FORMAÇÃO DO JORNALISTA
(*)
Pedro Celso Campos (**)
Este trabalho tem o objetivo de comunicar os dados preliminares da pesquisa que o autor está desenvolvendo sobre a linguagem apropriada para o jornalismo online, com ênfase na necessidade de preparação dos futuros jornalistas diante das novas tecnologias de comunicação. O foco deste projeto é a análise do perfil do público consumidor de notícias na internet, com destaque para sua característica de ser, ele próprio, emissor de notícias, numa relação de comunicação que já não se dá de um para muitos, mas de muitos para todos, dentro do processo multimídia.
1. História
Durante os últimos cinco séculos o homem testemunhou a evolução e a crescente importância da comunicação, desde que Gutenberg imprimiu, em 1455, a famosa Bíblia de 42 linhas por coluna, aperfeiçoando, assim, a tipografia que fundidores europeus já conheciam desde 1260. Livros impressos, com caracteres móveis, datando das primeiras décadas do século 15, foram descobertos na Coréia. Mas é a partir da segunda metade do século 16 que o livro impresso corta, definitivamente, suas ligações com o livro manuscrito. Com o livro impresso, o alvorecer do século 16 também registra o surgimento da imprensa. Nos primeiros anos desse século, mais de 50 cidades alemãs já tinham jornais.
O que possibilitou o rápido crescimento da imprensa, naqueles primeiros anos, foi a ação dos chamados "impressores ambulantes", que levaram a "invenção de Gutenberg", isto é, a arte de imprimir com tipos móveis (tipografia), para 247 cidades européias, das quais 78 italianas. É em Roma que surge a imprensa latina, tal qual conhecemos, porque ali os impressores abandonam a influência gótica dos escritos medievais e adotam os caracteres romanos.
Por 400 anos a arte de imprimir livros e jornais conheceu poucos aperfeiçoamentos, mas no final do século 19 surgiu um sistema automático de produção de tipos gráficos para acelerar a montagem do texto a ser impresso: era a linotipo [line of types], inventada por Ottmar Mergenthaller em 1884, em Baltimore, EUA. A partir daí, em vez dos tipos individuais, montados à mão, era possível compor a linha inteira, que era fundida em chumbo depois de "digitada" no teclado da própria máquina.
Paralelamente foram sendo introduzidas novas tecnologias também no sistema de impressão. As máquinas planas, que imprimiam o jornal folha por folha, foram sendo substituídas pelas rotativas que usavam bobinas de papel e já finalizavam a encadernação e o empacotamento do jornal impresso.
Entretanto, foi a substituição da linotipia pela computação eletrônica e, por outro lado, a substituição da impressão tipográfica pela impressão em off-set que permitiram, no século 20, a transformação dos jornais em grandes empresas de comunicação.
As demais mudanças ocorridas no jornalismo foram provocadas, também no início do século 20, pela concorrência com os meios eletrônicos: o rádio, a televisão e, mais recentemente, a internet.
Dos "tipos romanos" que os fundidores alemães disseminaram pela Itália no século 15 ao Times New Roman deste texto eletrônico, composto em corpo 12, no computador, de forma instantânea, com possibilidade de reprodução a cores, também de forma instantânea mesmo que a impressora esteja situada do outro lado do planeta, a evolução foi notável.
Mas os aperfeiçoamentos não cessam porque é próprio da inteligência humana buscar novas formas de melhorar cada vez mais o que faz. Uma tecnologia acaba influenciando a outra, num processo contínuo e interminável.
Se no século 20 os sistemas de produção e impressão de textos atingiram grande avanço do ponto de vista mecânico, foi também nessa época que os conhecimentos da lingüística, da semiótica e da própria ética passaram a ser levados em conta no que se refere à produção jornalística, ao mesmo tempo em que os veículos de comunicação, inicialmente tímidos e personalistas, foram sendo transformados em grandes empresas comerciais, com lucratividade garantida e com enorme poder de comunicação.
