitores ? cerca de 500 mil leitores diários (média da semana), que aparentemente continuam sem alternativa; o tempo necessário para fidelização de leitores (aqueles que renovam a assinatura constantemente ou fazem assinatura por períodos longos) caiu dos históricos três anos para um ano; os jornais se tornaram muito iguais e perderam a capacidade de surpreender o leitor; pode ser mais barato e mais fácil criar e consolidar um novo título do que vencer a indiferença que provoca no leitor mais exigente a atual mesmice dos jornais.
Muita conversa e muitos números têm circulado entre empresários que se preocupam com o estado das coisas no país e já não encontram interlocutores comprometidos na imprensa. Comentário de um deles, que esteve recentemente num grande jornal para discutir um projeto social: "Fui levar minha preocupação e discutir umas idéias de investimento social, saí com um monte de pedidos para anunciar em cadernos especiais".
Para resumir: a emenda constitucional criada para salvar a velha pátria pode servir de inspiração para alguns que preferem criar uma pátria nova.
(*) Jornalista