Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O ensino de telejornalismo

DIRET?RIO ACAD?MICO

PROJETO DE PESQUISA

Um desafio acadêmico entre a cultura teórica e o mundo da prática profissional

Antonio Brasil (*)

"Esquece tudo que ensinaram na faculdade. Telejornalismo só se aprende fazendo" [Relato de um estagiário]

INTRODUÇÃO

O ensino de telejornalismo é um exemplo referencial do grande desafio atual para as faculdades de comunicação no Brasil: por um lado, a predominância de uma cultura acadêmica que valoriza a "teoria" e, por outro, uma realidade de mercado onde a "prática" é considerada simplesmente "essencial". Este verdadeiro paradoxo já foi discutido amplamente em diversos artigos publicados ou em seminários acadêmicos, mas as conclusões continuam indefinidas.

No caso específico do ensino de telejornalismo a situação é emblemática. Trata-se de uma disciplina que deveria ser diretamente responsável pela formação dos profissionais que irão trabalhar nos principais veículos de comunicação de massa do país, a televisão, fontes majoritárias e predominantes de obtenção de notícias para a maioria da população brasileira. Essa situação hegemônica e predominante do meio televisivo merece uma análise mais profunda e atualizada. Afinal, estamos lidando com uma área da comunicação social que apresenta uma enorme capacidade de influência social e política responsável diretamente pela formação da opinião pública nacional. Uma área extremamente dinâmica e em constante evolução, tanto no seu formato tecnológico quanto no seu conteúdo e na sua linguagem informacional. Esse trabalho procura, de uma forma introdutória, lançar um "olhar" no campo telejornalístico brasileiro pelo ângulo de sua formação acadêmica. As análises citadas nesta pesquisa são o produto de uma experiência abrangente e significativa de muitos anos de prática profissional televisiva que culminaram com a tentativa, muitas vezes frustrante, de ensinar telejornalismo e transferir o conhecimento adquirido, em diversas faculdades de comunicação brasileiras. Uma tentativa de mudar o telejornalismo brasileiro pela formação do seu futuro profissional.

Como se ensina telejornalismo no Brasil

Segundo o prof. Sebastião Squirra, doutor em Telejornalismo, em seu paper não publicado e produzido para o IV Seminário Internacional de Telejornalismo sob o título "O Ensino de Telejornalismo no Brasil, ou a hegemonia da instrução bidimensional estática num mundo tridimensional, cinética", o problema está na própria natureza do Telejornalismo e do seu ensino. Uma didática estática numa profissão essencialmente dinâmica conforme cita:

"A mensagem telejornalística requer uma abordagem precisa e cuidadosa. No ensino de telejornalismo acredito que estes são os conhecimentos e valores que só se adquirem produzindo, avaliando, redirecionando, mudando posturas, voltando a produzir, numa infindável espiral que evidencia que a escola deve vivenciar o espírito que rege a vida prática das redações e centros de produção audiovisual. Os grandes exemplos nos mostram que a reflexão e a experimentação contínua moldam excelentes produtos."

Dessa forma, o Telejornalismo reflete a cultura predominante em nossa sociedade com os seus valores e estereótipos representados no meio televisivo de uma forma muitas vezes exagerada. O Telejornalismo reflete o país e, conforme relatos detalhados da nossa própria história, as características predominantes já estavam presentes no dia da inauguração da televisão brasileira, obra singular e intempestiva de um empresário poderoso, modelo para os futuros "barões da comunicação", Assis Chateaubriand, o Chatô. Assim foi que, apesar da presença dos ensaios meticulosos, da presença dos "instrutores" americanos, dos cursos meticulosamente preparados e arduamente assistidos pelos nossos improvisados profissionais de "rádio", já no primeiro acidente televisual da nossa história (uma das duas únicas câmeras disponíveis, não funcionou!) procurou-se super valorizar a criatividade e engenhosidade do profissional brasileiro com o seu famoso "jeitinho". Já naquele ocasião, produziu-se a primeira emissão televisiva totalmente diferente do planejado e previsto à revelia dos instrutores americanos mas, com orgulho, mostrou-se aos "gringos" como seria o futuro da nossa televisão: uma constante valorização da improvisação, da espontaneidade e o pouco caso pelo treinamento prático, pela pesquisa científica e pela avaliação profissional. Apesar de todos os esforços da rede de tevê hegemônica em nosso país, a Globo, de cultivar um alto grau de profissionalismo técnico que se transformou no mitológico e auto-avaliado "padrão globo de qualidade".