A produção de massa crítica nos meios acadêmicos sobre o papel dos meios de comunicação, no século 20, levou estudiosos como os frankfurtianos de 1923 Adorno, Benjamim, Marcuse, Horkheimer e, mais recentemente, Habermas a discutir a influência social dos meios que acabaram se orquestrando num conjunto de atividades que regulam e impõem padrões de comportamento sobre a sociedade, o que eles chamam de "indústria cultural". Embora modernamente revisto à luz de estudos mais atualizados sobre o papel da mídia, o conceito frankfurtiano demonstra que o receptor da mensagem ficaria à mercê da manipulação política e ideológica dos meios, sem condições de interagir com eles para expor o que pensa, para discordar, para contestar, para propor. Náufrago indefeso num "mar de notícias" emitidas por meia dúzia de agências em torno do mundo, o ser humano do século 20 viveria, permanentemente, como o personagem do Show de Truman, o filme dialético de Peter Weir que denuncia a manipulação social pela mídia.
Debate-se, também, o papel do produtor de notícias dentro do contexto mercadológico dos meios de comunicação. Num mundo eletronicamente globalizado, onde textos e imagens digitalizadas viajam vertiginosamente em torno do planeta através dos sat&eaeacute;lites e das fibras óticas, sendo "decodificados" na outra ponta através das mais variáveis interfaces, que tanto podem ser um minúsculo telefone celular como uma enorme impressora de jornal comandada a distância, ou ainda um monitor de TV ou de computador, ou um aparelho de rádio, indaga-se qual o espaço que sobra, afinal, para o jornalista, para o profissional encarregado de produzir, processar e emitir o discurso. Um discurso que já não pode ser meramente informativo porque também precisa ser interpretativo. Um discurso que envolve a necessidade de opinar ? porque este é um dever do comunicador que deseja prestar serviço ao receptor. Um discurso que não pode descuidar, ainda, de sua finalidade lúdica, enquanto texto "recreativo", para amenizar o estresse desse náufrago cercado de informação por todos os lados.
Ao mesmo tempo, os estudiosos discutem o futuro de todo esse processo, questionando se a invenção de Gutenberg terá lugar nesse futuro, agora que os pesados tipos móveis se converteram em fluidas letrinhas que piscam no vídeo enquanto escrevemos, parecendo "sombras luminosas" de um passado longínquo. Perguntam-se para onde vai o jornal depois da internet, e até para onde vai o próprio computador enquanto "objeto de mesa". Outros querem saber se a internet um dia vai chegar a todos os habitantes da Terra, se todos poderão mandar e-mails com o mesmo custo de uma simples carta de correio ou até de graça… visão que antecipa o mundo ideal dos internautas, quando os anúncios da TV aberta emigrarem significativamente para a rende mundial de computadores de modo a tornar gratuito o acesso 24 horas por dia. Também se pergunta qual o papel dos meios impressos depois que os meios eletrônicos se aperfeiçoaram tanto.
Os pesquisadores da linguagem buscam novas formas de tornar o discurso jornalístico mais leve e, ao mesmo tempo, mais informativo, mesmo diante da rapidez com que precisa ser produzido e da "objetividade" com que precisa ser apresentado para ser consumido pelo receptor apressado que já é "disputado" por tantos canais de comunicação.
Na verdade, muitos querem saber o que se entende, afinal, por "objetividade" ou por "imparcialidade". Será que os dias de hoje ainda comportam os mesmos critérios de quando a moderna imprensa foi criada? Ainda se pode falar em "lead", "sublead", "pirâmide invertida" etc?
E quanto à ética? Num mundo em que os meios têm tanta influência, será que o respeito às minorias, aos direitos inalienáveis do cidadão, à verdade, à transparência, à dignidade humana… é observado? Ou ainda achamos que o "furo" vale qualquer sacrifício? Diante do menor baleado na rua, queremos a foto dele ou levá-lo para o hospital mais próximo? O que vale mais: a notícia ou a vida? Será que os jornalistas não estão tão confusos como os próprios consumidores de notícias neste estonteante início de novo milênio?
