THE NEW YORK TIMES
Daniel Okrent (*)
"O editor público ? o advogado dos leitores do Times se apresenta", copyright The New York Times, 7/12/03; tradução de Dennis Barbosa
Quando se recebe um convite do New York Times para ser a primeira pessoa encarregada de avaliar, criticar e, em geral, comentar publicamente a integridade do jornal, é difícil dizer não: é um desafio muito animador. Ao mesmo tempo é difícil dizer sim: há maneiras mais fáceis de se fazer amigos.
Repórteres e editores (que têm pele fina e memória de elefante) vão se ofender com as críticas do público. As pessoas que fazem o diário talvez vão se pegar pensando em como poderiam se livrar disso botando-me na rua antes do fim meu mandato de 18 meses. Muitos combatentes da guerra de culturas, relutantes em aceitar interpretações diferentes das suas próprias, vão ignorar o que digo, exceto quando servir a seus interesses ideológicos.
Mas isso é problema deles, não meu. Minha única preocupação nesta aventura é a avaliação imparcial. Meus únicos colegas são os leitores que abrem o Times em busca de notícias, esperando que sejam justas, honestas e completas, e dispostos a confiar em outro leitor ? eu ? como seu representante.
Então, quem sou eu?
Por formação e hábito, sou democrata militante, mas notadamente à direita dos meus amigos democratas do Upper West Side de Manhattan. Quando abrir a página de opinião do jornal de amanhã, risque uma linha dos editoriais do Times, no lado esquerdo, até a coluna de William Safire, na direita. Você poderia me colocar mais ou menos no meio desta linha. Mas em algumas questões eu me desvio do centro não-comprometido. Sou apoiador irrestrito do livre comércio e da livre expressão. Sou um defensor dos direitos dos gays e do direito de aborto, que pensa que o falecido cardeal John O?Connor foi um grande homem. Acredito ser inapropriado que ricos fiquem lamentando o alto valor dos impostos, e inconsistente que os defensores dos direitos humanos se oponham a qualquer ação militar americana. Preferiria passar o fim de semana exterminando os ratos nos túneis sob a Penn Station a ler um livro de Bill O?Reilly ou Michael Moore. Vou a muitos shows. Quase nunca vou ao cinema. Odeio os Yankees [equipe de beisebol] desde que tenho 6 anos de idade.
Permita-me colocar um princípio teológico meu: creio que o Times é um grande jornal, mas também muito sujeito a erros. A pressão do fechamento, a competição por furos, o esforço pela imparcialidade podem, por vezes, fazer com que ele se incline tanto para trás que acabe perdendo o equilíbrio ? esta é uma parte do negócio jornalismo da qual não se pode escapar. Num trabalho que requer, como escreveu certa feita Russel Baker, "ficar sentado em corredores de mármore esperando pelas mentiras de pessoas importantes", pode fazer fervilhar o rancor com relação aos homens e mulheres no poder.
O mau exercício do jornalismo devido às condições de trabalho pode ser explicável, mas não desculpável. E esse mau exercício vira delito grave quando a notícia é corrompida por parcialidade, manipulação intencional de evidências, desconhecimento de conflitos de interesse ? ou por uma falta de boa vontade autoprotetora de admitir erros. É aí que entramos você e eu. Como editor público, pretendo fazer o que tenho feito há 37 anos, lendo o jornal todos os dias como se eu, assim como você, o tivéssemos como fonte primária de notícia e opinião (e esperando com pesar que ele me enfureça tanto quanto só alguém muito amado pode fazer). Mas, para permitir que eu possa representar os leitores quando eles tiverem reclamações sobre a integridade do Times, os editores me concederam livre acesso a toda a equipe e este espaço bissemanal (mais do que considero necessário) para comentar seu trabalho.
Meu texto não será editado, exceto para corrigir erros de gramática, ortografia e coisas assim. O pessoal da redação não é obrigado a responder minhas perguntas sobre coberturas ou outros aspectos da prática jornalística. Mas quando eles se recusarem, mencionarei isso. Em prol da comunicação com meus colegas leitores, me esforçarei muito para não falar off the record, embaixo do pano, sem poder atribuir depoimentos, com os funcionários do Times, sobre as outras nuvens ofuscantes que encobrem o jornalismo moderno. Quero ser capaz de deixar você saber tudo que sei ? para que eu permaneça um leitor, ainda que com acesso aos bastidores. Nunca quero estar numa posição de dizer "sei que eles fizeram isso certo, mas não tenho permissão para dizer como". As operações do jornal podem nem sempre ser transparentes, mas espero que meus argumentos, asserções e, se necessário, acusações, sejam.
Se eu estivesse concorrendo à reeleição, você teria todos os motivos para duvidar da minha independência. Por isso, no dia 29/5/2005, segundo acordo com o editor-executivo Bill Keller, meu nome desaparecerá do topo desta coluna e da folha de pagamento do Times. Até lá, deixarei meus colegas leitores decidirem se estou fazendo meu trabalho honestamente. Aqui desejo boa sorte e boa vontade a todos nós. Até daqui a duas semanas.
(*) Ouvidor do New York Times