Friday, 27 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1307

O ensino de jornalismo nos EUA

EDUCAÇÃO & MERCADO

Antônio Brasil (*)

Fui convidado a participar do último programa do Observatório da Imprensa na TV (9/9/03), transmitido pela Rede Pública de TV, para falar sobre o ensino de jornalismo nos Estados Unidos. A pauta do programa era o ensino de jornalismo nas universidades privadas brasileiras. Atualmente, estou lecionando "Global News" (jornalismo internacional) na Rutgers University, a universidade do estado de Nova Jersey, e realizando projetos de pesquisa em nível de pós-doutorado sobre a migração da TV para a internet e a utilização de novas tecnologias para o ensino de jornalismo ? telejornalismo, principalmente. Devido a problemas técnicos, não pude contribuir para o debate. Pena. Mas o tema é importante e gostaria muito de acrescentar dados sobre o ensino de jornalismo aqui nos EUA e aproveitar a oportunidade para fazer algumas provocações sobre os problemas que enfrentamos na instituições de ensino superior brasileiras.

Em verdade, no Brasil muitos desses problemas são comuns tanto em instituições públicas como privadas. Além de todas as velhas dificuldades vividas pela educação superior em nosso país, o ensino de Jornalismo, em particular, enfrenta uma verdadeira crise de identidade. Afinal, para que serve? Discute-se muito a obrigatoriedade do diploma, mas se faz muito pouco para melhorar a qualidade do ensino, principalmente em relação ao treinamento especializado dos professores.

Apesar de diversos auto-elogios durante o programa, creio que um dos maiores problemas dos nossos cursos de Jornalismo ainda é a falta de profissionalismo e treinamento de professores. Explico. não consigo entender ou aceitar que cursos de mestrado, doutorado ou mesmo pós-doutorado necessariamente contribuam para termos bons professores de Jornalismo. Talvez, muito pelo contrário. Quanto mais nos dedicamos às pesquisas, mais no afastamos dos cursos de graduação. Semana passada, o New York Times publicou um artigo sobre os inúmeros professores "estrelas " de universidades renomadas ? como a New York University ? que estão sendo "obrigados? a retornar às salas de aula em cursos de graduação.

Muitos professores odeiam dar aulas para os alunos que acabaram de ingressar nas universidades. Bem sabemos que boa parte dos professores importantes e muito qualificados costumam ter "arrepios" só de pensar em enfrentar os jovens estudantes, ainda mais os alunos do curso de Jornalismo. Segundo esses professores "estrelados" , esses alunos costumam ser rebeldes, exigentes e até arrogantes. Exatamente como muitos jornalistas. Esses alunos costumam reclamar de tudo, enfrentam avaliações apressadas como o Provão e muitas vezes enfrentam professores famosos que se recusam a ensinar.

O problema é que os professores brasileiros, muitos deles bons jornalistas do passado, não receberam qualquer treinamento para se tornarem professores de fato. Muitos deles são contratados porque são famosos, conhecidos no mercado. E muitos, em meio a crise no setor, com altos índices de desemprego, abandonam cedo a carreira de jornalista, não possuem experiência profissional como jornalistas, precisam sobreviver e conseguem uma colocação por indicação de amigos ou ex-colegas para lecionar em instituições privadas. Outros, com enorme experiência profissional, não conseguem mais emprego na mídia, são considerados ultrapassados e precisam garantir a sobrevivência com um rendimento extra. Ou seja: poucos professores de Jornalismo receberam treinamento especializado para lecionar as disciplinas para quais foram designados.

Existem muita boa vontade, improvisações e, ainda mais "enrolações" . O aluno finge que aprende, pois só está interessado no diploma, e o professor, que não sabe e não foi treinado para exercer a profissão, finge que ensina. Essa cultura prevalece nos cursos de Jornalismo e o mercado continua privilegiando algumas poucas instituições públicas. Elas não precisam se preocupar muito com ensino. Com vestibulares rigorosos que selecionam somente os melhores alunos ? na UERJ, o curso de Jornalismo já teve uma relação de 1 vaga para 77 candidatos ?, as universidade públicas não precisam se preocupar muito com qualidade do ensino, a falta de laboratórios, equipamentos ou professores qualificados e dedicados ao ensino.