Também se discute se o objetivo das corporações jornalísticas é fazer o marketing de resultados para ter lucro ou fazer jornalismo para servir. É um debate relevante porque, se a primeira hipótese for a verdadeira, então é possível que o Departamento de Marketing terá todos os recursos e toda a atenção da empresa, sobrando para a redação o mesmo status de qualquer outra repartição do jornal, como o quartinho de guardar vassouras, por exemplo, apenas em tamanho maior, isto é, sem qualquer poder de decisão.
Com os novos meios, o modo de produção da notícia já não é o mesmo. Trabalha-se muito mais, por muito menos. Enquanto a jornada nos veículos tradicionais é de cinco a sete horas para os jornalistas, na internet ela sobe para 12 horas ou mais, pelas características de envolvimento do novo meio, assunto que já preocupa os sindicatos. A pressa de produzir a informação leva a erros, muitas vezes graves. Na conta de quem o erro é debitado?
Do ponto de vista do receptor muita coisa também mudou. O avanço tecnológico da mídia acabou gerando um receptor mais informado, mais seletivo, mais exigente, mais participativo, mais conhecedor dos seus direitos, mais preparado para exercer de corpo inteiro a cidadania. A qualidade técnica dos produtos e os seus conteúdos são cotejados, são comparados, são avaliados o tempo todo por esse receptor do novo século que já não se deixa enganar. Ele muda de canal quando o programa de rádio ou de TV está excessivamente chato, verborrágico, desagradável, agressivo, falso etc Este é o seu modo de punir a informação de má qualidade.
Os estudiosos analisam, inclusive, os novos modos de leitura que o receptor atual emprega para consumir informação. Ele já não faz a leitura tradicional da esquerda para a direita, como aprendemos no mundo ocidental. No texto verbal, ele primeiro busca os elementos visuais que o "aproximam" da leitura, tais como retrancas, títulos, linhas finas, janelas, legendas, infográficos, fotos etc. Só depois começa a leitura, muitas vezes lendo pedaços alternados da notícia, nem sempre pelo parágrafo inicial, em busca da essência informativa, na pressa de apenas checar o que já viu em outro veículo, para confirmar a informação ou para ter algum detalhe adicional, num tipo de "leitura complementar".
A análise semiótica de imagens já constatou, também, que o olhar do receptor já não penetra a imagem de forma linear, mas através de "linhas de força" que conduzem a leitura através do contraste de cores e luzes, ora puxando o olhar para dentro da foto, ora empurrando-o para fora.
Como se pode perceber nesta introdução, os contextos de produção, emissão e recepção do discurso informativo já não são os mesmos. As novas tecnologias exigem dos profissionais a atualização constante do modo de ver, captar, codificar e transmitir a notícia.
Resta saber se nossas faculdades de Comunicação estão preparadas para responder a tantas indagações suscitadas pelo meio nascente e a produzir o novo profissional do verdadeiro Mundo Novo Digital.
2. Receptor diferenciado
Este artigo pretende ser uma indagação sobre a linguagem mais adequada para o jornalismo online. Sendo a internet uma mídia tão recente entre nós, é natural que muitos pesquisadores estejam se debruçando sobre essa importante tarefa de localizar modos de expressão mais coerentes com um meio caracterizado pela rapidez na produção, emissão e recepção do texto informativo. São muitas as perguntas sobre as especificidades da nova mídia e sobre a interatividade que ela proporciona aos seus usuários. Embora as respostas não sejam ainda conhecidas, em sua maior parte, pelo menos, sabe-se, de antemão, que a solução do problema da linguagem requerida pela internet não pode se basear na mera transposição de conteúdos do jornal, do rádio ou da TV para a tela do internauta. Temos consciência, naturalmente, que o jornalismo digital não pode ser uma simples soma das demais mídias, senão uma recriação de cada uma delas, levando-se em conta as características do novo meio.
