EFEITO ENÉAS
Claudio Julio Tognolli (*)
A vitória esmagadora de 1,5 milhão de votos obtidos em São Paulo pelo candidato a deputado federal Enéas Carneiro, do Prona, renderá pauta para variados estudos de mídia. Mas quem deveria ter investigado o que há por detrás do dr. Enéas ? a própria mídia ? acabou sendo o seu duplo: o que saiu na mídia, tão logo divulgados os resultados oficiais, foram leituras genéricas do que é o fenômeno Enéas a partir de óculos, digamos, do próprio candidato Enéas. Falou-se de tudo: das roupas, do histrionismo, dos gostos, da medicina, dos paletós, da companheira de partido Avanir Nimitz, afinal eleita deputada estadual em São Paulo. Mas, o que é Enéas, ninguém que consome mídia ficou sabendo.
Os que lêem mídia pelos óculos de pére Freud, dirão: uma leitura de Psicologia das Massas e a Análise do Eu revela que o populacho tem preferência pelos líderes popularescos que, em gestos de força, histrionismo, verborragia, decifram o inconsciente das massas, propondo-lhes uma força da qual não dispõe (macht, puissance). Os leitores lacanianos (como fez a professora Jeanne Marie de Freitas interpretando Afanásio Jazadi) dirão que esses seres barbudos e falastrões seriam representações do falo (sic). Mas, face o que há por detrás de Enéas, incorreríamos, ao interpretá-lo assim, naquilo que os próprios psicanalistas chamam de “efeito iatrogênico”: o do mal causado pela própria cura. Enéas não é para ser interpretado, é para ser decifrado: decifra-me ou te devoro.
O que há então por detrás de Enéas? Há um nacionalismo de direita, que propõe a meritocracia de médicos, de engenheiros (Hitler, também histriônico e eleito pelo voto direto, não era assim?). Lula erra quando fala que Maluf é “fascista”. O termo fascismo em sua acepção acadêmica representa “soluções nacionais para problemas internacionais”. Então Maluf seria tudo, menos fascista. Se há fascismo, é o que se esconde por detrás de Enéas, e que a mídia não mostrou.
Mas uma crítica, nesse ponto, seria visceralmente inválida caso apelasse para os adjetivos, porque esse é o discurso de Enéas. Para que ele não nos devore, decifrá-lo significa buscar quem é o seu alter ego: o engenheiro J. W. Bautista Vidal.
Bautista Vidal é o autor da idéia da bomba atômica abraçada por Enéas nas duas campanhas à presidência da República. É também seu ghost writer. Eis o currículum de Bautista que ele disponibilizou na Internet:
“José Walter Bautista Vidal, engenheiro com pós-graduação em física; professor das Universidades Federais da Bahia e de Brasília e Estadual de Campinas; ocupou várias funções de comando em governos estadual e federal; foi primeiro Secretário de Estado de Ciências e Tecnologia do Brasil (governos Ernesto Geisel e José Sarney), na Bahia, aos 34 anos; chefiou por três vezes a Secretaria de Tecnologia Industrial, a partir de Severo Gomes como ministro e participou de conselhos nacionais das áreas industrial, Ciência, Tecnologia, Meio Ambiente e Educação, tendo fundado mais de 30 instituições nesses setores; foi o principal responsável pela implantação do Programa Nacional do Álcool; jornalista, escritor de mais de 12 livros, autor premiado, seu livro De Estado Servil a Nação Soberana recebeu o prêmio Casa Grande e Senzala de Interpretação da Cultura Brasileira 1987/88; é consultor de vários organismos internacionais e coordenou o Núcleo de Estudos Estratégicos da UnB”.
As idéias de WF
Agora vamos a uma entrevista concedida por ele à revista do CREA do Paraná. Vejamos o tom, que fala mais que qualquer adjetivo que se possa pôr aqui. Eis uma aula clássica do que chamamos acima de soluções nacionais para problemas internacionais:
“Por Marcelo Melero
O engenheiro José Walter Bautista Vidal, ex-secretário Nacional de Tecnologia e Ciências nos governos Geisel e José Sarney, critica a atual política de desenvolvimento para a área de energia no Brasil, acusando FHC de traição. Vidal apresenta o quadro de um país sendo desmantelado e perdendo seus patrimônios mineral e estratégico para os EUA. Escritor de vários livros, Vidal anuncia o fim das reservas de petróleo em 50 anos e elege o Brasil como a maior potência econômica para um futuro próximo, detentor do maior potencial energético do planeta. Defende a construção da bomba atômica, o rompimento com o FMI e o resgate da Vale do Rio Doce, mesmo que seja preciso enfrentar os EUA com armas. Acredita que os atentados contra os EUA não foram feitos por Bin Laden, mas pelos próprios americanos para justificar a invasão do Afeganistão.
Revista CREA-PR: Qual a sua visão de energia para o futuro?
