QUALIDADE NA TV
ASPAS
A PORTARIA DO MINISTRO
"Televisão testa autoridade do governo", Editorial, copyright O Estado de S.Paulo, 17/09/00
"Pela reação da Rede Globo – emissora de maior audiência no País – à portaria do Ministério da Justiça, que pretende tornar mais rígida a classificação de horário e faixa etária da programação da TV aberta, pode-se perceber que o setor não está preocupado com a eficácia da medida. O recado da Globo é curto e grosso: não fará nenhuma modificação na sua grade de programas, pois alega que todas as suas atrações já são aprovadas pelo código de ética interno da emissora.
O diretor de comunicação da emissora, Luís Erlanger, em entrevista ao Jornal da Tarde, reafirmou essa posição. ‘Tudo passa pelo crivo do bom senso’, disse. ‘O material é supervisionado, mas não podemos tolher a criatividade dos autores. Se isso acontecesse, seria uma forma de censura e a Globo é contra este tipo de controle.’ Quer dizer: vale tudo, desde que referendado pelos padrões internos da emissora. No aparente braço-de-ferro entre o Ministério da Justiça e a Globo, a emissora ganhou o primeiro round. Na quarta-feira, em Brasília, o assessor do ministro da Justiça, Wilson de Oliveira, revelou que a novela Uga Uga havia sido liberada inicialmente para às 20 horas. A Globo entrou com um recurso e conseguiu autorização para exibi-la às 19 horas. A autorização, porém, estava condicionada à exclusão das cenas de nudez e violência. A condição não foi cumprida. O ministério justificou o fato, alegando que a fiscalização é deficiente, falha que deverá ser corrigida nos próximos dias.
A atitude da Globo é um prenúncio do comportamento que, certamente, será seguido pelas demais redes. A Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) fez uma tentativa frustrada de auto-regulamentação e está em fase terminal. Atualmente, a Globo é a única emissora que, de fato, ainda faz parte da entidade, pois a Bandeirantes está concluindo seu processo de desligamento da entidade. As outras redes já deixaram a Abert.
Na verdade, são declarações formais em prol da ética, feitas pelas emissoras que, na prática, submetem o público a uma escalada de vulgaridade, de violência e de degradação da pessoa humana, que ultrapassa todos os limites da permissividade. A pretexto de mostrar o que esse público quer, arma-se um desfile daquilo que a natureza humana tem de mais sórdido e abjeto.
Situações patológicas, apresentadas num clima de normalidade, são corriqueiras na programação. E o excessivo apelo à violência e ao sexo aviltado tomou conta de boa parte dos programas que são exibidos.
Os muitos precedentes de tibieza das autoridades – o ministro da Justiça, José Gregori, há dois anos vinha negociando sem sucesso o estabelecimento de critérios éticos com as emissoras – indicam que a nova portaria não passa de outro capítulo de um jogo de aparências. Na verdade, o problema não está na ausência de instrumentos legais para coibir a permissividade na televisão, mas na falta de vontade – ou de coragem – política para a implementação dos mecanismos já existentes. Está na hora de dar um basta nesse jogo de faz-de-conta. Basta regulamentar o que já está previsto no artigo 221 da Constituição. A norma constitucional, no seu inciso IV, determina que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão deverão atender ao princípio do ‘respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família’. A proteção dos valores morais, sem os quais a sociedade entra em decomposição, não pode ser confundida com procedimentos censoriais. É, apenas, um ato de legítima defesa da sociedade.
Sucessivas pesquisas de opinião têm demonstrado que a maioria silenciosa e moralmente sadia da sociedade está indignada com a fraqueza do governo diante das conseqüências da guerra de audiência entre as principais redes de TV aberta. O que distingue as democracias dos regimes autoritários no trato da questão da TV é a maneira civilizada (o que não significa omissa) de conter os excessos e desvios, preservando na plenitude a liberdade e os direitos fundamentais do indivíduo. A democracia, sistema que mais genuinamente respeita a dignidade humana, por isso mesmo reclama a preservação dos valores éticos. Não cabem mais procedimentos dilatórios num quadro de tamanha gravidade."
"Governo vai monitorar programas ao vivo", copyright Folha de S. Paulo, 16/09/00
"Este deve ser o último fim-de-semana de ‘permissividade’ para os programas de televisão. Na segunda-feira, entra em vigor a nova portaria do Ministério da Justiça, que muda as regras de classificação das atrações da TV.
O texto cria nova faixa etária de classificação, a dos 16 anos, e prevê punições baseadas no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Os programas de auditório que são apresentados ao vivo devem ser notificados pelo ministério para que suas atrações sejam adequadas ao horário de exibição.
Reynaldo Jardim, gerente de programação do setor de classificação do ministério, afirmou que ele e sua equipe irão assistir aos programas ao vivo para definir a classificação. ‘Existem muitas atrações inadequadas atualmente. A ‘Banheira do Gugu’, por exemplo, só poderia ser exibida após as 22h’, disse Jardim.
O quadro faz parte do ‘Domingo Legal’, apresentado por Gugu Liberato, a partir das 15h30, no SBT. Na atração, as modelos, vestidas de biquíni, ficam dentro de uma banheira tentando pegar vários sabonetes que são jogados na água. Os homens, de sunga, tentam impedi-las. ‘A brincadeira nem é tão problemática. O pior são os closes que as câmeras dão nas meninas. Se continuar assim, vai ter de mudar de horário.’
O apresentador Gugu Liberato deve chegar hoje à noite da Europa e informou, por meio de sua assessoria, que vai esperar a notificação do ministério e irá cumprir o que for determinado.
Outro programa que deve ter problemas com a nova portaria é o ‘Festa do Mallandro’, que é exibido aos sábados, a partir das 16h. A atração costuma mostrar modelos seminuas e é famosa pelas ‘pegadinhas’, que sempre terminam em briga. ‘O programa não é transmitido em Brasília, já que a Gazeta não é rede nacional. Mas vamos solicitar as fitas para poder classificá-lo’, afirmou Jardim.
Segundo a assessoria da Gazeta, a direção de ‘Festa do Mallandro’ vai acatar as decisões do Ministério da Justiça.
Luiz Gleiser, diretor do ‘Domingão do Faustão’, da Globo (16h), afirmou que não acredita que o programa tenha problemas com a nova portaria. ‘A Globo já tem um classificação interna, e o ‘Domingão’ segue os padrões determinados para o horário.’
Fábio Furiatti, diretor do ‘Programa do Ratinho’, do SBT (21h), também afirma não estar preocupado com a nova lei. ‘Acho que não há nada de inadequado. Estamos dispostos a mudar, se for preciso. Mas é importante que todos tenham de seguir as mesma regras. Se não podemos mostrar sexo, as novelas da Globo também não podem. Vamos ficar muito atentos a isso’, disse."
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