Dessa forma, num acidente semelhante à lendária "calmaria" que descobriria o país, estava criada a semente da televisão brasileira. Seria instrutivo comparar os mesmos parâmetros norteadores com o ensino de engenharia ou medicina, por exemplo. Afinal, como acreditam alguns, só se aprende fazendo!

Mas, para analisar especificamente o ensino de telejornalismo no Brasil devemos, em primeiro lugar, fazer uma revisão da bibliografia específica existente. Existem diversos manuais de telejornalismo escritos por profissionais competentes, com larga experiência, tanto de mercado como de ensino em cursos superiores de comunicação, disponíveis no mercado editorial brasileiro. Esses manuais procuram fazer uma compilação do conhecimento técnico do "fazer" telejornalístico em suas diversas etapas para o estudante de comunicação que necessita de referências claras sobre como produzir matérias telejornalísticas num breve espaço de tempo. Afinal, na grande maioria dos cursos universitários de jornalismo no país, se oferece o ensino da disciplina telejornalismo geralmente em um ou talvez dois semestres, no máximo, com poucas exceções. Esses mesmos guias profissionais, apesar das tentativas de oferecerem informações adicionais e didáticas na forma de ilustrações e diagramas, sofrem com a própria natureza das características inerentes à mensagem escrita publicada em livros. Afinal, se a televisão é um meio com predominância imagética, o meio impresso limita sensivelmente o ensino de diversas áreas importantes do saber telejornalístico como a produção e edição de imagens, por exemplo. Ou, em casos mais extremos, os manuais de telejornalismo, apesar de insistirem na importância do ensino das técnicas de "casamento de imagens com texto" para a produção da informação no meio televisivo, encontram dificuldades, muitas vezes intransponíveis, na exemplificação didático-pedagógica específica para os alunos. Desta forma, a transferência do saber acumulado em tantos anos de prática telejornalística por parte do professor, característica específica do ensino da disciplina, enfrenta as limitações do próprio meio predominante no ensino acadêmico contemporâneo, a utilização restritiva e isolada do livro didático. A cultura de extrema valorização da "teoria" na maioria das faculdades de comunicação e as limitações em relação aos equipamentos audiovisuais, determina, igualmente, a significativa preponderância do livro para todas as disciplinas, mesmo aquelas que tenham características essencialmente audiovisuais como o telejornalismo.

Por outro lado, a disseminação indiscriminada da utilização de vídeos, produzidos não especificadamente para fins didáticos, também contribui para uma das maiores distorções do ensino nas faculdades brasileiras em geral, e principalmente das faculdades de comunicação. Afinal, todo professor aprecia exibir vídeos durante as aulas e todos os alunos parecem adorar assisti-los por motivos diametralmente opostos. Essa forma "recurso multimídia" pode até ser bom entretenimento, afinal substitui as longas aulas expositivas ou as aulas não preparadas com antecedência , mas raramente é bom recurso didático.

A falta de material didático específico para o ensino de uma disciplina é problema recorrente em todo o ensino brasileiro, mas no caso do telejornalismo esse problema é ainda mais significativo. Afinal, podemos sempre assistir ao Jornal Nacional em sala com os alunos e instruí-los sobre as suas peculiaridades específicas, ou seja, ilustrando os manuais. Mas nunca podemos mostrar os bastidores da produção de um telejornal pela total falta de acesso aos seus segredos. Algo parecido com ensinar medicina, mostrar o cadáver aos alunos mas não poder ver o seu interior ou dissecá-lo. É claro que existem as famosas "visitas guiadas" que, infelizmente, muitas vezes, se assemelham às visitas aos parques temáticos do gênero SIMBAH SAFARI, onde podemos ter uma visão superficial da vida selvagem de um ser desconhecido em seu habitat "quase" original. No caso das visitas às televisões, podemos sempre ver, de longe, o desconhecido jornalista numa verdadeira redação, porém em horários alternativos, ou seja, preferencialmente quando nada esteja acontecendo. Como se diria em telejornalismo, muito esforço de produção e pouco resultado em informação!