Walter Bautista Vidal: Todos os bens que o homem usa, para todos os fins, desde serviços, vêm de dois ramos da natureza: os minerais e os produtos da fotossíntese Quando se fala em bens minerais e produtos da fotossíntese, constata-se logo que o Brasil é a maior potência do planeta nestes dois ramos. Isso aqui é o paraíso, um país riquíssimo. A tabela das Nações Unidas mostra a absoluta carência dos três grandes blocos econômicos: EUA, Japão e União Européia no primeiro ramo, ou seja, nos minerais. Elas carecem de acima de 90% de todos os minerais essenciais. O segundo ramo, que é a fotossíntese (capacidade da planta de captar energia solar e armazenar nos hidratos de carbono, transformando-se em energia química – açúcares, amidos, celulose e óleos vegetais). Tudo vem daí: alimentos, energia renovável, todas as formas de energia. Há apenas três exceções: energias das marés, geotérmica e nuclear. Todas as demais vêm do sol. Então, quais os países que têm grande quantidade de energia solar? São os de continentes tropicais, entre eles está o Brasil.
Revista CREA-PR: As Forças Armadas Norte Americanas se instalaram também na Colômbia pelo mesmo motivo?
Vidal: Há uma hipótese. Os EUA têm reserva de petróleo em seus territórios para menos de cinco anos. A Alemanha tem zero anos, a França tem zero anos, a Inglaterra está com sua reserva depauperada, que durará apenas alguns poucos anos. Onde existe petróleo ainda é na região do Oriente Médio e ponto final.
Revista CREA-PR: Essa obsessão pelo petróleo é um indício de que não existem outras alternativas de energia?
Vidal: É claro. Não se vai fazer nenhuma descoberta nova. Os americanos estão fazendo um grande blefe publicando nos jornais e TVs brasileiros de que o hidrogênio seria a solução. O hidrogênio realmente é um combustível, queima e produz calor, mas é muito perigoso, ele explode. Para se tirar o hidrogênio da água é preciso submetê-la a um processo em que se gasta uma forma nobre de energia, que é a energia elétrica, para separar o hidrogênio do oxigênio. Aí se gasta mais energia do que se pode retirar com o processo. Eles estão enganando o mundo com isso. É o jogo do poder.
Revista CREA-PR: Qual é a saída política para o Brasil nesse processo?
Vidal: É preciso ter soberania, senão estaremos liquidados. O Brasil é um país que virou casa de tolerância, todo mundo vem aqui e mete a mão. Somos o país mais rico do mundo em recursos naturais e energia, em biodiversidade e em água principalmente, que é absolutamente estratégico. O deserto do Saara, por exemplo, tem muito sol, mas não tem água. Aí não adianta, porque sem a água a fotossíntese não ocorre. A água é que permite a captação e o armazenamento de energia no processo da fotossíntese. O Brasil estaria pré-destinado a ser o grande supridor de energia sólida, líquida e gasosa do planeta, em substituição à era dos combustíveis fósseis que está acabando, porque o petróleo está acabando e o carvão precisa ter seu uso reduzido em 80%. A situação dos EUA é que 82% da sua energia elétrica dependem do carvão mineral.
Revista CREA-PR: Como fazer então para o Brasil ser soberano, se um pequeno acidente interno quase criou um grande incidente internacional, em algo relativamente insignificante. Ou seja, caso o Brasil venha a adotar uma política de “dizer não”, como fica a situação? O Brasil está preparado para isso?
Vidal: Em Cuba, Fidel Castro tem soberania há 50 anos. Se aquela ilhinha consegue segurar a soberania, porque o Brasil, com todo esse território, com toda essa riqueza, não vai conseguir? A Somália pôs para correr o exército americano. As Forças Armadas brasileiras já estão se preparando para defender a Amazônia. Por que os EUA são os EUA? Porque se fecharam. Por que a China é a China? Por que a Rússia…? Porque se fechou. A Alemanha se fechou. Como se vai chegar lá se estamos sempre ocupados? Na Malásia, por exemplo, fecharam as portas e pronto. Aconteceu alguma coisa com a Malásia? Quem foi lá na Malásia? Eles são malucos?
Revista CREA-PR: Como ficaria o sistema financeiro sem o FMI?
Vidal: Nesse sistema financeiro, do dinheiro falso, em que eles emitem dinheiro em grande quantidade e paga-se juros absurdos?… Se não sairmos desse destino, nosso fim é a morte. O neoliberalismo é um absurdo. Os franceses pagam 4% de juros ao ano, os americanos pagam 5%, o japonês paga zero e o brasileiro paga 100 ou 120% de juros ao ano. Essa é a livre-iniciativa da “raposa e do pintinho”. Que história é essa? Isso só é possível porque as grandes empresas não pagam impostos como deveriam pagar.
Revista CREA-PR: O problema do Brasil são os políticos, então?