É clássico que toda e qualquer elaboração noticiosa destinada a qualquer auditório deve partir dos pressupostos contemplados pelo próprio auditório. Não seria preciso relembrar o Sermão da Sexagésima, do padre Antonio Vieira, nem a Estética da recepção, de Hans Robert Jauss, para termos sempre diante de nós, comunicadores, o paradigma da recepção a nos orientar e nos guiar para um jornalismo de bom êxito. Bastaria lembrar que o termo Ibope, em nossos dias, não guarda já qualquer relação com o significado da sigla. A expressão "dar ibope" não quer dizer outra coisa senão levar muito a sério a opinião das pessoas para as quais produzimos qualquer tipo de texto. Por isso, até os pequenos veículos do interior já trabalham com pesquisa o tempo todo para identificar e avaliar a aceitação de seus produtos.
No mundo mágico da internet não poderia ser diferente.
Para chegar ao conteúdo e ao formato ideal de cada gênero ? e aqui cabe lembrar com Alberto Dines que jornalismo digital é, antes de tudo, jornalismo ? é necessário estudar o perfil do novo público que está diante da tela do computador. É necessário conhecer seu modo de vida, seus gostos, seu comportamento, sua idade, sua formação, seu nível de renda, seu modo de ver o mundo e até o modo como ele acessa o noticiário online ou o que faz com a notícia recebida: apenas a lê? Ou também a arquiva? Ou também imprime a informação de sua preferência? Ou também dá retorno imediato ao autor da matéria e às fontes citadas? Ou reenvia o texto a um amigo? E como ele faz a leitura do texto digital? Apenas lê ou ao mesmo tempo que lê vai pesquisando através do hipertexto, percorrendo inúmeros sites relacionados?
Se a própria internet não chega a mais que 10 milhões de brasileiros por enquanto (e somos 170 milhões de almas), sendo portanto um meio nascente entre nós, este é um motivo a mais para adiantarmos a pesquisa sobre as preferências do novo público, com a certeza absoluta de que a rede está crescendo expressivamente em nosso país como já ocorreu no Primeiro Mundo. Tudo o que se fizer na área acadêmica a respeito ? notadamente no plano curricular, onde se dá o preparo dos futuros jornalistas ? será de grande utilidade para um jornalismo mais eficiente, mais atualizado, mais rápido.
Todavia, quando olhamos para a internet apenas como possibilidade de ter acesso a informações rápidas, isto é, ao antigo "furo de reportagem" que já não existe mais no impresso, acabamos incorrendo no engano de achar que é possível haver um conteúdo mais amplo e mais completo na mídia impressa. Afinal, ocorre exatamente o contrário. Além de dar a informação em cima do acontecimento ? atualizando-a em questão de minutos ?, a internet permite o acesso a inúmeras fontes de pesquisa ? para não dizer ao conhecimento humano inteiro ? sobre o assunto noticiado.
Por enquanto, entretanto, a internet é um meio incipiente. As pessoas estão aprendendo a navegar, a baixar arquivos, a utilizar o potencial da nova mídia, a conhecer o jargão técnico do meio, a se relacionar com o fantástico e desconhecido mundo novo da informação digital. Em nosso caso, também há os numerosos problemas técnicos representados pela própria infra-estrutura do país, como linhas telefônicas deficientes, conexões que não se sustentam, sites que apresentam dificuldades de navegação por serem mal-estruturados ou muito pesados etc. Muitas vezes a dificuldade de acesso acaba desanimando o internauta. Também há o problema dos custos (sem falar na própria exclusão digital, que é mais um gritante reflexo da criminosa injustiça social deste país) para manter o computador atualizado, para pagar o uso da linha e os serviços do provedor de acesso. Existe ainda o "refluxo" de muitos investidores que apostaram na nova mídia e, desencantados com os resultados financeiros, estão fechando sites, encerrando atividades. O jornalista Ricardo Kotscho, por exemplo, tem citado, em entrevistas, o caso de muitos colegas que deixaram o impresso para ganhar "rios de dinheiro" nos portais de notícia e agora estão voltando para os empregos tradicionais.
Mas toda "corrida do ouro" tem seu preço. A internet veio para ficar, e quanto mais a rede cresce maior será o espaço para aqueles que nela pretendem praticar um jornalismo sério, ético, responsável. É tudo uma questão de tempo.
