Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O caminho da auto-regulamentação

DOMINGO ILEGAL

Letícia Nunes (*)


Entrevista com Orlando Fantazzini (PT-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e coordenador da campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”.


A polêmica sobre o programa Domingo Legal, do SBT, teve início no dia 7 de setembro. Apresentado por Gugu Liberato, o programa exibiu uma suposta entrevista com dois integrantes do PCC (a facção criminosa Primeiro Comando da Capital). Dois homens encapuzados e armados fizeram ameaças de morte, em rede nacional, a personalidades como o padre Marcelo Rossi, o vice-prefeito de São Paulo Hélio Bicudo, e os apresentadores de TV Marcelo Rezende, José Luiz Datena e Oscar Roberto de Godói.

Duas semanas após o programa ter ido ao ar, sabe-se que a entrevista foi forjada e que os supostos criminosos são, na realidade, atores contratados. Se não bastasse dar espaço em um programa de TV para que dois bandidos fizessem ameaças de morte, a constatação de que tudo não passou de uma farsa aumenta infinitamente a polêmica causada pelo episódio.

Os jornais têm noticiado diariamente as repercussões do caso, os outros programas de TV ? principalmente os apresentados pelos ameaçados ? não param de abordar o assunto. Para completar, a Justiça Federal proibiu a exibição do Domingo Legal no último domingo, dia 21.

Nesta entrevista ao Observatório da Imprensa, o deputado Orlando Fantazzini (PT-SP) comenta o episódio e diz o que pode e deve ser feito a partir desse caso. Fantazzini é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e coordenador da campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”, que luta pela melhoria da qualidade da programação televisiva e pela dignidade do cidadão na mídia.

Como avalia o caso do escândalo do programa Domingo Legal?

Orlando Fantazzini ? Foi um exagero. Ainda que fosse verídico, foi uma irresponsabilidade grande utilizar um veículo de comunicação de massa para dar espaço a criminosos. Foi algo sério e, ao meu ver, extremamente grave. Mas ainda mais grave foi o desdobramento. Descobriu-se que a entrevista foi algo forjado, foi uma montagem. O episódio representou mais uma amostra do vale-tudo que acontece na TV na briga pela audiência. O Gugu está simplesmente pagando pelo que as emissoras de TV fazem há tempos. Essa política das emissoras de não aceitarem uma regulamentação do seu meio acabou se voltando contra elas. No caso, foi contra o Gugu, mas poderia ter sido com qualquer outro apresentador. É simples assim: quando não há regulamentação, o Judiciário pode agir para consertar atos irresponsáveis deste tipo.

Qual é o papel da campanha contra a baixaria na TV neste episódio? Como ela pode ajudar?

O.F. ? Acredito que o caso não teria toda esta repercussão se não fosse a campanha contra a baixaria na TV. A campanha começou a dar resultado. Sem ela, o episódio do Gugu provavelmente passaria despercebido, seria apenas mais um entre tantos casos de baixaria na TV.

Como funciona a campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”?

O.F. ? Nós temos um site <www.eticanatv.org.br> e o telefone da campanha (0800-619619). Através destes dois meios, os cidadãos podem expressar seu descontentamento e sua crítica a qualquer programa de TV. A partir das denúncias dos próprios telespectadores, nós montamos um ranking da baixaria com os dez programas mais votados, digamos assim. Distribuímos esta lista para os conselheiros, que são pessoas de entidades civis que participam da campanha. O conselho se reúne, discute e formula um parecer. Este parecer é encaminhado à emissora. E, assim, nós tentamos abrir um canal de diálogo com ela.

O que é considerado baixaria pela campanha?

O.F. ? Baixaria para nós é justamente aquilo que está previsto na Constituição. Nós utilizamos o contexto jurídico para definir o que a constitui. Assim, qualquer tipo de desrespeito ao cidadão e qualquer tipo de preconceito é considerado baixaria. É preciso que fique claro que nós não queremos restabelecer a censura. Mas a liberdade de expressão também não pode se sobrepor aos direitos humanos.

