DESREGULAMENTAÇÃO
"Sufocando o mercado de idéias", editorial copyright O Estado de S. Paulo, 24/03/02
"O artigo de William F. Baker (Uma torradeira com imagens) que publicamos no domingo passado (transcrito do The Washington Post) situou, com precisão, os efeitos do processo de desregulamentação da mídia – ou seja, a diminuição das restrições ao acúmulo de controle dos veículos – em termos de rebaixamento da qualidade da informação, da diversidade de idéias e do nível geral dos veículos de comunicação de massa, nos Estados Unidos.
Comentando a liberalizante Lei de Telecomunicação de 1996 e a recente decisão do Tribunal Federal de Recursos de Washington, em favor da livre aquisição de estações de televisão, por conglomerados já detentores de grandes redes, o autor (presidente da Thirteen/WNET New York, a maior estação de TV pública norte-americana) mostra como o que é positivo para a competitividade e o lucro das empresas está resultando em sério prejuízo para a população, na medida em que sufoca o livre mercado de idéias.
Desde que a indústria norte-americana do rádio foi quase completamente desregulamentada, em 1996 – o que resultou em mais de 10 mil transações de estações de rádio, no valor total superior a US$ 100 bilhões -, em seis anos houve uma diminuição de 1.100 veículos, o que significa redução de quase 30%.
E hoje em dia, em quase metade dos maiores mercados dos EUA, as três maiores empresas controlam 80% dos ouvintes de rádio.
Explica Baker: ?Do ponto de vista da concorrência econômica, o relaxamento nos limites sobre a propriedade e a suspensão das normas sobre propriedade de diferentes tipos de mídia são positivos, criando oportunidades para crescimento e lucros. Na medida em que as matrizes das empresas controlam cada vez mais não apenas o conteúdo da mídia de massa (televisão, cinema, jornais, revistas, livros, etc.), mas também os sistemas nacionais de distribuição desse conteúdo (redes, sistemas de satélite e telefone), estas ganham alavancagem financeira, aumentam os ganhos e expandem o controle sobre suas propriedades, monetarizando-as desde a concepção à recepção.?
Mas aí o autor aponta o alto preço que paga o público, por essa verticalização econômica: ?Porém, os benefícios econômicos para os conglomerados de mídia custaram à população o acesso a um mercado saudável de idéias.? E a melhor prova disso ele encontra no noticiário da televisão:
?Para aumentar as margens de lucro, os gigantes da mídia estão fechando salas de redação, fundindo equipes e produzindo múltiplos noticiários levados ao ar em diferentes estações a partir da mesma mesa. À medida que programas noticiosos comerciais – inseridos em empresas de entretenimento cujas metas são proporcionar diversão e atrair receita – tentam manter uma audiência que tem centenas de canais à disposição, a qualidade jornalística despencou e os editores de noticiário cada vez mais estão recorrendo ao sensacionalismo, ao escândalo e à simplificação, para manter os índices de audiência e o fluxo de dinheiro.?
Reconhecendo que a televisão continua sendo o mais poderoso meio para divulgação de notícias, informações, conscientização cultural e disseminação de idéias, o articulista propõe que, com a mesma intensidade das batalhas, que se deve travar, para ?preservar a vitalidade da livre expressão?, é preciso voltar-se ?para uma percepção e liderança que seja representativa não apenas dos acionistas de uma corporação e das leis de oferta e demanda, mas dos indivíduos e da sociedade, como um todo?. E isso porque não se pode tratar a televisão como uma simples commodity, ou como se fosse apenas ?uma torradeira com imagens? – citando pitoresca metáfora utilizada pelo presidente da Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos. Então, Baker faz outra comparação, sem dúvida muito mais feliz, ao dizer: ?Como nossos parques nacionais, as ondas aéreas são um bem confiado à nação. Se deixados desprotegidos, nossos parques dentro em breve serão desflorestados.
Sem uma regulamentação esclarecida, nossas ondas aéreas continuarão a ser sufocadas.?
