VENEZUELA
Com Hugo Chavéz de volta ao cargo que legitimamente conquistou há três anos, a mídia venezuelana, por ele acusada de ter ajudado a tramar o golpe, procura explicar sua atuação nos dias da crise. Segundo Scott Wilson [The Washington Post, 17/4/02], os donos de jornais e emissoras reconheceram que cobriram intensamente a queda do político, mas falharam ao dar pouca atenção aos protestos que lhe restauraram o poder dois dias depois. Mas isto foi resultado de julgamento jornalístico e medo da reação de multidões hostis, não partidarismo, argumentam.
Os donos da imprensa ? que sempre atacou os programas populistas de Chávez, seu estilo e amizades em Cuba, Iraque e Líbia ? se encontraram com o empresário Pedro Carmona antes mesmo de seus ministros serem nomeados. Mas quando o governo começou a se dissolver pelas divergências militares e manifestações pró-Chavéz, as estações de TV passaram a exibir programas de culinária e filmes, deixando a população sem notícias sobre os eventos e a onda de violência nas ruas.
"A cobertura ficou impossível", justificou um alto executivo do grupo de TV Cisneros. "Tínhamos a informação, mas não as imagens. Foi algo responsável não ter mostrado metade da história."
A cobertura do golpe pelo Washington Post foi uma das poucas dignas de elogios na grande imprensa americana, diz a FAIR (Fairness & Accuracy in Reporting) [18/4]. O observatório de mídia pesquisou como os jornais trataram o assunto e constatou que a maioria saudou a ação como democrática.
Enquanto o Post condenou o golpe em editorial de 14/2, afirmando que "qualquer interrupção da democracia na América Latina está errada, ainda mais quando envolve militares", The New York Times escreveu no mesmo dia que a Venezuela, necessitada "de um líder com mandato democrático", livrou-se de um "aspirante a ditador". No mesmo tom, o Chicago Tribune comentou: "Não é todo dia que uma democracia se beneficia da intervenção dos militares para expulsar um presidente eleito."
O Tribune foi além, expressando alívio com a saída de um político que tem os hábitos de "brindar a Fidel Castro, voar a Bagdá para visitar Saddam Hussein e elogiar Osama bin Laden". A FAIR esclarece que ligou para o jornal perguntando quando Chávez "elogiou" o terrorista, e o editorialista respondeu que, tentando localizar a referência, descobriu ter "lido errado" um relatório.
Três dias depois, com a volta de Chávez ao poder, o Times publicou um mea-culpa: "Em três anos de cargo, Chávez foi um líder demagógico cuja saída forçada foi aplaudida em casa e em Washington. Esta reação, que nós compartilhamos, negligenciou a maneira antidemocrática pela qual foi removido. Depor à força um líder democraticamente eleito, não importando quão mal ele tenha agido, nunca deve ser algo a ser comemorado." Arrependido, mas nem tanto ? para o jornalão, o golpe ainda teria o valor de ensinar uma lição ao presidente: "Esperamos que Chávez aja como um líder mais responsável e moderado agora que ele parece entender a cólera que provocou."
O mesmo "conselho" foi dado pelo Los Angeles Times: "A Venezuela vai se beneficiar" se o golpe ensinar o presidente a estender a mão à oposição, "em vez de dividir a nação". Sem dar o braço a torcer, o Tribune concluiu que a volta foi "uma boa notícia para governos latino-americanos que condenaram sua queda como apenas outro golpe militar, mas isto não significa que é uma boa notícia para a democracia".