Vidal: As oligarquias ou a estrutura de poder externo é que nomeiam os políticos. Acho esse processo eleitoral uma palhaçada. Um drogado é eleito presidente do Brasil (Collor). Por quê? Por que foi apoiado pelo sistema internacional. A hora em que ele começou a botar a cabecinha de fora, derrubaram-no. É preciso dar uma estrutura ao país, é preciso ter uma consciência nacional. Veja a categoria dos engenheiros, imagine 850 mil profissionais conscientes, tomando posição, defendendo o Brasil, pressionando o Congresso. Mudaria tudo. Os militares estão chamuscados, revoltados. Se houver uma liderança séria, tipo Getúlio, como foi a revolução de 30… Foram vários líderes que surgiram, a população estava muito consciente…
Sem críticas
Agora vejamos a impressão de um circunstante de um dos discursos proferidos por W.F. Bautista Vidal, que está disponível no site <http://www.ilumina.org.br/olavxbaut.html>. Nos parece que o ghost writer de Enéas é pelo fechamento do Congresso Nacional, salvo melhor juízo do leitor deste Observatório. Eis o que escreveu o repórter Olavo Cabral Ramos Filho
A propósito de palestra do eng. J. W. Bautista Vidal no seminário “Colapso energético e alternativas futuras”, realizado na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo em 16 de outubro de 2000
Em algum momento de 1999 apareceu um manifesto pregando um golpe de estado no país. A parte boa do manifesto era o fato inegável dos seus argumentos cotra o governo, cada um e todos, serem perfeitamente corretos para o leitor engajado na esperança e na luta por um país soberano.
Entretanto, lá pela terceira ou quarta página ocorria o desfecho: a constituição de 1988 dizia que caberiam as classes armadas a defesa da ordem pública caso para tal fossem chamadas por um dos três poderes da república. Como os referidos poderes todos os três – haviam “traído a nação”, perderam tal atribuição constitucional e deveriam ser depostos pelas classes armadas. Lógica curtíssima, grossíssima, limitadíssima.
Penso que poucos assinaram o manifesto. Perdi-o de vista. E entre esses poucos estavam irmanados aliás, sem surpresa – em doses crescentes neste final de século, direitistas e esquerdistas autoritários.
O eng. Bautista Vidal na segunda-feira, dia 16/10/2000 , em sua palestra no seminário sobre a crise do setor de energia realizado na Assembléia Legislativa do Estado de S.Paulo, repetiu a dose. Não consigo fazer nenhuma restrição a violência verbal do palestrante. Plagiaria sem restrições a adjetivação da estrutura do caráter dos que tem governado o país, principalmente na última década. Como no manifesto de 1999, os argumentos do palestrante na sua maioria, senão todos eles, são corretos. Ai ocorria o desfecho:antecedido por um recrudescer de pesados adjetivos vinha o desfecho. Como o Congresso era um grande clube de traidores da pátria, deveria ser extinto. O fechamento do Parlamento, sem informar no discurso o que o substituiria, seria a única alternativa para o país. Aconteceram muitas palmas ao final da palestra, contudo tenho absoluta certeza que um bom número dos presentes, no intervalo dos pesados desabafos verbais, até pertinentíssimos, do palestrante, começaram a pensar:
Qual seria a alternativa para o país ao longo de sua história oligárquica prenhe de servidões voluntárias de suas classes dominantes e grupos dirigentes ? Seria o golpe de estado por iluminados fascistizantes e/ou bolchevizantes?
Se pudéssemos convencer a maioria a dar ênfase à luta quotidiana como modo de caminhar, por que optar pelas ditaduras republicanas dos jacobinos florianistas? Ou pelos Estados Novos? Ou pelos vinte anos medíocres da ditadura militar?
Não seriam mais atraentes sem vivas a morte os caminhos da expansão radical, libertária e contínua dos instrumentos e mecanismos populares de controle pela sociedade de todas as ações estatais ? Não seriam mais atraentes os caminhos da busca da substituição da hierarquia de poderes pela hierarquia de autonomias?
Ou os seres vivos da nação continuarão a aplaudir aqueles que, com seus endêmicos hábitos totalitários de pensamento e de ação, continuam a propalar, a cada instante, totalitarismos nunca iluminados?
O livro lançado pelo eng. Bautista Vidal no seminário “Brasil: civilização suicida” contém argumentos e análises importantíssimos. Nas suas 87 páginas, das quais somente uma leitura dinâmica foi possível nas últimas 48 horas, não encontramos ou acreditamos encontrar, após leitura mais atenta, o cenário da extinção do parlamento e de qualquer outro poder da república. Mas encontramos narrações de cenários de servidão e tristeza.
São essas as informações que nossa mídia omitiu do brasileiro que vota, por puro desleixo e incapacidade sequer de fazer uma pesquisa na internet. São essas informações que nossa mídia continua omitindo. Nada de novo: o Times londrino, em 1938, acreditou na interpretação do inábil chanceler Chamberlain, e reproduziu, sem nenhuma crítica editorial, as frases dele: “Estive me encontrando com Herr Hitler e por este papel ele nos assegura a paz mundial. Ele é bondoso e quer poupar a mim, então da próxima vez nos encontraremos a meio termo, em algum lugar entre a Grã-Bretanha e Berlim”.
(*) Repórter especial da Rádio Jovem Pan, professor do Unifiam (SP) e da ECA-USP, consultor de jornalismo investigativo da Unesco no Brasil