Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O Estado de S. Paulo

DIRCEU vs. MÍDIA E MP

“Desagravo descabido”, Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 20/01/04

“A reação do PT e próceres do governo federal à divulgação, pela imprensa, da acusação de um bandido – Rodolfo Rodrigo dos Santos Oliveira, um dos presos acusados pela morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel – de que teria sido torturado pelo deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) – totalmente desproporcional à real importância do fato, certamente fará a opinião pública pensar na recíproca do velho ditado que diz ?quem não deve não teme?. Decerto nem os mais ferrenhos adversários do deputado petista, que já sofreu acusações mais sérias sem nunca merecer atos públicos de desagravo, levaram a sério a ?denúncia? de nenhuma credibilidade, nada justificando tanta repercussão – motivada apenas pela reação petista e governamental, é bom frisar.

Antes de mais nada, foi derrisória – para dizer o mínimo – a simples iniciativa de promover-se, na sede paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), um ?ato de desagravo? ao deputado Greenhalgh, em razão do depoimento daquele delinqüente ou de sua divulgação. O depoimento prestado por um bandido interrogado – e devidamente divulgado pela imprensa, por tratar-se de assunto de interesse público – pode ser contraditado, acareado, desmentido e até, em tese, comprovado, durante o processo investigatório, mas não terá cabimento algum que seja ?desagravado?, pois não será esse ?ato? que determinará sua falsidade ou veracidade. Então, a que veio aquela ?solenidade? realizada na OAB-SP?

O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, aproveitou a ocasião para fazer um duro ataque ao Ministério Público e à imprensa. Dizendo que ?estamos vendo a Constituição ser violada diariamente, numa série de procedimentos feitos seja pelo Ministério Público, seja pela imprensa?, e que ?não é mais razoável tolerar esse estado de coisas?, o todo-poderoso ministro sugeriu ao Congresso que tome providências contra essa ?persistente e permanente violação?. Quando se sugere algo aos legisladores federais é claro que se pensa em termos de lege ferenda, ou seja, da criação ou modificação de leis.

Então, o que pretenderá o ministro? Estabelecer – ou restabelecer – no País alguma forma de censura prévia ou limitar a autonomia do Ministério Público?

É verdade – e nestas páginas a isto já nos referimos – que uma parcela do Ministério Público, algumas vezes por proselitismo ideológico (ou político-partidário), outras por atração pelos holofotes e às vezes por ambas as motivações – no que se distinguiu o ora sumido procurador Luiz Francisco de Souza -, tem-se permitido a prática de uma espécie de jogada ensaiada com setores da mídia, pela qual certas acusações são ?insinuadas? para jornalistas, para que estes publiquem matérias que, por sua vez, possam se tornar notitia criminis, capaz de propiciar abertura de ação penal. Não consta, no entanto, que o líder e ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, José Dirceu, e seus companheiros de cúpula partidária tivessem feito antes críticas semelhantes – em tom claramente censório – tanto ao MP quanto à imprensa, e muito menos proposto alguma mudança legislativa para cercear-lhes a atuação.

Uma reação desse tipo só agora, em função do que integrantes do Ministério Público apuram em Santo André – onde houve crime de morte, suspeitas de ?queima de arquivo?, de corrupção administrativa e uso de ?caixa 2? para campanhas eleitorais -, tem o condão de apenas levantar suspeitas contra o próprio PT. Parece inconcebível que o ministro Dirceu se apegue tanto às exigências do ?segredo de Justiça? para afastar da opinião pública as informações sobre um homicídio – em que a família da vítima, sempre a mais interessada em preservar sua imagem, deseja a maior transparência pública.

Como não poderia deixar de ser, reagindo com veemência às acusações do ministro-chefe da Casa Civil, o promotor José Reinaldo Guimarães Carneiro – que sustenta a tese da ligação da morte do prefeito Celso Daniel com um esquema de corrupção instalado na prefeitura petista de Santo André – afirmou: ?Existem posturas muito fortes no sentido de impedir a continuidade de procedimentos investigatórios independentes, como os que vêm sendo desenvolvidos pelo Ministério Público.? E deixou no ar: ?Nós é que queremos saber qual o motivo que leva essas pessoas a atacarem tanto um homicídio que acusamos de forma técnica. Ao final, nós saberemos.?”

“Ativo e passivo”, Editorial, copyright O Globo, 20/01/04

“Foi com indignação que o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, atacou o Ministério Público e ?setores? da imprensa. Correndo os riscos inerentes às generalizações, o ministro refletiu o ânimo do PT, ou de parte dele, diante dos procuradores atuantes no caso Celso Daniel, que teriam divulgado uma informação controvertida, e não confirmada, envolvendo o deputado petista Luiz Eduardo Greenhalgh. A imprensa entrou na alça de mira do ministro como co-responsável pelo dano causado à honra de Greenhalgh, por ter publicado a informação vazada.