3. Qualidade online
Jornalismo de qualidade é o que se espera de todo comunicador em qualquer lugar. Seja no jornal comunitário do bairro, seja no especializado das categorias profissionais, seja na grande imprensa ou na internet. E o primeiro requisito da qualidade é a ética, que confere credibilidade. Sabemos quanto lixo trafega pela rede, como é desagradável receber tanta inutilidade via e-mail, ou como é cansativo acessar sites que só têm aparência e nenhum conteúdo. Mas os usuários da rede vão percebendo que é preciso selecionar a informação a partir da sua fonte de emissão. Assim, esperam ter informações corretas, éticas e sérias acessando os sites das empresas jornalísticas de nome, que não pretendem ter a imagem pública prejudicada com informações levianas. Este é um cuidado necessário porque a internet permite que qualquer pessoa possa copiar matérias de outros sites e montar um pseudojornal online com informações deturpadas e equivocadas.
Entretanto, mesmo os grandes portais, na pressa de dar a informação em primeira mão, não raro divulgam informações erradas que ficam no ar por vários minutos, o que pode acarretar processos por injúria, calúnia e difamação, conforme a Lei 5.250, a Lei de Imprensa. Tais processos podem ocorrer mesmo quando a informação errada é substituída pela correta sem que o jornal identifique o erro, dentro das normas da boa e velha errata, tão útil no meio impresso: "Ao contrário do que noticiamos minutos atrás…"
Para ter qualidade e garantir a fidelidade do público, o jornal digital não pode fugir de algumas normas que fizeram o sucesso do jornal de papel, a começar pelo planejamento. Uma boa pauta é útil em qualquer lugar como método de apuração jornalística criteriosa. Uma apuração que dê oportunidade a todos os lados envolvidos na notícia. Uma apuração que envolva a contextualização do fato, mesmo quando a dinâmica do meio exija que se passe logo à redação uma "cabeça" da matéria com os elementos principais, para ir ao ar enquanto o restante da matéria é produzido. Como vimos, internet não é só a ponta do iceberg representado pela chamada nas "últimas notícias", é também a possibilidade de acesso ao dossiê completo da matéria com todos os links relacionados. Quem não se lembra do Caso Monica Lewinsky? Enquanto a Suprema Corte decidia se liberava e o que liberava para os jornais, a internet publicava todo o material para o mundo inteiro. E no episódio do 11 de setembro de 2001? A rede chegou a ficar mais lenta, tal a quantidade de pessoas acessando informações sobre os atentados, com ilimitadas possibilidades de pesquisa sobre os prédios atingidos, muito antes que os jornais publicassem qualquer coisa, 24 horas depois.
Outro cuidado dos redatores de texto para a internet é evitar excesso de adjetivos ou de palavras inúteis. O texto deve ser claro, límpido, objetivo, de leitura fácil, fluente, sem perda de tempo, sem sofisticação, sem pretensões literárias. Deve ser um texto de trabalho, com todos os elementos de informação que atendam às necessidades do internauta. Ele precisa saber, claramente, quem fez o que, onde, quando, como e por quê. O internauta não tem tempo a perder com um texto cheio de trocadilhos, de metáforas, de piadas. No mais, o que vai fazer a diferença no texto online é um bom banco de imagens (inclusive com animação e som) sobre o fato e o oferecimento de links de interesse para que a pessoa possa se aprofundar na matéria ou em matérias afins, navegando pelo hipertexto. Nem é preciso dizer que tudo isso exige que o site seja de fácil acesso, com ferramentas que facilitam a navegação. É igualmente oportuno que o internauta possa contar com um fórum ou um chat para discutir o assunto noticiado. Afinal, a relação de interatividade nesta nova mídia não é mais de um para muitos, mas de muitos para todos, pois o usuário da informação online transforma-se, no momento seguinte, em editor, em emissor, na medida em que coloca a informação em discussão ou a envia para outros com seus comentários.