E é neste caso emblemático que podemos analisar a relação das universidades e o ensino de telejornalismo com as grandes redes de televisão do país. Conceder visitas aos estudantes não parece o suficiente para melhorar a qualidade do ensino de telejornalismo. Ao contrário de outras grandes empresas, como a Petrobras, por exemplo, que investem maciçamente na formação de seus futuros profissionais já nos primeiros anos das universidades, que possuem centros de pesquisa em conjunto com estas mesmas instituições, o que encontramos na área telejornalística é essencialmente o "contrário" desta relação escola e empresa. Ou seja, não só não existem parcerias de ensino na forma de estágios supervisionados por professores ou estímulo ao acesso aos mesmos equipamentos profissionais utilizados pelas emissoras de televisão, reciclagem dos professores ou participação no processo seletivo de estagiários, mas o que existe é uma verdadeira cultura de desvalorização do ensino universitário, especificamente na área da comunicação social. A universidade e especificamente seus professores de telejornalismo são, em geral, sistematicamente criticados pelos primeiros responsáveis pela avaliação e treinamento in house dos futuros profissionais por inúmeros motivos, a destacar: a falta de laboratórios modernos com tecnologia de ponta e a defasagem dos professores quanto à realidade dinâmica predominante no mercado.

Os alunos de jornalismo que ingressam neste mercado de trabalho passam a confirmar, por indução e experiência in loco, uma realidade que simplesmente suspeitavam. Estes mesmo alunos são regularmente avaliados e selecionados para ingresso em estágio muitas vezes não regulamentados por lei, por firmas especializadas em recursos humanos contratadas pelas grandes emissoras sem qualquer intervenção das universidades. Os alunos são selecionados por critérios particulares, mas baseados essencialmente em conhecimentos de cultura geral e pela capacidade de executarem tarefas em grupo, as onipresentes e muitas vezes curiosas "dinâmicas de grupo". As questões predominantes de cultura geral costumam sem semelhantes aos conhecimentos já super avaliados quando do ingresso dos alunos nas próprias universidades, por ocasião do vestibular. Dessa maneira, o conhecimento adquirido e acumulado nos quatro longos anos de ensino humanístico e jornalístico são muitas vezes ignorados e a prática adquirida é considerada "insuficiente" para ser sequer avaliada. Tanto esforço para produzir pequenos ensaios telejornalísticos durante semestres inteiros para serem totalmente desconsiderados em sua contribuição na formação do aluno e na transposição deste verdadeiro "rito de passagem" para o ingresso do futuro jornalista numa grande emissora de televisão. Trata-se, pois, no caso do Telejornalismo, de um completo distanciamento entre a prática acadêmica e a realidade do mercado. Uma total falta de participação de inúmeros professores qualificados e experientes no processo de avaliação e seleção dos estagiários para o universo do mercado telejornalístico. O professor dentro da universidade fica completamente alienado dos critérios que formalizam estas verdadeiras maratonas seletivas ou "provas de obstáculos" para milhares de ansiosos postulantes a um lugar ao sol no tão limitado mercado profissional televisivo. Ou, simplesmente para tantos, seduzidos pelos "encantos" do meio, simplesmente, uma oportunidade de alcançar o tão almejado "televidão", i.e. (salários astronômicos e fama instantânea). Ao professor de Telejornalismo na universidade, fica reservado um lugar de coadjuvante indesejado nesta novela decisiva para o futuro da televisão.

Por outro lado, atuando como uma espécie de "complementação" às deficiências dos cursos acadêmicos superiores de Telejornalismo encontramos, em nossa pesquisa, a existência dos cursos profissionalizantes especializados em Telejornalismo. Estes cursos são normalmente dirigidos e conduzidos por profissionais "destacados" e "renomados" do mercado que se utilizam desta condição de "sucesso profissional" para atrair uma grande parcela de alunos de jornalismo ansiosos por uma instrução prática eficiente inexistente na maioria das faculdades de comunicação. Esses alunos também recorrem a esses cursos com os seus instrutores "famosos", interessados numa "indicação" privilegiada para o mercado de trabalho. Esses cursos costumam ter uma duração limitada a poucas semanas e têm custos financeiros altos sendo, dessa forma, proibitivos para a maioria dos estudantes. Eles enfatizam a prática do jornalismo televisivo na produção de pequenas matérias e um treinamento "relâmpago" de técnicas de apresentação para televisão. Se confunde uma pedagogia de ensino com muita ênfase na forma e pouco cuidado com o conteúdo. Um curso de telejornalismo no atual estilo "fast food" ou, como exemplifica Pierre Bourdieu em seu controvertido livro "Sur la Télévision", um telejornalismo instantâneo com o mínimo de formação mas repleto de "fast thoughts", sem contextualizações mais profundas e complicadas. Trata-se de um reflexo instrucional da própria linguagem preponderante nos telejornais atuais: rápidos e superficiais. Neste mesmos cursos super intensivos, as profissões mais recorrentes e provavelmente menos "glamourosas" do universo telejornalístico são pouco valorizadas e incentivadas como as especializações de produtores, pauteiros, editores de texto e imagem, arquivistas ou mesmo cinegrafistas e tantas outras que igualmente conduzem à televisão mas talvez não conduzam ao já mencionado "televidão". É confundida a noção do ser jornalista, famoso e bem-sucedido, com a noção de "bom professor". Mais um exemplo do distanciamento entre uma teoria e a prática, entre a escola e o mercado.

