PROVA DE REDAÇÃO
Carlos Vogt
Para a Argentina, com exceção do futebol, o ano não foi nada bom; para o Brasil, com exceção do futebol, o ano foi melhor e, apesar do muito que ainda falta para encher o copo, para lembrar o nosso saudoso Wilmar Faria, o copo já está quase pela metade.
Ao menos é isso que dizem vários dos índices e indicadores divulgados pela imprensa antecipando os dados do censo mais recente do IBGE.
A pesquisa ONU/IBGE sobre a população brasileira, divulgada dias atrás, também trazia sua cota de informações positivas sobre nossas realidades.
Não há dúvida que vivemos, nesse momento, uma tendência institucionalizante extremamente saudável para a auto-estima e para as estimativas de consolidação democrática do país.
Em meio a esses cenários de paisagens mais otimistas, ressaltados inclusive pela adversidade econômica e política de nossos parceiros argentinos no Mercosul, um detalhe de percurso, relativo ao sistema de ensino superior no Brasil, chamou a atenção de nossa imprensa e de nossa mídia e despertou manifestações criticamente severas da opinião pública no país.
Trata-se do famigerado caso do rapaz que, analfabeto, segundo todas as informações divulgadas pela imprensa, inscreveu-se no vestibular da Universidade Estácio de Sá, para o curso de Direito, e foi aprovado com a distinção de uma boa colocação na lista dos selecionados.
Dias depois, o mesmo Severino da Silva, padeiro de profissão, foi, a convite da Rede Globo, inscrito no vestibular da Universidade Gama Filho, agora no curso de Letras. Dessa vez, estava acompanhado de uma moça, também analfabeta, segundo a reportagem da Globo, no Fantástico do domingo 16/12/2001. E não é que os dois foram aprovados!
De comum as duas universidades têm o fato de serem ambas escolas do sistema privado de ensino superior e o de seus vestibulares se constituírem de provas de múltipla escolha.
Sobre o assunto, o Ministério da Educação, através dos pronunciamentos do ministro Paulo Renato, procurou, primeiro, desconversar, atribuindo ao acaso a sorte do acerto aleatório dos candidatos. Aqui, a Rede Globo botou no ar o indefectível matemático estatístico Oswald de Souza, que afirmou ser mais fácil acertar na Mega Sena do que obter, aleatoriamente, os pontos necessários para a aprovação nos vestibulares das duas universidades em questão.
Na segunda-feira, dia 17, a Globo voltou ao tema, agora no Jornal Nacional, anunciando a portaria do Ministério da Educação que estabelece a obrigatoriedade da prova de redação em todos os vestibulares nacionais.
Por que a demora?
O Conselho de Reitores ? o Crub, através de seu presidente, na mesma matéria, do mesmo dia, apareceu rebatendo a obrigatoriedade do cumprimento da portaria e, portanto, a sua eficiência intrínseca e a sua eficácia externa, invocando a autonomia constitucional de nossas universidades.
A alegação do presidente do Crub procede. Penso, no entanto, que a questão deveria ser posta em outra perspectiva. Aquela que, pragmática, ética e socialmente, contribuiria para a efetiva qualificação do vestibular, enquanto este não é substituído, definitivamente, por formas mais finas, mais justas e menos pontuais de avaliação dos jovens brasileiros em idade de ingressar no terceiro ciclo do processo de sua educação formal.
Apenas me pergunto por que o ministro Paulo Renato demorou tanto ? quase dois mandatos inteiros ? para fazer o gesto oficial de inclusão do exercício do texto nas provas de seleção de nossos vestibulares, quando é conhecedor in loco dos grandes benefícios que a redação trouxe ao vestibular da Unicamp, ali adotada desde 1987, no seu mandato como reitor dessa universidade?
Não sei se todas as universidades adotarão o que a portaria determina. Sei que seria muito bom se o fizessem. Bom para a sua reputação, bom para o estudante, bom para o ensino, bom para a sociedade, melhor ainda para a auto-estima do jovem brasileiro e para o sistema universitário do país.