Para ele, cabe ao Congresso fazer uma legislação a respeito com o objetivo de proteger a qualidade e a diversidade da mídia."
TELEJORNALISMO / EUA
"Redes mantêm confiança no noticiário", copyright O Estado de S. Paulo / The New York Times, 24/03/02
"A ABC pode não ter conseguido atrair David Letterman, da CBS, para substituir o programa Nightline, de Ted Koppel. Mas a abertura do jogo serviu como ponto de reunião para o telejornalismo e todos os seus defensores. O episódio suscitou muitas questões: os conglomerados de mídia ainda estão comprometidos com as redes de notícias e seu público mais antigo, que têm alta cotação na Madison Avenue? E eles estão dispostos a pemitir que as redes de sistemas a cabo se tornem as únicas proprietárias dos programas de notícias? Até que ponto as atividades das redes de notícias estão em risco? A resposta para todas as perguntas acima é que inúmeras forças do mercado e mudanças demográficas trabalham contra a rede de notícias como a televisão americana a conheceu. Mas seu desmantelamento não será tão simples como muitas pessoas imaginam.
Está em jogo uma complicada interdependência entre as redes de televisão, suas emissoras e suas companhias matrizes que não poderá ser desfeita com facilidade e que não deixa de envolver benefícios para todos os envolvidos.
Ademais, existe a constatação de que uma maior redução do noticiário poderia ter conseqüências políticas para essas companhias enquanto elas procuram obter o abrandamento da regulamentação em Washington. Como resultado, os executivos das redes afirmam que as previsões de extinção da teledifusão de notícias é prematura.
Que ninguém se engane, porém: Wall Street está exercendo grande pressão sobre as redes para que estas busquem modelos comerciais melhores para as suas divisões de jornalismo e muitos analistas e acionistas deixam claro que consideram o negócio das redes de notícias, como praticado pela CBS e pela ABC – sem redes de sistema a cabo afiliadas – muito pobre. A ABC e a CBS, dizem eles, poderiam fazer muito mais dinheiro se reduzissem suas divisões de jornalismo e só mantivessem os programas que geram grandes lucros.
?A realidade econômica diz que a ABC, por exemplo, não deveria estar no negócio de notícias, absolutamente,? disse um analista de mídia de Wall Street. ?A CBS deveria apresentar apenas o programa 60 Minutes. O 60 Minutes é muito bom, mas será que a CBS realmente precisa gastar centenas de milhões de dólares para fazer esse programa?? Em tempos como os atuais, a operação de uma rede de notícias pode parecer um empreendimento especialmente ruim.
Os custos do noticiário são altos, por causa da cobertura dos acontecimentos posteriores a 11 de setembro: a renda obtida com publicidade é baixa, em vista da situação econômica difícil.
Segundo estimativas, a ABC News, por exemplo, faturou US$ 500 milhões no ano passado. Entretanto, consumiu praticamente a mesma coisa e deve ter encerrado o ano com um lucro de menos de US$ 30 milhões antes da tributação, pagamento de juros, depreciação e amortização, conhecida como Ebitda – medida comumente usada para as companhias de mídia. E isso ocorre embora a divisão tenha tido lucros com o programa Good Morning America e, no horário noturno, com World News Tonight. Calcula-se que a CBS News tenha ganho mais do que o valor resultante do uso do cálculo Ebitda, mas nem chegou perto da renda da divisão jornalística da rede NBC, que, de acordo com estimativas, deve ter ganho mais de US$ 225 milhões em 2001, com faturamento de mais de US$ 700 milhões.
Analistas ressaltam que a NBC News foi ajudada não só pelos lucros gigantescos do Today e do seu programa de maior audiência, Nightly News With Tom Brokaw, mas também com a atuação de suas empresas a cabo, MSNBC e CNBC.
Elas permitiram que a NBC fizesse o spread de seus custos e ao mesmo tempo acrescentasse mais de US$ 30 milhões em Ebtida ao balanço patrimonial da sua matriz, General Electric.