4. Quem está na rede
Cerca de 400 editores, diretores e empresários de mídia participaram, nos dias 13 e 14 de agosto de 2001, no Rio, do 3? Congresso Brasileiro de Jornais e do 1? Fórum de Editores, promovidos pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), entidade que congrega os dirigentes da mídia impressa. Tendo em vista o papel representado pela concorrência com os meios eletrônicos, a ANJ encomendou ao Datafolha pesquisa para aferir a credibilidade dos jornais e também a aceitação deles em relação aos meios eletrônicos como televisão, rádio e internet. Separamos, para este artigo, os dados que correlacionam jornal impresso e jornal online, por serem pertinentes a este estudo.
O Datafolha trabalhou com 1.605 entrevistados com mais de 16 anos de idade, entre os dias 18 e 20 de julho de 2001, usando abordagem aleatória e margem de erro de 3%. Foram feitas 534 entrevistas na cidade de São Paulo, 323 no Rio de Janeiro, 268 em Porto Alegre, 202 em Brasília e 278 no Recife, totalizando 1.605 entrevistados, num público estimado em 12 milhões de leitores existentes nessas cidades.
A pesquisa revelou que:
a) 34% dos entrevistados, nas cinco cidades, acessam a internet, o que corresponde a um público de 5,1 milhões de pessoas, sendo que 30% desse total acessam a rede diariamente;
b) Os internautas são mais jovens do que os leitores diários: 33% têm entre 16 e 24 anos de idade, enquanto 47% dos leitores de jornais de papel têm de 25 a 40 anos;
c) Os internautas têm escolaridade e renda mais altas do que leitores diários: 63% têm formação superior, contra 31% dos leitores diários. Os usuários de internet também têm renda individual diferenciada, numa proporção de 13% que ganham mais de 20 salários mínimos mensais (internautas) contra 3% (leitores), comprovando-se que há grande mercado potencial para o jornalismo digital, à medida que o computador e a internet forem penetrando nas demais camadas sociais da população;
c) O jornal online facilita a pesquisa e tem maior variedade do que o impresso. Para 77% é possível encontrar mais rapidamente na internet as notícias procuradas, e para 72% é no jornalismo digital, navegando pelo hiperlink e pelos vários sites, que se consegue maior variedade de assuntos;
e) O jornal online oferece mais informações em menos tempo segundo 76% dos internautas;
f) Dois terços dos heavy users de internet concordam em que ainda levará muito tempo para que a rede substitua os jornais. Para 28% dos internautas, os jornais estão sempre atrasados em relação à TV, ao rádio e à internet;
g) A maioria dos leitores diários concorda em que os jornais trazem notícias de política e economia em excesso. Além disso, para 37% da população pesquisada, os jornais trazem notícias ruins em excesso.
Como se pode observar, a pesquisa aponta para o crescimento do jornalismo digital, mostra a presença de um público jovem e exigente nesse universo, comprova a preferência do público jovem por um veículo em que possa ter acesso rápido a uma variedade maior de informação e deixa claro que cada veículo tem suas características, de modo que o crescimento da internet amplia o mercado de trabalho, em vez de restringi-lo, já que jornal de papel e jornal digital acabam se complementando, repetindo-se a interação que também se deu nos demais produtos culturais (como livro e teatro) e nos meios de comunicação de massa (como rádio e TV).
Conhecendo o perfil da audiência poderemos definir o tipo de linguagem adequada a esse novo usuário que, muito antes do teclado do computador, já manejava os comandos do videogame, de tal modo que aprendeu a lidar com o computador e com a web simplesmente mexendo nos controles e jogando fora os manuais, enquanto os velhos jornalistas das máquinas de escrever só a muito custo vão aderindo à nova mídia, conforme registra Johnson (2001).
De qualquer forma, a tecnologia em si não é suficiente para que o jornalismo digital conquiste novos mercados. É preciso ter qualidade, e isso exige muito dos novos profissionais. Um portal de jornal online precisa contar com características específicas que facilitam e atraem o acesso do internauta. Entre essas características pode-se citar a lista de itens apresentada pelo professor Jorge Pedro Souza (Universidade Fernando Pessoa, do Porto, Portugal) na Intercom 2001, em Campo Grande:
Quanto ao conteúdo: o interesse da informação, a qualidade da informação (profundidade, pluralidade de fontes, pertinência das análises etc.), informação de background (informação complementar vinculada ao documento consultado, através de janelas e links), redação adaptada à internet (incluindo hiperligações nos textos e imagens), expressividade das fotografias; expressividade dos infográficos, expressividade dos elementos audiovisuais (imagem em movimento), expressividade de elementos sonoros, base de dados, base de imagens, base de audiovisuais etc.