As alternativas dentro das universidades

Muitos professores de Telejornalismo há muitos anos vêm isoladamente tentando oferecer alternativas a esse quadro pessimista dentro das universidades brasileiras. Destacamos, por exemplo, o saudoso professor Sylvio Júlio Nassar, colega jornalista de tantos anos de Globo, a quem devo o privilégio da sedução pelo ensino universitário, e a quem, quis o destino, vim a substituir no ensino de telejornalismo da Faculdade de Comunicação Social da UERJ. Tento dar continuidade às suas idéias ousadas e pioneiras de um ensino mais prático da nossa disciplina. Ele já anunciava o caminho a ser trilhado em seu artigo para a primeira revista Logus em 1990, "No ar, o Telejornal Universitário", onde descrevia as dificuldades, previa os obstáculos mas, antes de tudo, indicava os benefícios de se produzir regularmente um telejornal dentro de uma universidade. Conforme indica o Prof. Sylvio Júlio, já sofrendo as conseqüências de tantos esforços:

"No ar, o telejornal Universitário. Com esta frase marcando a abertura, os alunos do Curso de Jornalismo, viveram uma experiência interessante: fazer o telejornal semanal que exibido no hall da UERJ, procurava informar a comunidade sobre os acontecimentos da Universidade, alguma coisa do país e do mundo , mas que funcionava como Laboratório para a disciplina de telejornalismo….Foi tão pouco, precário, mas muito bom ter vivido essa experiência. Minhas condições de saúde (perdoem-me colocar uma questão pessoal mas ela foi importante porque o curso da UERJ é muito recente e só estou eu com as disciplinas de TV) também colaboraram para que o projeto sofresse interrupção. O telejornal requer muito fôlego. Mas um dia, aqui na UERJ, tenho certeza de que vai ser possível, e espero que projetos semelhantes possam ganhar espaço …. E com todo o entusiasmo, o locutor anunciar: ? No ar, o Telejornal Universitário."

ESTUDOS DE CASOS

O projeto telejornal universitário diário

Numa primeira ocasião, tive a oportunidade de colocar em prática essas idéias inspiradoras num projeto de ensino de telejornalismo que incluía a produção de um telejornal diário numa universidade particular do Rio de Janeiro. Com uma estrutura operacional mínima, custos reduzidíssimos, quase nenhum apoio institucional mas muito empenho por parte de toda uma equipe de alunos, professores e funcionários, criou-se um telejornal diário exibido em circuito fechado dentro de dois campi diferentes. Este telejornal se tornaria padrão referencial para tantos outros telejornais universitários em nosso país e, projeto pioneiro, foi reconhecido e premiado como o melhor telejornal universitário do país na mostra nacional de trabalhos experimentais, a Expocom, da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, a Intercom, durante três anos. Uma experiência ousada de oferecer alternativas ao ensino de Telejornalismo dentro das universidades brasileiras que, infelizmente, seguiu rumos diversos à orientação original por decisões políticas e pessoais dentro da instituição promotora.

Por outro lado, o telejornalismo não se resume somente à produção de telejornais, mas inclui, igualmente, uma série de outras linguagens televisuais, como programas de documentários, shows esportivos e programas de debates com entrevistas, mais conhecidos como talk shows. Tentativa de recriar na universidade a característica de diversidade e de instantaneidade típicas do meio. A busca de alternativas a um modelo de televisão universitária, sempre pré-ensaiada e pós-gravada, gerou uma tentativa de recriação da experiência única de um telejornalismo "ao vivo", da espontaneidade temporal com a inclusão de seus acertos e erros.