Pressão – Em virtude de seus vínculos com a rede a cabo, a NBC News quase pode ser considerada um ramo de atividade diferente do da CBS News e da ABC News. (Sobre as atividades jornalísticas de sua empresa comparadas às da ABC e da CBS, o presidente da NBC, Bob Wright, respondeu: ?Elas certamente devem estar sob enorme pressão.?) Richard A.
Bilotti, principal analista de mídia da Morgan Stanley, declarou: ?Não existe uma base lógica legítima para a existência de um grupo com apenas uma rede de notícias de teledifusão. É preciso contar, no mínimo, com uma dessas duas coisas: uma franquia extremamente lucrativa de horário nobre ou um canal de telejornalismo a cabo que tenha uma boa atuação, como o modelo NBC.? Com a proliferação de canais de notícias a cabo que funcionam 24 horas, noticiários pela Internet, e, no mínimo igualmente importante, noticiários pela televisão local, os espectadores simplesmente têm menos razões para recorrer aos noticiários noturnos.
Em termos de renda e lucros, as redes de teledifusão estão se saindo muito melhor no horário matutino e no horário nobre, quando geralmente apresentam material mais leve, que nem sempre requer o vasto aparato de coleta de notícias utilizado para as transmissões das 18h30. Tom Wolzie analista de mídia da Sanford Bernstein, afirmou: ?Com o envelhecimento demográfico e a cotação mais baixa – no meio de um horário muito lucrativo para as emissoras de televisão locais – o horário de 18h30 seguirá o mesmo caminho que os jornais vespertinos.?
As coisas que poderiam se interpor no caminho da eliminação da teledifusão, segundo os analistas, são a inércia e os interesses regulatórios. Sem redes de notícias, segundo essa linha de raciocínio, a Viacom, a General Electric e a Walt Disney Co., que são as matrizes da CBS, NBC e ABC, respectivamente, poderiam ser criticadas por políticos por não agirem no interesse público, como suas licenças exigem. Isso poderia atrair maiores investigações ou imposições de mais restrições aos seus negócios.
Vejam os números, segundo analistas: cada noticiário noturno gera mais de US$ 100 milhões em faturamento. As margens de retorno variam porque os ganhos são computados diferentemente em cada rede. O World News Tonight da ABC, por exemplo, cobre grande parte dos custos de sua divisão jornalística e encerrou o ano de 2001 com cerca de US$ 20 milhões em Ebtida.
Diversão – Um programa de entretenimento distribuído por uma organização poderia fazer muito mais pelas companhias matrizes. A Disney, por exemplo, é proprietária de 10 emissoras da rede ABC.
Cada uma poderia gerar até US$ 5 milhões por ano apresentando programação de entretenimento obtida de distribuidores entre as 18h30 e 19 horas, o que somaria mais de US$ 50 milhões. A esperada reforma da regulamentação permitirá a companhias como a Disney adquirir um número muito maior de emissoras, talvez aumentando a motivação para substituição do noticiário noturno por entretenimento distribuído por organizações especializadas, segundo alguns analistas.
De acordo com esse raciocínio, o modelo da Fox talvez seja mais moderno.
Suas afiliadas ganham muito dinheiro com a exibição de programas de entretenimento em cadeia, enquanto a concorrência leva ao ar noticiários noturnos em rede nacional. As estações locais da Fox transmitem notícias locais pela manhã e no fim da tarde. ?As estações locais compreenderam perfeitamente o espírito do noticiário local, seja ele de caráter urgente ou reflexivo?, observa Mitchell Stern, presidente e chefe executivo da Fox Television Stations.
