Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O caminho fácil das teclas

BANALIZAÇÃO DA NOTÍCIA

Marcos Linhares (*)

Em recente entrevista a este aprendiz de escriba, o âncora Boris Casoy destila sua inquietação sobre o desapego dos "produtores de informação" com a própria. Segundo Boris, quem produz não tem consumido informação. E a água da apuração de fontes parece estar se poluindo num misto de preguiça e comodismo que remexe nos elementos constitutivos da noticia.

A suposição e o boato, aliados à pretensa necessidade de se revelar o fato em tempo "real", realmente têm comprometido a veracidade e torna a notícia o mais perecível possível. Há uma ré-volução, uma volta aos mexericos, pois supõe-se que o povo quer consumir o produto notícia mais próximo do entretenimento e de qualquer coisa que não lhes faça lembrar da vidinha mais ou menos que leva com salário miserável, constante aumento de tarifas públicas e contenção de custos.

Consumir o escândalo Gloria Trevi dá ibope mais pelas curvas da polêmica cantora latina do que pelo deplorável fato de que a polícia de elite brasileira tenta acobertar algo, no mínimo, decepcionante para o pais, que é a falta de proteção a quem esteja sob a guarda da instituição.

Vivemos a era dos escândalos dignos dos tablóides sensacionalistas ingleses, dos paparazzi, em que bundas "carla-pereanas", reinos mitificantes da princesa Xaxa (neo-Xuxa), aliados ao consórcio de diplomas nos quais se tornaram os cursos superiores (o de jornalismo em especial) levam a um esvaziamento do conceito de cobertura. Cobrir o sol com a peneira acaba sendo mais rápido. Que se danem os escassos raios que penetrarem em nosso espaço. Afinal, sair na frente é o que conta.

Vem ai o Big Brother Brasil. Alguma dúvida sobre qual pauta vai nortear as redações durante um interminável período? Perfil de participantes, vida em família, análises das mais diversas sobre a participação de cada um. Santa Paciência!

Pensar dá trabalho

A morte de Cássia Eller é apenas um prenúncio do que nos aguarda em 2002. Editores acendendo vela para novos seqüestros bombásticos. Quiçá novos apresentadores de TV com sérios problemas de saúde e eternas brigas pelos direitos autorais do voyeurismo na TV.

Recentemente, li um livro de Roldão Serra, repórter do Estado de S.Paulo, intitulado Dias de ira. O autor percorre o caminho de um serial killer brasileiro que supostamente matava apenas homossexuais em São Paulo. Perscruta-se na obra a perseguição aos gays numa época de aparecimento dos primeiros casos de Aids no Brasil. Gays dão ibope. Polêmicos, engraçados, articulados e de verve abundante, ajudam a vender jornais e mantêm o interesse da audiência. Muita especulação ainda deve rolar por baixo da ponte da memória de nossa cantora brasiliense. Até que nova celebridade apareça e coloque o caso em stand by. De primeira página, Cássia vai para as notas e depois disputará vaga nas gavetas de pautas frias à espera de uma luz que as esquente.

Como certa vez disse o professor David Carraher, autor do livro Senso critico, no Brasil corremos o risco de ingressar na era da banalização do pensamento. Afinal, pensar dá trabalho, e é, em primeira análise, chato e cansativo.

(*) Jornalista e escritor, autor de, entre outros livros, A sedução da alma; e-mail <marcoslinhares@jornalista.net>