O projeto Caderno U

Consideramos que, apesar da importância dos telejornais, o ensino da disciplina Telejornalismo também deveria contemplar uma apresentação e uma prática de diversas linguagens de maneira indistinta. E mais uma vez, seguindo as suas previsões, citamos o Prof. Sylvio Júlio: "um dia, aqui na UERJ, tenho certeza que projetos semelhantes possam ganhar espaço" e, em sua homenagem, criamos o projeto Caderno U, de grande sucesso junto aos alunos voluntários, telespectadores curiosos e crítica especializada, mas com um final abrupto e infeliz para todos.

Foi pensando nesta demanda de novas linguagens e de uma maior variedade de programas telejornalísticos que colocamos no ar mais uma tentativa de inovar a programação televisual. Criou-se um programa de debates, novamente com pouquíssimos recursos e igualmente sem um apoio institucional definido. Esse gênero de programa é importante para a formação dos estudantes de comunicação e para a qualificação de uma audiência televisiva. Assim surgiu o Caderno U, com um locutor-aluno e não um profissional do mercado, anunciando " está no ar, a nossa revista semanal de comunicação universitária". O programa foi exibido primeiramente na TV Universitária do Rio de Janeiro (UTV) e, logo após, também no canal universitário de São Paulo (CNU), por indicação do jornalista, crítico de TV e diretor do canal universitário paulista, o Prof. Gabriel Priolli.

O programa Caderno U, apesar dos recursos técnicos e financeiros limitados mas, principalmente, graças ao seu caráter experimental e ousado, procurava apresentar um jornalismo televisivo de forma criativa, irreverente mas com muito conteúdo. "Um bom programa com a cara dos jovens cariocas" , segundo a análise crítica do próprio Gabriel Priolli.

No Caderno U também participava "gente famosa" como Zuenir Ventura, Ruy Castro, Nelson Motta, Lobão, Domingos Meirelles, Leilane Neubarth, Gabriel Priolli, Nelson Hoineff e tantos outros que visitaram o programa para conversarem com os alunos apresentadores sobre televisão, jornalismo, e comunicação. Os convidados especiais também tinham a oportunidade de assistirem e avaliarem diversos vídeos produzidos nos laboratórios das faculdades de comunicação social, sem distinção de origem institucional. O programa sempre foi aberto a todos os estudantes. Um projeto único, ecumênico, que geraria um programa produzido em regime de pool por alunos e professores de várias universidades, unidos pelo interesse comum de praticar o telejornalismo de uma forma criativa. Um programa produzido quase "ao vivo", com um mínimo interrupções durante a gravação, sem interferências autoritárias e limitadoras por parte dos diretores e evitando uma edição corretiva desnecessária. Um programa para ver e ser visto com seus erros e acertos. Um verdadeiro laboratório televisivo e uma vitrine de novos talentos televisivos sempre experimentando novas idéias comunicacionais. Um programa produzido por alunos para exibir os seus próprios trabalhos realizados em sala de aula e, até então, condenados a serem somente vistos de forma restrita, dentro das universidades. Uma maneira de dar visibilidade e uma avaliação externa ao ensino e a aprendizagem prática de Telejornalismo.

A televisão universitária do Rio de Janeiro, que exibia informalmente o programa Caderno U, resolveu retirá-lo do ar após quase um ano de exibições semanais inéditas. O projeto Caderno U é hoje, simplesmente, uma memória gratificante e heróica para todos aqueles, professores, alunos e funcionários que participaram intensamente de um sonho durante um breve espaço de tempo. Um sonho de tentar fazer um telejornalismo universitário criativo e diferenciado das fórmulas conservadoras existentes. Um Telejornalismo que procure comentar e analisar os fatos baseado no espírito da conversa entre iguais e não na arrrogância do "mais saber". Um Telejornalismo de autocrítica que analise constantemente os seus profissionais, sua formação, sua produção e seus próprios objetivos.