O aluno de curso de Jornalismo de universidade pública brasileira já foi selecionado pela vida privilegiada. Aprende pouco, mas parece que sabe tudo. Em universidade privada, no entanto, sobram vagas, entra quem quer ou quem pode pagar, aprende-se alguma coisa e o diploma está garantido no final da longa jornada. Os cursos no Brasil são de 4 anos e têm muitas disciplinas. Muitas delas são completamente desnecessárias. Ao final do curso, os alunos acumulam muitos créditos e os donos das fabricas de diplomas, fortunas.

Cursos lucrativos

Quando cheguei à Inglaterra para fazer o meu mestrado em Antropologia, os meus entrevistadores ficaram surpresos com o número de disciplinas do meu curso de Jornalismo ? na época, um dos melhores do Brasil. Completei um curso de quatro anos com quase 60 disciplinas. Segundo os professores ingleses, após lerem atentamente meu histórico escolar, o conhecimento obtido no curso de Jornalismo era "enciclopédico" . A verdade, no entanto, era que eu sequer me lembrava da cara dos professores da maioria das disciplinas. Tudo era muito superficial e muitos professores faziam questão de dizer que estavam "temporariamente" fazendo um bico, dando aula em universidade privada.

A título de comparação, percebo diferenças importantes em relação ao trabalho dos professores americanos. Eles possuem condições extraordinárias de ensino. São bem remunerados, têm recursos tecnológicos de última geração, salas com computadores ligados à internet de alta velocidade e projeção de alta resolução para os alunos. Mas os professores têm que trabalhar muito para garantir o emprego. Ninguém tem emprego garantido. O conteúdo integral dos cursos é apresentado aos alunos com grande antecedência, cada aula tem um tema especifico, exige-se um grande volume de textos para leitura obrigatória, copias impressas dos artigos são fornecidas com igual antecedência e o acesso aos textos é garantido em comunicação eletrônica via internet. Todos os professores utilizam a rede e os recursos das novas tecnologias com grande eficiência e competência. Ninguém parece ter medo de utilizar todos os tipos de equipamentos.

Na Rutgers University, o curso de Jornalismo é de apenas dois anos, mas a maioria dos alunos faz um outro curso superior complementar. Ou seja, o aluno faz um major em jornalismo mas também uma graduação em Sociologia, Historia ou áreas afins.

Nos EUA não se exige diploma de Jornalismo para exercer a profissão e as diversas universidades não têm problema algum para selecionar os melhores alunos. Explico: existem poucas escolas de Jornalismo, tanto em nível de graduação como de pós-graduação, se compararmos com o escândalo que ocorre no Brasil, onde instituições como a Estácio de Sá e a Unip (alguns dos nossos maiores e piores exemplos de universidades privadas) inauguram unidades de ensino com a mesma rapidez e irresponsabilidade de um McDonald?s. Depois, é só sair por aí dizendo que ganham muitos prêmios e que necessariamente são boas escolas. Equipamentos sofisticados utilizados por profissionais garantem prêmios; poucos alunos com acesso aos melhores projetos práticos, muito prestígio; e está garantida a alta lucratividade de tantos cursos de Jornalismo no Brasil.

"Deficiente e desnecessário"

Tive a oportunidade de visitar instituições de ensino superior em diversas partes do Brasil durante as visitas das comissões de avaliação do MEC. Na maioria das vezes, fiquei chocado. Cobram-se dos alunos e de suas famílias verdadeiras fortunas e as condições de ensino são precárias. Professores são obrigados a viajar horas, de cidade em cidade, para garantir o mínimo de rendimento. Os laboratórios são precários e, quando existem, atraem um numero excessivo de alunos.

As escolas de Jornalismo nos EUA, mesmo em universidades públicas como a Rutgers, são pagas e muitas são caras. Não existe universidade gratuita. Muitos alunos disputam bolsas de excelência. As famílias costumam economizar desde cedo e durante anos para enviar seus rebentos para os privilégios do mundo universitário. Mas o sacrifício parece valer a pena.

