Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O esquema Marinho

CRISE NA GLOBOPAR

Lúcio Flávio Pinto (*)

O império de Roberto Marinho, mastodonte que cabe muito bem numa comparação com o legendário Titanic, está fazendo água. Não é pouca água. A dívida da corporação é de 2,6 bilhões de dólares. Ao câmbio do dia, são quase 10 bilhões de reais, o equivalente a 20% do orçamento anual de São Paulo, Estado que concentra um terço do PIB brasileiro. Cada centavo de flutuação para cima da moeda americana em relação ao real eleva o débito em 26 milhões de dólares (ou quase R$ 90 milhões).

O pior é que o rombo não pára de aumentar. Em 2001, o império global deu prejuízo equivalente a 568 milhões de dólares (ou 2 bilhões de reais). Previa-se uma tamponagem de emergência com um financiamento de um bilhão de reais do BNDES, destinado ao negócio mais desastroso que os Marinho já fizeram, numa sucessão de negócios mal sucedidos nos últimos tempos: a TV a cabo. Houve uma grita na opinião pública, provocada nos bastidores por outras empresas jornalísticas concorrentes. O banco só conseguiu liberar até agora 30 milhões de reais.

Tecnicamente a Globo está falida. A dívida é duas vezes e meia maior do que o patrimônio líquido da empresa. A rigor, o único ramo lucrativo do grupo é a televisão comercial. Ela podia continuar a caminhar com folga, mas vai precisar drenar recursos para adubar terrenos áridos ou maltratados. Por isso, houve corte de despesas na Vênus Platinada. As três emissoras da empresa no interior de São Paulo, o segundo maior mercado publicitário depois da própria capital, tiveram que ser vendidas para fazer caixa. Na emergência, o mais ativo dos filhos, Roberto Irineu Marinho, quebrou a isonomia na tríade da sucessão do patriarca para assumir o comando geral, embora com certa informalidade, a partir da TV Globo, para não precipitar uma cisão interna (se tal ainda é possível).

Os esquemas administrativos e de gestão deram algum resultado. Não são suficientes, no entanto, para reverter a tendência de débâcle, que se delineia exatamente quando o companheiro Roberto Marinho já vê no horizonte a data do seu centenário de vida ? de raro esplendor, aliás. Ruim das pernas no plano econômico, a Globo está voltando a recorrer a uma saída política sagaz, utilizando seu naco de poder, ainda enorme.

O ex-tucano Henri Philippe Reichstul, albergado na Globopar depois de deixar a Petrobras, e catapultado da ex-quase-futura holding pela falta de receptividade de investidores ao negócio, teria a missão de se aproximar do futuro ou provável governo Lula. Ele seria a ponte entre o PT de resultados e o clã Marinho, costurando futuras alianças. Isso, depois de ter atuado para conseguir que o governo colocasse em vigor de imediato a abertura da imprensa brasileira ao capital estrangeiro (até o limite de 30% do controle acionário). Com a aprovação da lei no Congresso, a medida estava aguardando regulamentação através de decreto-lei. O governo se antecipou através de Medida Provisória, um instrumento de exceção transformado em édito do trono na corte de FHC. Além da Globo, o outro grupo beneficiado é a Editora Abril.

O esquema, naturalmente, é desmentido. Mas nele pode estar a inspiração para a cobertura responsável e arejada que a rede Globo deu à eleição deste ano, contrastando, particularmente em relação ao companheiro Lula, com as tramóias de 1989, que ajudaram a eleger Fernando Collor de Mello.

É por essas e outras que o mundo gira e a Lusitana roda. Os Marinho na direção.

(*) Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)