Dessa forma, segundo o Prof. Luís Carlos Bittencourt, autor de um dos principais manuais de Telejornalismo e profissional com larga experiência na área, em análise crítica a este trabalho, o problema é ainda mais complexo:

"O grande desafio é mudar linguagem e conteúdo alternativo aos modelos do tipo Jornal Nacional, RJ etc. É aí que passa a formação de opinião e construção de modelos únicos. Por isso acho que é preciso relativizar. No dia em que fizermos experiências alternativas ao JN estaremos dando um passo essencial na busca de modelos mais democráticos de telejornalismo, telejornais que levem com transparência a notícia com informação e contexto, contribuindo para formar opinião crítica. Isso envolve forma e conteúdo. Nos modelos existentes não dá para levar conteúdo. Os programas jornalísticos podem levar mais, porque são maiores, há mais tempo, entrevistas etc., mas não são os meios fundamentais de formação de opinião, pelo menos atualmente e por mais alguns anos. Qualquer experiência neste sentido, isto é, com modelos de programas jornalísticos, ainda serão incipientes. Novidade seria experimentar, por exemplo, o videojornalismo que você defende. Contribuir para desenvolver uma linguagem apropriada que modele uma linguagem audiovisual com sintaxe própria. Há uma questão importante que é a percepção humana, que basicamente é 70 por cento visual. Só no dia em que estudarmos melhor a percepção humana, caracterizando os pesos específicos da percepção visual e da auditiva, seus mecanismos de cognição, e o desenvolvimento de uma sintaxe própria para a visual, aí sim, nós estaríamos dando um passo grande no desenvolvimento teórico e prático. Esse estudo é importante, e pode ser um dos nossos objetivos." (Conforme declaração pessoal)

As televisões universitárias, infelizmente, não parecem ser o instrumento tão esperado para a divulgação do ensino em nosso país. A opção por uma programação voltada essencialmente para uma autopromoção institucional segura e conservadora, ao invés de uma ênfase no experimentalismo ousado e pedagógico, afasta a possibilidade de surgimento de novas linguagens. As fórmulas das grandes emissoras são repetidas, só que com menos recursos, com a utilização limitada de alunos inexperientes que seguem sempre as mesmas fórmulas seguras e comprovadas. A baixíssima audiência das tevês universitárias, restrita a canais a cabo por assinatura de alto custo, reflete de maneira sintomática, o afastamento do seu público-alvo prioritário, os jovens universitários e seus professores.

Parece que estarmos condenados a um ensino teórico exagerado mas significativamente menos problemático e mais cômodo em sala de aula. Um ensino onde a subutilização dos limitados recursos dos laboratórios audiovisuais, a frustração do alunos e a falta de um verdadeiro canal democrático de veiculação da produção videográfica, mais uma vez, limitam, não só o ensino de telejornalismo, mas também o desenvolvimento de novas linguagens televisuais. Não é sem justificativa que vivemos um período de críticas contundentes contra a televisão e sua produção exageradamente voltada para o consumismo, o sensacionalismo e a superficialidade, inclusive no telejornalismo. Até mesmo as universidades e suas televisões insistem em ensinar e repetir as fórmulas já desgastadas de produzir e transmitir programas e notícias. Neste ponto cabe ainda uma ressalva, segundo o Prof. Luís Carlos Bittencourt:

"… a universidade deve testar, experimentar, mas tem que preparar o aluno para o mercado também. Nem oito nem oitenta. Mais uma vez, é o que o mercado pede. Não podemos só experimentar, ou o aluno não vai entrar no mercado" (conforme declaração pessoal do Prof. Luís Carlos Bittencourt).

Dessa forma, no caso do jornalismo na tevê, a tão buscada audiência cai constantemente, os jovens se afastam dos noticiários, o público telespectador de telejornais envelhece e culpamos a sociedade, o nosso tempo, os jovens de hoje e, principalmente, os professores universitários, por não pesquisarem o meio televisivo e sugerirem as respostas ou simplesmente as alternativas. Os pensadores das universidades preferem continuar repetindo insistentemente as mesmas críticas à televisão, confundindo meio com mensagem e evitando de todas as maneiras criar alternativas para essa televisão. Criticar a televisão parece ser aceitável no seio das universidades, mas fazer uma nova televisão, experimental e ousada, parece ser ainda… incompatível!

Tentamos apresentar um breve relato sobre a situação do ensino de telejornalismo nas universidades brasileiras. Procuramos analisar algumas alternativas para a renovação desse ensino, mas como pôde-se constatar, essas alternativas para o ensino mais eficiente de Telejornalismo em nosso país exigem "muito fôlego e entusiasmo", mas elas existem.

