Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O Estado de S. Paulo

OLIGOPOLIZAÇÃO EM XEQUE

“Quando o jornalismo é aviltado”, Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 22/06/03

“No começo do mês, numa decisão que continua a reverberar nos Estados Unidos, a agência federal de comunicações (FCC) afrouxou extraordinariamente os controles vigentes havia quase 30 anos sobre o sistema de propriedade no setor. Nas palavras do colunista William Safire, do New York Times – em artigo transcrito na edição de terça-feira do Estado, sob o título ?Lei da Mídia, séria demais para poucos decidirem? -, o ato ?abriu as comportas para uma onda de fusões na mídia que esmagará ainda mais a diversidade local e concentrará o poder de moldar a opinião pública nas mãos de um número cada vez menor de companhias gigantescas?.

Com as novas normas, que dificilmente o Congresso deixará de ratificar, uma empresa, por exemplo, poderá ter, numa mesma cidade, até 3 emissoras de TV, 8 de rádio, um sistema de TV a cabo, um provedor de internet e um jornal.

Isso em um país onde 6 megacorporações já produzem 90% de tudo que a população vê, ouve e lê, exercendo ?níveis inaceitáveis de influência sobre as idéias e informações das quais dependem a nossa sociedade e a nossa democracia?, como disse Michael Copps, um membro da FCC que foi voto vencido na ocasião.

Um exemplo acabrunhante dos efeitos da oligopolização da mídia para o jornalismo, antes ainda das facilidades escancaradas pela FCC, acaba de vir a público, numa reportagem do New York Times, reproduzida na edição de terça-feira do Estado. A matéria trata da competição entre as três maiores redes de TV do país (ABC, CBS e NBC) por uma entrevista com a soldado Jessica Lynch, capturada no Iraque e resgatada numa operação supostamente heróica, a julgar pelas versões divulgadas com patriótico estardalhaço pela mídia de massa americana.

O Times revela que a CBS sugeriu à família de Jessica e a funcionários do hospital militar onde ela está internada nos EUA ?uma combinação única de projetos? – o equivalente a um pacote de oportunidades para a fama e fortuna – em troca de uma ?exclusiva?: um documentário de duas horas e um show com astros populares na sua cidade, produzidos pelas divisões de jornalismo e de entretenimento da emissora; aparições de gala nos programas de maior audiência da MTV; um livro com a editora Simon & Schuster e um filme da Paramount.

A oferta, que dá ao jornalismo um novo e aviltante significado, é plausível porque CBS, MTV, Simon & Schuster e Paramount pertencem todos ao mesmo conglomerado de mídia Viacom. A emissora, considerada desde a era do rádio a melhor do país em matéria de informação – basta lembrar o seu legendário correspondente de guerra Edward Murrow e o âncora Walter Cronkite, ?o homem mais confiável da América? -, já havia feito o mesmo tipo de proposta indecorosa a um alpinista, Aron Ralston, que precisou cortar o braço para se salvar, depois de um acidente.

Em nenhuma parte do mundo, organizações jornalísticas que se dão o respeito pagam por entrevistas – em dinheiro ou de outra forma. Apenas publicações da chamada gutter press (imprensa de esgoto), como os tablóides sensacionalistas ingleses, tinham esse costume. O caso da CBS mostra que a promiscuidade entre jornalismo e show business, com todas as suas implicações, está assumindo amplitudes cada vez mais degradantes para uma atividade que tem – ou tinha – como ponto de honra a separação entre ?igreja e Estado? (a informação independente, de um lado, os interesses comerciais, de outro).

Eis uma conseqüência inevitável do que esta página já chamou de ?murdoquização? da mídia, numa referência ao magnata australiano Rupert Murdoch, que detém um labiríntico império de editoras, emissoras e estúdios cinematográficos em dezenas de países, em que parecem ter sido suprimidas as fronteiras entre jornalismo sério e diversão popular. As novas fusões esperadas desde a decisão da FCC, que concentrarão ainda mais o domínio sobre o colossal mercado americano, hão de ter a sua lógica do ponto de vista empresarial, como saída para o que nos EUA se considera a ?crise? do setor.

No Brasil, onde a crise dos grandes grupos de mídia é muito mais grave e as suas perspectivas muito mais sombrias, nem a alternativa das fusões, com todos os seus aspectos negativos, está no horizonte. Aqui, o risco real e presente é a apropriação de parcelas mais amplas da mídia pelos políticos profissionais, o ?bispado? de certos cultos de alta rentabilidade e o aventureirismo empresarial da pior espécie.”

“Senado revê decisão sobre imprensa nos EUA”, copyright O Estado de S. Paulo / Associated Press e New York Times, 20/06/03

“O Comitê de Comércio do Senado dos Estados Unidos decidiu ontem rever partes da decisão da Comissão Federal de Comunicações (CFC) que libera a mídia de restrições sobre a propriedade. Essas restrições vigoravam há décadas.

De acordo com a decisão tomada ontem, as empresas só poderão ter redes de TV que alcancem 35% da audiência americana, e não 45% como previsto anteriormente pela CFC. Além disso, fica mantida a proibição de que o mesmo grupo tenha um jornal e uma emissora de TV. No entando, a proposta abre a possibilidade de que cada Estado decida sobre a questão, especialmente quando se tratar de comunidades pequenas, onde essas fusões poderiam dar novo fôlego a empresas de comunicação com problemas financeiros.

A legislação tem destino incerto no Senado e enfrenta forte resistência na Câmara. Mas a decisão de ontem aumentou as esperanças dos que querem menor concentração da mídia do que a permitida pela CFC no início do mês.

O comitê também propôs que o papel da CFC, para relaxar ou endurecer as normas de propriedade, seja bem definido e exige que a comissão realize pelo menos cinco audiências públicas sobre as mudanças nas normas de propriedade antes que elas sejam votadas.

Vários parlamentares prometem usar outras saídas legislativas par reverter as mudanças propostas pelos republicanos. ?A CFC põe os interesses das grandes corporações acima do interesse do público?, disse o senador Byron Dorgan.

A contestação às normas da CFC vai enfrentar resistência ainda maior na Câmara Federal, onde o republicano Billy Tauzin, que preside o Comitê de Energia e Comércio, e Michael Powell, presidente da CFC e filho do secretário de Estado, Colin Powell, apóiam a nova legislação.

Contestação – Mesmo que não haja mudanças na lei, a expectativa é de que essas normas sejam contestadas na Justiça, tanto por parte de grupos de defesa do consumidor que querem limites ainda mais rígidos, quanto por parte das grandes corporações da mídia, que querem o relaxamento ainda maior dessas normas.

As empresas queixavam-se de que as antigas restrições impediam sua expansão.

As redes de TV afirmam que a nova lei vai ajudar os canais abertos a competir com os pagos no que se refere à qualidade da programação. Os limites para o setor foram impostos entre 1941 e 1975 com o objetivo de promover a diversidade de opinião na mídia e encorajar a concorrência. Os críticos dizem que com a maior concentração, poderá haver uma só voz no país.

A CFC, controlada pelos republicanos, relaxou as normas no dia 2, a despeito da oposição de vários críticos, entre eles Ted Turner e Barry Diller, grupos de defesa de consumidor, de defesa dos direitos civis e associações religiosas, além de escritores, compositores e sindicatos. Para eles, o relaxamento das normas para as empresas de comunicação põe em risco a diversidade de opiniões, um dos pilares da democracia americana.”