SADDAM NA MÍDIA
Renato Auar (*)
O desfecho tão anunciado foi conseguido pelo governo americano. E a campanha da mídia continua solenemente porca ? e não somente mídia americana, como também a brasileira, que tentam legitimar uma "guerra" ao "terror", ao agora quase vencido "eixo do mal".
Tony Blair já se sente aliviado, e Bush Jr. certamente também pela prisão de Saddam, mas seus argumentos parecem contraditórios. "Saddam saiu do poder, e não vai mais voltar", disse Blair. É transparente a "preocupação" inglesa para com o povo iraquiano, demonstrando uma versão distorcida dos fatos, já que um dos maiores vitoriosos com a "guerra" não será o povo do Iraque, mas sim os britânicos. Versão totalmente oposta e visada para dentro de si é a de Bush, que agora tem uma ameaça a menos ao seu Império do Terror.
Voltando aos fatos apresentados pela mídia podemos constatar distorções e manipulações, e até mesmo ignorância diante dos acontecimentos. A mídia até agora trata Saddam por "o ex-ditador", o que chega a ser uma versão, no mínimo, ignorante para com uma posição ideológica. Saddam não mudará sua posição política ditatorial apenas porque deixou de ser o presidente do Iraque ? retirado sob condições ilegítimas ?, portanto continua sendo um ditador da mesma forma com que saiu do comando daquele país. Um socialista, por exemplo, não deixa de ser socialista sem mais nem menos, continua sendo um socialista por ter idéias socialistas, o que não faz do ex-presidente iraquiano, necessariamente, um ex-ditador, e sim um ditador tirado do poder por objetivos militares e políticos que nada têm a ver com o regime seguido no Iraque, será, pois, uma atitude terrorista assumida por um presidente dos EUA. Pela força do cargo e pela alta carga ideológica do governo deste homem, e a manipulação da mídia daquele país, faz com que seja "impossível" e "inviável" classificá-lo de tal forma.
Quando a notícia da prisão foi dada pela Rede Globo, logo após o anúncio foram mostradas imagens de iraquianos comemorando a prisão de Saddam nas ruas de Bagdá, o que representa uma versão parcial dos fatos apresentado até então, e, como vem a noticiar o jornal O Globo, do dia 15 de dezembro na sua versão on-line, com as manchetes "A reação árabe: celebração e júbilo de um lado…", complementada pela outra manchete um pouco mais abaixo, "…mágoa, decepção e ressentimento de outro". Como se vê, a reportagem deste jornal aparece mais fiel aos fatos, portanto sugiro que visitem os links e vejam que, mesmo na reportagem "…mágoa, decepção e ressentimento de outro" percebemos que a relevância da americanização dos fatos é evidente, citando inclusive trechos como "estamos tão felizes que ele foi preso. O povo do Iraque sofreu lavagem cerebral pelo regime de Saddam. Eles precisam de mais 20 anos para tomar consciência de que os kuwaitianos não têm culpa do sofrimento iraquiano ? disse Mohammed al-Hudieb", que foi contrabalançado pelo depoimento dizendo que "Saddam era um símbolo de desafio aos planos dos EUA na região. E apoiamos qualquer pessoa que desafie o domínio americano ? disse Azzam Hneidi, um islamita membro do Parlamento da Jordânia".
O mais patético dessa cobertura toda foi ver Ana Maria Braga "entrevistando" uma família iraquiana ocidentalizada pela cobertura mágica e clean feita pela mídia subserviente ao poder. Eles defendiam a invasão com o intuito de "libertar" o Iraque de um regime ditatorial, que é apoiado por todos em sã consciência, mas não perceberam que toda a "guerra" é um factóide montado por um governo ilegítimo e fraudulento, de uma invasão terrorista, e, portanto, ilegal.
A família ainda demonstrou um descontentamento pelas Forças americanas que ainda permanecem no Iraque. Ana Maria disse que, ao conversar com William Waack, estava de acordo com a permanência do Exército americano, pois o Estado ainda não estava consolidado e "por haver uma grande quantidade de etnias e pensamentos" os americanos deveriam permanecer para sustentar o governo, que não teria "condições de se manter".
Isso tudo, e muitos outros fatos, só demonstram que estamos contaminados pela espetacularização da mídia, e que a informação passou a ser transmitida como um show. O esvaziamento da "guerra" comandada pelos EUA foi dada pela intensa e parcial cobertura feita pelos veículos daquele país, que não sofrem de uma censura aberta e escrachada, mas por um patriotismo exacerbado, causando uma consciência invertida de uma realidade invertida, que faz com que os fundamentalistas sejam os chamados media.
(*) Estudante de Jornalismo da Facha, Rio