Contudo, essas alternativas continuam necessitando de um mínimo de apoio institucional e de um máximo de compreensão e incentivo por parte daqueles que controlam as direções do ensino superior em nosso país.. Experimentação de novas técnicas de ensino para disciplinas consideradas essencialmente "práticas" não se coaduna jamais com a restrição criativa e o imobilismo institucional de caráter tímido e conservador. Ensinar telejornalismo deveria ser tão dinâmico, criativo e inovador como o próprio meio. Mas tentar ensinar Telejornalismo somente com as idéias e os recursos dos saberes humanísticos existentes é condenar o ensino a ser insatisfatório e frustrante, tanto para o aluno quanto para o professor e ainda mais limitado, para o futuro empregador.

CONCLUSÕES

Precisamos reconhecer, humildemente, que o ensino de telejornalismo em nosso país, assim como, talvez, todo o processo educacional, precise conviver de forma mais próxima e dinâmica, com os novos recursos tecnológicos como a multimídia, a própria televisão e as redes telemáticas como a internet. Mas ter acesso às novas ferramentas de ensino e manter as velhas idéias também não parecem ser alternativas viáveis para as mudanças tão necessárias. A aquisição de novos equipamentos e a aplicação de novas técnicas deveria passar por uma maior valorização da educação continuada dos professores e uma maior proximidade com as realidades do mercado. O isolamento dos professores de telejornalismo dentro das universidades é resultado de uma completa falta de possibilidades de encontros profissionais setoriais para se discutirem os verdadeiros problemas desta área do ensino de telejornalismo específicamente. Convivemos com a falta de parcerias junto às emissoras que controlam o mercado profissional e inexistência de recursos didáticos apropriados e modernos. Todos esses problemas podem ser extremamente prejudiciais ao próprio futuro da televisão, do Telejornalismo e, em última instância, da democracia em nosso país.

As atuais críticas da sociedade brasileira em relação à produção televisiva em nosso país procedem e carecem da discussão de alternativas viáveis. Contudo, esta discussão de conteúdo não deveria se restringir comente à questões como a idade legal de atores ou atrizes de novelas ou às restrições de horários da programação televisiva. Um debate que ainda confunde "controle" com "censura" mostra ainda preponderância dos interesses econômicos aos interesses sociais e o desconhecimento das características e importância do próprio meio . Por outro lado, o segmento do Telejornalismo brasileiro deveria considerar esta oportunidade de cobranças e críticas sociais e procurar repensar seus objetivos, sua história e sua formação técnico-profissional, não só dentro das redações das tevês mas também dentro das salas de aula e dos laboratórios das universidades. O objetivo primordial é causar uma mudança qualitativa no Telejornalismo brasileiro procurando uma formação mais adequada dos futuros profissionais mas também é necessário refletir sobre a formação dos atuais e futuros professores de Telejornalismo. O ponto de encontro das atuais parcerias entre as empresas e as universidades, salvo raras exceções, se resume num processo ainda pouco transparente de seleção de "estagiários", ou seja, no ponto final deste processo. Uma verdadeira parceria deveria estar voltada para toda a formação do aluno e do professor.

Além disso, deve-se repensar o próprio sentido da "experimentação de linguagem" no Telejornalismo brasileiro. Com a queda generalizada de audiência e o constante afastamento dos jovens dos noticiários, é preciso encontrar novas fórmulas para evitar um desequilíbrio ainda maior entre as características de entretenimento inerentes do meio televisivo e sua potencialidade informativa e formadora. A universidade e as tevês universitárias poderiam ser estimuladas a trabalharem com esta experimentação laboratorial de novas fórmulas para um Telejornalismo mais criativo e não restritas a serem simplesmente, repetidoras "empobrecidas" das fórmulas existentes no mercado.

Em conclusão, a universidade não deve abrir mão, tanto da formação cultural quanto da formação técnica dos jornalistas de televisão – aspectos inseparáveis da mesma educação superior – sob pena de limitarmos essa formação à uma instrução descontextualizada dos problemas do próprio meio e das principais questões nacionais. Acreditar que televisão só se aprende fazendo dentro das empresas é desacreditar na essência do valor da educação superior em nosso país. Hoje, é o Telejornalismo que só se aprende fazendo, amanhã pode ser qualquer outra profissão.

Bibliografia

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Writing news for broadcast ? Edwar Bliss & James L. Hoyt. Columbia University ? NY

(*) Professor da Uerj e coordenador do Curso de Comunicação Social da Unicarioca