Quanto à ergonomia: o sistema hipermídia deve incluir boa organização interna do site, facilidade de navegação, intuitividade de funcionamento e uniformidade (uso limitado de fontes tipográficas, estilo constante das imagens, estilo visual uniforme, disposição fixa dos botões de navegação etc.).
Quanto à interatividade e à implicação do usuário: funcionalidade em geral e simplicidade (estilo funcional invariável, economia do tempo do usuário pelo recurso a imagens, palavras e sons estritamente necessários, correta disposição e agrupamento dos elementos no ecrã, de forma a facilitar a apreensão dos conteúdos etc), funcionalidade das ligações dinâmicas intrasite, hiperligações de sítios e páginas de interesse, possibilidade de feedback por parte do usuário, participação em chats e inquéritos online, disponibilização de edições anteriores e motor de busca.
Todos esses recursos de linguagem necessários ao sistema hipermídia precisam fazer parte do repertório dos futuros jornalistas que saem das escolas de Comunicação, daí a necessidade de atualização dos programas e conteúdos atinentes às disciplinas que integram a grade curricular.
Diante das novas tecnologias e dos desafios que estão colocados para os comunicadores interessados em pesquisar as novas linguagens midiáticas, devemos considerar a pertinente observação de outro especialista, o professor de Jornalismo da Universidade de Santiago de Compostela, José Lopez. Segundo ele, "o jornalismo precisa enfrentar os novos tempos com o olhar voltado para o futuro. Precisa de uma reflexão crítica para, aproveitando os avanços conseguidos durante tantos anos, dar um passo adiante rumo a novos paradigmas capazes de dar resposta às novas necessidades. Esta renovação se impõe no jornalismo tradicional e no novo jornalismo eletrônico e multimídia, que encontra um novo terreno de atuação na internet".
Como já foi dito, trata-se de um terreno que cresce a olhos vistos. Os EUA, por exemplo, lideram o número de publicações online, conforme pesquisa da professora Zélia Leal, da UnB, citando a American Journalism Review News. Dos 4.925 sites de notícias existentes naquele país até setembro de 1998, 3.622 pertenciam a empresas de comunicação. Entretanto, no Brasil, a audiência dos jornais online é maior: pesquisa do Ibope realizada em 1999 revelou que 50% dos 25 mil internautas entrevistados afirmaram que navegam na internet em busca de informações. Para a professora Zélia, os investimentos no webjornalismo mostram o interesse da grande imprensa em fazer da internet uma aliada, em vez de tê-la como concorrente.
Embora algumas pessoas se sintam inseguras com o avanço da internet, não se pode ignorar que a evolução dos meios de comunicação é vertiginosa. Uma comparação ajuda a entender melhor: enquanto o rádio demorou 38 anos para conquistar 50 milhões de usuários nos EUA, a TV aberta demorou 13, a TV a cabo levou 10 e a internet, apenas cinco. Estudos apontam para a convergência de mídia, que se acentuará com a entrada em operação da TV digital, que permitirá ao telespectador interferir na programação e acessar a internet para obter mais detalhes sobre a notícia que despertou seu interesse. Especialistas prevêem que os EUA terão 600 milhões de webfones em 2006. No Brasil haverá 58 milhões de webfones até 2005. A terceira geração de telefones celulares, o 3G, já foi lançada no Japão, e até 2005 alcançará todo o planeta através de 288 satélites, transmitindo dados digitalizados a uma velocidade 40 vezes superior à da internet atual (Magnoni, 2001).