Entrar numa universidade americana de prestígio é difícil, as vagas são muito disputadas, mas o mercado reconhece o valor da educação superior. As bibliotecas são atualizadas e os laboratórios oferecem condições adequadas para as aulas práticas. Procura-se instituir um equilíbrio entre as aulas consideras teóricas e as disciplinas práticas. O ensino é levado a sério e não se prioriza as necessidades ou ditadura do mercado.

Muitas empresas investem fortunas em projetos de pesquisa, mas também destinam recursos à contratação e qualificação dos professores. Diversas instituições e empresas fornecem milhões de dólares para criar chairs (disciplinas) que agregam seus nomes e marcas na posição do professor contratado. Ou seja, o mercado não fica apenas esperando os melhores alunos, criticando as instituições de ensino e bradando que os cursos de jornalismo não servem para nada.

Há alguns anos, o jornal O Globo publicou uma avaliação dos estudantes dos cursos de Jornalismo que não sabiam quem eram Martin Luther King, Charles De Gaulle e outros grandes líderes internacionais. Tudo para comprovar que o ensino de Jornalismo no Brasil era deficiente e mesmo desnecessário. Ningu&eaceacute;m procurou fazer a mesma pesquisa entre os leitores do Globo, que certamente sabem mais sobre os artistas globais, temas de novelas e as últimas ações de narcotraficantes do que dados importantes sobre o jornalismo considerado sério ou relevante.

Manifestações ruidosas

É evidente que temos problemas no ensino de Jornalismo no Brasil. Tive oportunidade de ensinar Jornalismo em várias instituições privadas e públicas brasileiras e sempre enfrentei grandes dificuldades. Ou tínhamos alunos demais, com vestibulares de mentirinha que admitem " analfabetos" nas instituições privadas, ou contávamos com excelentes alunos nas universidades públicas mas enfrentávamos toda a forma de privações. Ensinar telejornalismo ou novas tecnologias sem os mínimos recursos operacionais sempre me pareceu um grande desrespeito aos alunos e aos professores.

Confesso que ainda estou em um certo estado de choque cultural. As condições de trabalho na Rutgers University são excepcionais e os alunos são dedicados apesar de imaturos, desinformados sobre o mundo e muitas vezes excessivamente ingênuos. É possível constatar vários problemas, mas existe uma busca sincera e evidente de excelência.

A polêmica recente que atingiu o curso de mestrado em Jornalismo de uma das melhores universidades do mundo ? a Columbia, em Nova York ? é um exemplo da constante busca de novos desafios para o ensino de Jornalismo. Apesar de serem considerados por muitos especialistas na academia e no mercado como responsáveis pelo melhor curso de Jornalismo do planeta, os professores e alunos de Columbia enfrentam uma verdadeira revolução. Uma luta entre a ênfase tradicional no ensino prático da profissão contra um maior equilibro no conhecimento mais voltado para a teórico e a cultura geral.

Tanto nos Estados Unidos como no Brasil ainda temos muito a fazer para melhorar o ensino de Jornalismo. A utilização intensiva de novas tecnologias e o aprimoramento dos professores pode ser somente um bom começo. Mas nada supera a necessidade de um controle rigoroso por parte das instituições especializadas do governo para evitar que nos tornemos reféns de empresários gananciosos só interessados em garantir lucros ainda maiores. Por outro lado, cabe às empresas de mídia instituir parcerias que garantam a qualidade da formação tanto dos professores como dos alunos de Jornalismo.

Deveríamos pesquisar mais sobre o ensino de Jornalismo em diversos paises que ainda produzem um bom jornalismo, apesar dos problemas atuais e da crise de valores em que vivemos. Mas também precisamos enfrentar o problema de como vamos preparar os professores que irão formar os futuros jornalistas.

Nem tudo no Brasil se resume a reclamar da eterna falta de recursos ou recorrer a manifestações ruidosas de estudantes para obtenção de verbas. Para melhorar o ensino de Jornalismo no Brasil precisamos antes de tudo de mais humildade para reconhecer nossas deficiências. E de mais ousadia para tentar alternativas metodológicas mais criativas e eficazes.

(*) Jornalista, professor-visitante na Rutgers University, Nova Jersey (EUA)