DROGAS NA ESCOLA
Marcos Marques de Oliveira (*)
Não existe inversão de valores. O que existe é transformação. O que ontem era suficiente hoje pode não ser mais. No que se refere à divisão das responsabilidades educacionais, velhas concepções devem ser repensadas.
Lembro-me do francês Jean Jacques Rousseau, filósofo iluminista, que defendia a separação entre criança e família desde o nascimento. Na sua perspectiva, essa era a condição fundamental para a constituição de uma sociedade democrática. A responsabilidade pela formação deveria ser exclusiva da sociedade.
O que antes foi uma premissa revolucionária hoje é uma realidade. Não tanto nas condições previstas pelo pensador francês, mas pelas condições estruturais do capitalismo tardio. Com a maximização da luta pela sobrevivência, cada vez mais cedo pais e mães delegam a outros a responsabilidade educacional. A expansão da educação infantil é sintoma deste processo.
O porto dos infantes depende, no entanto, da origem de classe. Se for de origem proletária, o rumo é, geralmente, o abandono. Mesmo que amparados por redes parentais e de vizinhança, as condições de desenvolvimento e formação são as piores possíveis, já que mesmo essas redes sofrem com a ausência da ação estatal, que não provê os direitos básicos previstos na Constituição Federal e na Declaração dos Direitos Humanos.
Estreitamento de laços
Se o infante for de origem abastada, classe média ou dos proprietários do meio de produção, a rede que ampara é a dos estabelecimentos de ensino particular. Com seus filhos "protegidos", pais e mães estão livres para continuar a luta pela ampliação das condições de vida, cujo parâmetro nos é dado pela indústria cultural que molda o bem-estar social pelo nível de consumo que cada indivíduo é capaz de assumir.
Nesse processo, torna-se inteligível a transferência de responsabilidade que pais e mães estão impingindo às escolas em que matriculam seus filhos. Pelo investimento que fazem, passam a cobrar das instituições não só a qualidade da formação instrumental, mas também a da formação moral e ética. Quando algo dá errado, como nos casos de expulsão por uso de drogas, surge o litígio: pais culpam escolas, escolas culpam pais. Os dois culpam os governos, que, por sua vez, junto com os outros, culpa a mídia, a moda, o mundo…
Todos são culpados e ninguém se salva.
Nessas horas é preciso "baixar a bola". O chamamento
à razão e ao bom senso implica a delimitação
e a definição das responsabilidades, que não
são auto-excludentes. Hoje, numa sociedade cada vez mais
complexa, é difícil limitar os papéis formativos
da família e da escola. Onde acaba um e começa o outro?
Entretanto, entendendo o ambiente escolar como espaço público, torna-se admissível que medidas extremas, como a expulsão, por exemplo, devam ser tomadas para resguardar o bem-estar coletivo. Porém, tal medida será mais bem aceita se os responsáveis pelos estabelecimentos de ensino tiverem esgotado todos os recursos de integração e socialização, devidamente registrados e comprovados. Nesse caso, não caberá dúvida sobre a intenção e a qualidade dos procedimentos adotados.
Entre as medidas, destaco como fundamental as políticas de estreitamento de laços entre família e escola. A delegação de responsabilidades da família à escola será sempre menor se a primeira tiver condições e for estimulada a participar do projeto pedagógico. A ação da família na escola não deve estar limitada ao pagamento mensal e à prestação de contas bimestrais, semestrais ou anuais.
Jornalista não é juiz
Claro que a contrapartida deve existir. Pais e mães que acham que suas obrigações terminam na hora em que despejam seus filhos no portão da escola cometem um equívoco. Para além do preço e das conveniências, a ação da família deve ser pautada pela compreensão do projeto formativo e pela presença constante no ambiente escolar. Ao se desobrigar de tais medidas, os "responsáveis" comprometem a formação dos filhos e, por isso, podem ser responsabilizados por seus efeitos (individuais e sociais).
Como se pode ver, o bom desenvolvimento da formação educacional de nossa juventude depende de várias variáveis, que muitas vezes extrapolam as noções e os valores que ainda pairam sobre nossas cabeças. Passa, por exemplo, pelo questionamento das condições atuais da relação trabalho/tempo-livre, pela prioridade que damos (socialmente) aos bens de reprodução material e pelo desprezo que impingimos aos bens de produção cultural (principalmente, os de caráter coletivos e sociais).
Um primeiro passo, no entanto, deve e pode ser dado. O desarmamento dos espíritos e da lógica de culpabilização mútua entre a família e a escola ? lógica que afeta negativamente as principais vítimas: nossos alunos.
Nesse campo, vale ressaltar o importante papel da mídia, que, não nos esqueçamos, é hoje, para o bem ou para o mal, um dos elementos formadores mais relevantes. Se a cobertura dos fatos for feita com isenção e responsabilidade, ouvindo sempre todos os envolvidos, a imprensa estará contribuindo para se tornar um fórum legítimo de debates e se instituindo como efetivo instrumento para resolução dos problemas.
O que não se deve admitir é a transformação da imprensa em Justiça, do jornalista em juiz. Nesse caso, torna-se um fórum ilegítimo e, pior, reprodutor das mazelas que pensa estar combatendo.
(*) Jornalista, assessor de imprensa do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado do Rio de Janeiro (Sinepe/RJ); cientista político e pesquisador do Coletivo de Políticas Educacionais do Doutorado em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF)