Gerson Moreira Lima
Uma experiência rara no Brasil é a prova específica para vestibulandos de Jornalismo, implementada no ano passado no vestibular da Universidade Santa Cecília (Unisanta), de Santos, SP. A prova, inteiramente discursiva, versou sobre três questões básicas de teoria do Jornalismo e ética nos meios de comunicação, além de exigir que o candidato redigisse um texto informativo nos moldes de uma notícia, a partir de dados formulados pelos organizadores.
O processo foi elaborado pelos próprios professores de Jornalismo da Unisanta, que também se encarregaram da correção dos textos imediatamente após encerrado o vestibular.
O diretor da Faculdade de Artes e Comunicação da Unisanta, Humberto Iafullo Challoub, informa que dos quase 700 inscritos no processo seletivo cerca de 300 deixaram de comparecer à prova. "Isso não foi ruim. Pelo contrário, consideramos que o tipo de prova inibiu os costumeiros pára-quedistas que preferiram não se arriscar, o que só contribuiu para uma seleção ainda melhor."
Não bastasse isso, segundo o diretor, na conversa "que tivemos com cada um dos candidatos aprovados ficou evidente que o perfil do vestibulando de Jornalismo da Unisanta modificou-se. Deixamos de ter concorrentes com grande habilidade em ciências exatas, treinados para responder questões de múltipla escolha, e atraímos um público mais maduro intelectualmente, com melhor nível de leitura, mas que normalmente se afasta de vestibulares em função da forma como é feita a seleção".
Do ponto de vista ortográfico, a seleção também trouxe aspectos positivos. Um dos maiores problemas dos alunos que chegam principalmente às universidades particulares é o baixo conhecimento da língua, o que implica textos incorretos tanto do ponto de vista ortográfico quanto do lógico. "Em uma primeira amostra das notas dos alunos matriculados no primeiro ano de Jornalismo da nossa universidade já detectamos melhoria em termos de avaliação em quase 60%, na média, quando comparamos a turma deste ano com a do ano passado", afirma Challoub.
O diretor da Unisanta diz que ainda não deu para fazer um estudo mais aprofundado, mas considera o processo da prova específica mais do que aprovado. Tanto que pretende implementar o projeto neste ano, com planos de introduzir uma entrevista individual com os candidatos, feita pelos professores de Jornalismo do curso.
O processo seletivo da Unisanta foi ressaltado recentemente quando da visita à universidade dos integrantes da Comissão de Condições e Oferta de Cursos de Jornalismo, do Ministério da Educação. Também o professor Paulo Rogério Tarsitano, coordenador da Expocom, realizada anualmente pela Intercom (Sociedade de Estudos Interdisciplinares de Comunicação no Brasil), recomendou à Unisanta que apresente sua experiência no próximo congresso da entidade, que se realiza em setembro, em Manaus, AM.
Samira Almeida
É inadmissível constatar que, no meio acadêmico, possa haver fatos como o acontecido na Universidade Santa Cecília, em Santos (SP): a suspensão dos alunos envolvidos na campanha pelo boicote ao Provão 2000. É inacreditável que nós, jornalistas, que temos a fama de "defensores dos direitos", tenhamos que conviver com a falta de liberdade de expressão desde a faculdade. Quando não estamos contentes com algo (neste caso, com o "ranking" do MEC), podemos expressar nossa insatisfação e devemos tentar mudar a situação.
O que os alunos Wellington Costa e Cristiano Navarro, da Santa Cecília, encontraram foi uma dureza ditatorial. Por se tentar abrir uma discussão sobre um tema polêmico na universidade um aluno deve ser suspenso? Ou pior, ele pode perder seu emprego, como no caso citado?
Aliás, quando li a carta dos estudantes neste Observatório concluí que há mais uma coisa que o Exame Nacional de Cursos trouxe de ruim e pode consolidar: na ânsia de punir sua universidade, alguns alunos têm boicotado a prova, enquanto na verdade o boicote consciente brota da discussão e do entendimento de que o Provão não é uma forma adequada de avaliar cursos e universidade (creio que não preciso mais dizer o porquê).
Debate permanente
Provando que nem todas as universidades são mantidas em ditadura, eu quero contar a nossa história. A verdade é que até os representantes da Enecos (Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social) ficaram surpresos com a abertura que tivemos para discutir a avaliação na Universidade Metodista de São Paulo, onde curso o 4º semestre de Jornalismo.
É lógico – e até compreensível – que o desejo da Metodista era que o curso de Jornalismo tirasse "A" e continuasse com muita procura (estamos numa instituição particular), mas em nenhum momento fomos impedidos de discutir o assunto, ao contrário, contamos coma a participação de professores e coordenadores em nossas discussões.
O que nossa coordenadora (que é também diretora da Faculdade de Jornalismo e Relações Públicas) não queria, e isto ficou bem claro, era um "C", que é o resultado de um boicote parcial, uma prova feita pela metade, apenas para passar o tempo mínimo obrigatório em sala. A universidade garantiu apoio total à discussão dos alunos, que chegaram à decisão democrática pelo boicote.
Fizemos a discussão, que partiu dos próprios alunos, crescer dentro da universidade; trouxemos profissionais do mercado, professores, alunos e representantes de entidades como MEC e Enecos para o debate. Foram edições e mais edições dos nossos jornais e telejornais laboratórios dedicadas ao assunto, numa discussão a cada dia mais forte nas salas de aula, nos corredores, no anfiteatro, na diretoria.
A formação do jornalista
Acho mais que correta a atitude de nossa faculdade, ao abrir democraticamente o espaço para que a discussão fosse cultivada na instituição. Se acontecesse conosco o mesmo que em Santos, não sei ao certo qual seria o nosso conceito no "ranking". Talvez um "C"; novamente resultado de um boicote malfeito. Esses conceitos não representam o quanto a universidade é boa ou ruim. Se os alunos que tirarem "A" ganharem "prêmios", eles fazem uma boa prova (independentemente do que seja a universidade); se a instituição fizer um bom "cursinho", os alunos vão bem e o ensino saiu prejudicado…
Não é isso o que se quer de uma universidade. É preciso que os estudantes saiam do ensino superior sabendo pensar criticamente, o que se consegue durante o curso, e não de forma instantânea, no último semestre. Esperamos, para a Metodista, um "E". Sim, esperamos um "E", e isto nos deixa realmente muito felizes, pois sabemos da qualidade do ensino desta universidade e do quanto é bizarra a forma que o MEC escolheu para avaliar os cursos.
Mas a idéia inicial era falar de democracia; creio que já deu para deixar um exemplo a ser seguido: bons jornalistas são aqueles criados em clima de debates e discussões, são os que têm liberdade para se expressar desde a faculdade, e não os que decoram e repetem infindavelmente conceitos e mais conceitos.
Aliás, essa história de decorar e repetir lembra muito os cursinhos que "preparam para a universidade"… É, parece que as políticas educacionais no Brasil precisam ser revistas.