Tanto a ABC quanto a CBS preferiram, naturalmente, não optar pelo cabo, um fato que sempre incomoda seus executivos do segmento de notícias. Apesar disso, esses mesmos executivos acreditam que a análise financeira pura e simples da situação perde de vista outras razões igualmente importantes para a manutenção do noticiário noturno e para as infra-estruturas de coleta de notícias. ?Se eu mostrasse uma luta de box com Tonya Harding, teria um programa com desempenho financeiro melhor do que o de Don Rather?, observa Leslie Moonves, presidente da rede CBS, em alusão ao especial da Fox levado ao ar na semana passada. ?Sim, o lucro é muito importante. Somos parte da Viacom e meu trabalho é fazer a empresa dar lucro; no entanto, é preciso ter em mente que somos uma concessão pública.? Dan Rather, prossegue Moonves, ajuda a CBS a se diferenciar das demais emissoras concorrentes. A divisão de notícias também faz com que os órgãos reguladores se mantenham a uma certa distância da Viacom e dá à rede influência política, mas Moonves nega isso.
Há, porém, argumentos mais palpáveis para a manutenção do noticiário noturno. Dan Rather eleva o perfil e a estatura dos programas noticiosos locais das emissoras da CBS e de suas afiliadas. O mesmo fazem Peter Jennings pela ABC e Brokaw pela NBC. Essas estações locais chegam a obter mais de 40% de suas receitas com os noticiários. A presença de âncoras fortes eleva a audiência dos programas noticiosos locais transmitidos pouco antes dos noticiários comandados por eles, o que não é pouca coisa.
Exagero – Os executivos da divisões de notícias das redes acreditam que há um certo exagero em torno da queda de audiência nos noticiários noturnos. Há 20 anos, os noticiários da ABC, CBS e NBC atingiam mais de 70% do público telespectador; atualmente, mal chegam a 45%.
Pelos padrões de hoje, contudo, esse porcentual é considerado alto – um pouco maior do que o obtido no horário nobre. Ninguém sabe se os sucessores de Jennings, Brokaw e Rather serão capazes de manter esse mesmo índice.
Por enquanto, disse um executivo do segmento noticioso, a rede que abrir mão dos noticiários noturnos está fadada a passar para os concorrentes uma enorme audiência. Andrew Heyward, presidente da CBS News, observa que outra vantagem sempre negligenciada da programação noticiosa é que seu interesse é perene. O entretenimento é muito mais arriscado. ?Não há nada como um grande sucesso de entretenimento?, disse Heyward. ?Contudo, se pusermos no ar um programa noticioso no mesmo horário de um show qualquer, comparativamente, o noticiário sai ganhando.?
Analistas de Wall Street sabem da força dos programas de notícias no horário nobre e também pela manhã – até mesmo o Early Show, que aparece em terceiro lugar nas listas de audiência, dá um lucro razoável para a CBS. O que eles questionam, entretanto, é a necessidade de se manter operações jornalísticas remotas. O especial de Diane Sawyer no horário nobre na semana passada – em que Rosie O?Donnell, apresentadora de um talk show, discutia a paternidade gay – teve índices de audiência muito bons, e não havia necessidade de que o estúdio da ABC em Londres participasse do programa.
São questões como essas que acabaram por pressionar a CBS e a ABC a achar parceiros que as ajudassem a arcar com os custos da coleta de notícias, o que levou ambas a negociarem no passado com a CNN um possível contrato de fornecimento de notícias. Mesmo que a divisão de notícias das redes sobreviva, fica a pergunta: a que custo? Já foram cortadas inúmeras sucursais fora do país. Hoje, a dependência de sucursais em Londres é cada vez maior. A ABC News tinha 17 sucursais no exterior 15 anos atrás; hoje, são apenas 7. A CBS admitiu que também fez cortes; a NBC diz que continua presente em 17 localidades fora do país, embora tenha feito cortes significativos em suas equipes.
As empresas controladoras dizem que sabem da importância de suas divisões de notícias, mas que não podem subestimar a realidade econômica. ?É preciso lembrar que a tensão entre a empresa e a divisão de notícias não é novidade, é um fato da vida?, observa Robert A. Iger, presidente da Disney. ?A divisão de notícias tem tudo de que precisa para fazer um jornalismo independente.?
Mas acrescenta: ?O mesmo não se pode dizer no tocante à independência do negócio.?"