Mesmo que nada do que tenha ocorrido deixe de estar previsto no Código Penal, o ministro conclamou o Congresso a ?se debruçar sobre essa situação de extrema gravidade.? Assim, José Dirceu apoiou o desengavetamento do projeto da Lei da Mordaça, arquivado no Congresso, no governo passado, por pressão do próprio PT.

O tema é delicado e merece reflexão. Não só José Dirceu tem alguma razão, como é preciso estar consciente de que o que se discute não é apenas o enquadramento de procuradores e o controle de informações que precisam ser protegidas pelo segredo de Justiça, para preservar o direito de defesa e a honra dos cidadãos, conquistas republicanas a preservar. Está em questão, fundamentalmente, a amplitude de liberdade de informação que se deseja.

No balanço da atividade do Ministério Público, desde seu fortalecimento pela Constituinte de 1988, há lucros e perdas. O grande ativo do MP é a vigilância que exerce sobre a sociedade. No passivo, uma indisfarçável partidarização de alguns de seus representantes e a manipulação de informações, em associação com jornalistas e/ou redações pouco éticas – distorções que o PT soube aproveitar nos tempos de oposição.

A proposta de desengavetamento desse projeto de lei precisa ser esmiuçada para impedir manipulações por parte de correntes do Congresso interessadas em criar obstáculos indesejados à liberdade de imprensa e de informação.

Se os órgãos que devem aplicar normas e regras a procuradores n&atatilde;o o fazem, que sejam revistos. Se códigos e legislações referentes ao MP são falhos ou inócuos, que sejam reformados.”

“Dirceu critica promotores e quer controle do Ministério Público”, copyright Folha de S. Paulo, 17/01/04

“O ministro José Dirceu (Casa Civil) defendeu ontem, durante ato de apoio ao deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (PT), um maior controle da atividade do Ministério Público.

Dirceu partiu das críticas à investigação feita por promotores de Santo André sobre a morte de Celso Daniel (PT) para defender uma ação maior por parte do Congresso Nacional e da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no sentido de ?deter a ilegalidade que vai tomando conta de investigações no Brasil?.

A Folha apurou que o PT, que no passado se posicionou contra a ?Lei da Mordaça? (que vetava declarações de promotores, juízes e policiais à imprensa), deverá propor um controle externo do Ministério Público -leia-se a criação de um grupo para fiscalizar a atividade do órgão. A interlocutores, Dirceu já expressou sua irritação com a atuação dos promotores. Há dois anos, ele foi citado na investigação sobre corrupção na Prefeitura de Santo André.

Sem usar a expressão ?controle externo?, o ministro disse que a ?situação é gravíssima?. ?Estamos vendo a Constituição ser violada diariamente por uma série de procedimentos ilegais do Ministério Público e de alguns órgãos de imprensa.? Para José Reinaldo Carneiro, promotor de Santo André, a crítica de Dirceu é uma ameaça à independência do Ministério Público. ?É lamentável que, para desagravar a honra de um político, o ministro ataque a honra de promotores. Trabalhamos em um caso de homicídio e não compreendemos por que esse fato incomoda de forma tão violenta alguns setores da política.?”

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“Polêmica, ?Lei da Mordaça? espera votação em comissão do Senado”, copyright Folha de S. Paulo, 20/01/04

“Já aprovado pela Câmara, tramita agora no Senado o projeto que ficou conhecido como ?Lei da Mordaça?. A proposta ganhou o apelido porque modifica a legislação relacionada a práticas de abuso de autoridade e transforma em crime o vazamento de informações por integrantes do Ministério Público, do Judiciário e das polícias em casos em que tenha sido decretado sigilo de Justiça.

Os propositores da medida defendem que a lei impedirá ?abusos? do Judiciário e do Ministério Público -principalmente ligados à divulgação de dados à imprensa.

A matéria está na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, aguardando definição de um relator.

Em março de 2000, na votação na Câmara do projeto de reforma do Judiciário, a chamada ?Lei da Mordaça? foi excluída do texto aprovado pelos deputados e encaminhado ao Senado. A iniciativa de retirar o trecho foi do deputado Luiz Antônio Fleury Filho (PTB-SP). ?O saldo [da atuação do Ministério Público] é positivo. E não se pode afirmar que os vazamentos partam exclusivamente de procuradores e promotores?, afirmou o deputado Fleury.

As atribuições do Ministério Público também estão em análise no STF (Supremo Tribunal Federal). Aguarda votação no plenário do tribunal uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) que questiona a possibilidade de procuradores e promotores comandarem investigações. O argumento: investigar seria atribuição exclusiva das polícias.

Em maio do ano passado, acolhendo relatório favorável do ministro Nelson Jobim a um recurso apresentado em habeas corpus, a Segunda Turma do STF decidiu que a Constituição não contempla em suas normas a possibilidade de o Ministério Público realizar e presidir inquérito policial.”