Em junho de 2002, em Helsinki, na Finlândia, a Nokia, maior fabricante de telefones celulares do mundo, anunciou o lançamento de um novo modelo com tela colorida que oferecerá conexões de dados a grande velocidade e reforçará os serviços de mensagem. Trata-se do modelo 6610, equipado para trabalhar com redes GPRS (General Packet Radio Service), a forma melhorada dos atuais padrões GSM que permitem enviar informações de internet aos telefones em grande velocidade. O aparelho também usará serviços de mensagem multimídia, um passo adiante das atuais mensagens de texto, que permitirão aos usuários enviar fotografias e som, além de videoclipes. O 6610 usará também tecnologia Java e terá rádio FM.
5. Conclusão
Se o surgimento do aparelho de fax, na década de 80, permitiu ao jornal A Tarde, de Salvador, publicar no dia seguinte as informações do interior da Bahia que antes saiam com 15 dias de atraso ? conforme revela o editor do caderno Tarde-Municípios, Sérgio Mattos (também professor-doutor) ? imagine-se a mobilidade que terá um repórter ao passar texto, foto e som diretamente de seu celular, do local dos fatos, para a redação do jornal online, entrando no ar imediatamente, como já é possível através das webcâmeras? Que veículo terá condições de informar com tanta rapidez e eficiência? Que repórter terá tanta mobilidade e eficiência no seu trabalho?
O jornalismo online, como revela a pesquisa Datafolha, tem tudo a ver com o jovem. O jovem tem tudo a ver com a pressa, a rapidez, o instantâneo. Para ele, acessar a internet é algo tão corriqueiro como tomar uma coca-cola ou vestir um jeans. Ele não tem tempo de ler o jornal de papel. E quem afirma isso é o reitor da Universidade de Comunicação de Boston, Brent Baker: "Os 40 milhões de jovens americanos consumidores de notícias passarão a vida inteira usando a internet para se informar. Esta é a primeira geração que não precisa de nós. Eles não lêem jornais de papel. Jovens de 18 a 20 anos reclamam de vários inconvenientes do jornal de papel, da tinta que suja os dedos ao tempo que se leva para navegar num jornal impresso, comparando com um site da web, que contém índices e está preocupado em orientar a seleção de leitura. ?A internet é parte do meu estilo de vida, como comer, escovar os dentes… tudo se move tão rápido agora… eu não tenho tempo para dormir, quanto mais para ler jornal?, disse um estudante."
Do exposto, parece claro que os futuros jornalistas precisam ser preparados, na faculdade, para serem repórteres, redatores e editores multimídia, capazes de escrever o texto certo para jornal, revista, rádio, TV e internet. Também parece certo afirmar que a linguagem requerida pela internet, nesse caso, tem que ser a linguagem que o jovem entende, com o vocabulário que ele domina, com a agilidade que ele espera, sem a enrolação e a adjetivação que caracterizavam os primórdios do jornalismo.
Sob este ponto de vista, melhor do que ensinar os estudantes de Jornalismo a escreverem "no estilo da web" é incentivá-los a criar seus próprios sites noticiosos, em grupos, já nos primeiros anos do curso. Afinal, a criação e a manutenção de um site envolve muito trabalho, muita pesquisa, muita criatividade, muita investigação… e o que mais se pode esperar do bom e verdadeiro jornalismo, se a tudo isso anexarmos a indispensável dose de ética e bom senso?
Ética e linguagem. Este é o grande desafio.
6. Bibliografia
ADGHIRNI, Zélia Leal. Informação online: jornalista ou produtor de conteúdos? Mudanças estruturais no Jornalismo. XXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação ? Intercom-2001. Campo Grande-MT, 2001
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LESSARD, Bill e BALDWIN, Steve. Escravos da Internet. São Paulo: Makron Books, 2000
LOPEZ, José. Nuevos soportes para un periodismo necesitado de reflexión crítica. La Laguna (Tenerife): Revista Latina de Comunicación Social- nr. 31: Julio de 2.000
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(*) Texto apresentado no 7? Colóquio Internacional de Comunicação para o Desenvolvimento Regional, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Bauro, SP
(**) Professor de Jornalismo da Unesp