POR TRÁS DA PROPAGANDA
Chico Bruno (*)
"A avaliação do governo petista e conseqüentemente a campanha presidencial de 2006 já estão em andamento. Errar na comunicação pode ser o fim do governo."
Esta frase, atribuída a Duda Mendonça pela imprensa, demonstra que os dirigentes petistas entendem que a governabilidade é midiática e que é consenso, entre eles, que a forma primordial da comunicação com o povo é a imagem passada pela mídia.
Em lua-de-mel com seus eleitores e a mídia, o presidente eleito tem cumprido com máximo rigor a tarefa imposta pela comunicação. Neste campo, ele acata as ordens como se fosse um soldado ciente de seus deveres. O que parece casual revela-se fruto de um planejamento de comunicação cuidadoso. Exemplo disso é a expressão com que Lula definiu sua vitória: "A esperança venceu o medo." O que seria uma boa frase do candidato eleito mostrou-se já política de comunicação do novo governo. Isso ficou claro porque, no mesmo dia pela manhã, antes do pronunciamento noturno de Lula, o publicitário Duda Mendonça, a mulher e o filho apareceram no Pelourinho, em Salvador, vestidos com camisetas que ostentavam os mesmos dizeres à altura do peito, comprovando que não havia espontaneidade na sentença de Lula, e sim uma bela frase de efeito criada por um dos redatores da campanha.
No dia seguinte a frase serviu de manchete para alguns jornais e foi difundida pela imprensa de todo o país, inclusive na entrevista especial e exclusiva ao Jornal Nacional. A partir daí virou bordão na boca dos eleitores de Lula. Este episódio revela que os petistas querem ter na mídia um forte parceiro. A comunicação será a grande arma do governo Lula para continuar em lua-de-mel com os eleitores.
Isso faz lembrar os primeiros dias do governo Collor, em 1990. Naqueles dias a mídia foi utilizada maciçamente pelos publicitários que cercavam Collor em contraposição às fortes medidas econômicas adotadas. Como gato escaldado tem medo de água fria, é de bom alvitre que a mídia coloque as barbas de molho, para que não se repitam os mesmos fatos daquela época.
Atenção à informação
No seu segundo pronunciamento à nação, o presidente eleito anunciou o combate à fome como sua prioridade. A partir daí este passou a ser o principal prato de resistência das pautas de jornais, revistas e emissoras de rádio e TV do país. Tudo muito natural. Um assunto que é consenso mundial, mas que precisa ser muito bem analisado e avaliado pela mídia, não apenas pela forma como será operacionalizado ? se pela distribuição de cupons ou de dinheiro vivo. É preciso primeiro chegar-se a um denominador comum. Qual é verdadeiramente o contingente de esfomeados brasileiros? Como os especialistas chegam a tais números? Lula afirma que são 54 milhões de brasileiros, quase 1/3 da população do país. Há especialistas que acham que se está confundindo miséria com fome absoluta.
O Jornal do Brasil de domingo, 3 de novembro, e a revista IstoÉ que está nas bancas trazem amplas matérias sobre a fome no Brasil. Infelizmente os números de uma e outra matéria diferem. No JB, por exemplo, a chamada de primeira página é "54 milhões não comem todos os dias". Na entrevista, o especialista em segurança alimentar Flávio Valente afirma que fome, subalimentação e desnutrição é mera questão de títulos, e que pode não ser a fome de Bangladesh ou de países da África, mas é um problema grave. O especialista cita mais estatísticas: 1,5 milhões de menores de 6 anos não têm o que comer todos os dias de forma adequada, 24 milhões não ganham o suficiente para comprar a cesta mínima de alimentos e outros 30 milhões ficam entre essa situação e a de não ter dinheiro para cobrir as necessidades básicas. Arremata chamando isso de insegurança alimentar. Já a revista IstoÉ, escreve que há no país 23 milhões de pessoas passando fome.
São números desencontrados. A mídia tem que indagar aos especialistas como chegam a estes números. Afinal, em quem se vai acreditar, haja vista que existem especialistas que desdizem até que uma parcela de brasileiros passe fome? Este é um assunto de alta relevância. A informação precisa ser correta e embasada em dados reais, e não em achismos. A mídia não pode tratar este assunto superficialmente. Tem que tratá-lo de forma conseqüente, e ficar atenta à informação que lhe é e será repassada a partir de uma estratégia de comunicação planejada para evidenciar ações governamentais. Também não pode se deixar levar por ícones criados para tirar de foco promessas de campanha que trazem constrangimento aos governantes de plantão.
(*) Jornalista