O objetivo da campanha não é a censura, mas a melhoria da qualidade dos programas de TV. Como fazer para conseguir concretizar este objetivo sem censurar?

O.F. ? A censura é prévia. Não estamos propondo que uma emissora de TV se submeta a um conselho que regule sua programação. O que é importante é existir um código de ética. Desta forma, primeiro é feita uma advertência pública, depois é dada uma multa à emissora, e só depois disso tudo o programa é suspenso. Isso não é censura, é criar normas para a regulamentação da TV. É obrigação da TV mostrar valores éticos, morais, disseminar a cultura nacional e, principalmente, respeitar o cidadão.

Como avalia a decisão da Justiça Federal de proibir a exibição do programa de Gugu Liberato no domingo, 21/9?

O.F. ? Eu estava em Caracas por 15 dias e só voltei ontem [21/9]. Pelo que li nos jornais, a proibição é apenas uma sanção. A juíza penalizou o programa Domingo Legal por causa do que foi exibido no dia 7 de setembro, e não pelo que seria exibido no programa do último domingo. Eu li que o advogado do SBT disse que foi censura. Não foi censura, foi uma punição por algo que foi feito de errado. Eu gosto de comparar [esses casos] com a legislação de trânsito. Se você comete infrações e perde 20 pontos na carteira de motorista, você é punido. Foi isso o que aconteceu ao programa do Gugu: foi punido por ter cometido uma grave infração.

O episódio tem dois aspectos: a apologia ao crime em um programa de TV e a falsidade ideológica e jornalística. Qual dos dois é mais preocupante?

O.F. ? Os dois são preocupantes. O impacto que a TV tem na população é gigantesco. Sabendo disso, um programa de TV tem o poder de transformar marginais em estrelas. Eu vejo da seguinte forma: não existe meia gravidez, não é? Também não existe meio crime. Os dois aspectos são fruto de irresponsabilidade e, com isso, o SBT propiciou uma ameaça à população.

O programa Domingo Legal liderou o ranking de baixaria da campanha há alguns meses, e o próprio Gugu enviou um assessor para conversar com o senhor sobre isso. Qual foi o resultado desse encontro?

O.F. ? Ele me disse que eles tinham uma predisposição de mudar, de melhorar. Contrataram mais um produtor e contrataram profissionais de jornalismo para fazer as matérias jornalísticas. Houve, de fato, mudanças na qualidade do programa. E o próprio diretor pediu demissão há pouco tempo, pois não concordava com essas novas regras. Ontem [domingo, 21/9], o assessor do Gugu me ligou de novo. Pediu um voto de confiança. Na minha opinião, o Gugu tem todas as condições para dar a volta por cima. O episódio tem que ser bem apurado e, se for o caso, Gugu tem que ter humildade para reconhecer o erro. Nós não queremos tirar o programa do ar, queremos ajudá-lo a melhorar.

O programa Domingo Legal deverá voltar ao ranking de baixaria?

O.F. ? Eu falei para o assessor do Gugu que, mesmo dando um voto de confiança a eles, nós temos que ser fiéis à população. Se a campanha receber muitas denúncias da população contra o Domingo Legal, o programa voltará ao ranking.

Que providências devem ser tomadas para que casos como esse não se repitam?

O.F. ? O principal a ser feito é a aprovação, no Congresso Nacional, do código de ética na TV. Isso ainda não foi concretizado por causa do lobby feito pelas próprias emissoras. Mais de uma vez, foi proposto a elas que elas próprias se unissem e criassem um código de auto-regulamentação da programação. O [então ministro da Justiça] Jarbas Passarinho [governo Fernando Collor] propôs isso e depois o José Gregori [ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso] também o fez. Agora, imagine, se elas não querem criar seu próprio código, vão querer que outros o façam? No fim das contas, elas estão pagando o preço e sentindo o gosto do seu próprio veneno.

(*) Jornalista