GOL A GOL
A matéria "O fim das oligarquias na mão da mídia", de Alberto Dines, sobre o comportamento da imprensa no caso dos grampos telefônicos em que se envolveu o senador Antonio Carlos Magalhães, publicada na edição passada deste Observatório [remissão abaixo], suscitou uma troca de mensagens entre Rodolfo Fernandes, diretor de redação do jornal O Globo, e o editor-responsável do OI.
Dada a relevância do debate, e com a aquiescência dos missivistas, os principais trechos desse diálogo são reproduzidos abaixo. Registre-se que, ao contrário da grande imprensa, este Observatório tem por norma dar destaque às matérias em que é criticado. O Caderno do Leitor e a rubrica Jornal de Debates são exemplos disso. (Luiz Egypto).
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From: Rodolfo Fernandes
To: Alberto Dines
Sent: Wednesday, February 19, 2003 8:17 PM
Subject: ACM
Caro Dines,
Não sei de que jornais do planeta você tirou suas conclusões sobre a cobertura do Globo no caso ACM-Grampos.
Pois foi este jornal [O Globo] o único que sustentou ao longo da semana passada inteira o tema em sua primeira página, totalmente ausente da capa dos veículos paulistas.
E, como você observa tardiamente em nota de pé de página, O Globo levou o caso à manchete ? o único dos três grandes jornais do país (já não pode-se mais falar em quatro, infelizmente) a fazer isso após a enxurrada do fim de semana.
Observações como estas, vindas de um mestre e amigo como você, me deixam duplamente triste.
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De: Alberto Dines
Enviada em: quarta-feira, 19 de fevereiro de 2003 21:55
Para: Rodolfo Fernandes – Diretoria de Redacao O Globo ? Infoglobo
Assunto: Re: ACM
Rodolfo, meu caro, desculpe, podemos estar falando de jornais diferentes: não esqueça de que o exemplar que recebo é o da edição nacional. Independente disto acho que dos três, a cobertura do Globo foi a mais "contida". A Folha pegou o assunto esplendidamente, para surpresa minha. A manchete da última segunda [-feira,17/2], registrada no adendo, entrava na esteira do governo. Os colunistas do jornal [O Globo] mantiveram-se novamente ausentes até que o Zuenir [Ventura], hoje, quarta [19/2], quebrasse o gêlo.
Caso queira, posso publicar a sua ponderação na próxima edição.
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From: Rodolfo Fernandes
To: Alberto Dines
Sent: Thursday, February 20, 2003 11:32 AM
Subject: RES: ACM
Caro Dines,
Não temos, desde o ano passado, edições diferentes. Com a única exceção do jornal de domingo, o exemplar que você lê em São Paulo é o mesmo que o último assinante do Rio de Janeiro recebe. Apenas em casos muito excepcionais esta regra não tem valido. No episódio ACM/Grampos, se você leu O Globo, lemos a mesma edição.
Mas já que as nossas conclusões foram diferentes ? talvez fruto de um mind set diferente ? deixe-me adiantar o seu trabalho.
Desde o domingo, 9, quando o assunto apareceu em detalhes nas revistas IstoÉ e Época, o que O Globo publicou, sempre na primeira página, foi o seguinte:
** Segunda, 10: "Líder do PT foi vítima de grampo ilegal"
** Terça, 11: "Planalto não quer CPI do grampo"
** Quinta, 13: "Grampo vigiou até ex-amiga de ACM"
** Sexta, 14: "Genoino: Cidadania na Bahia foi grampeada"
** Sábado, 15: "Juíza de grampo na Bahia diz que foi pressionada"
** Domingo, 16: "Vítima de grampo denuncia ACM"
** Segunda, 17: "Governo já defende punição para ACM"
** Terça, 18: "Escândalo do grampo tira ACM de comissão"
** Quarta, 19: "Senado evita investigação sobre grampo"
Convenhamos, Dines, que não há a menor hipótese de ser correta a sua observação de que "o Globo tem sido discreto desde o início". Não é meu papel fazer este trabalho, mas recomendo que você, que é observador da imprensa, compare as primeiras páginas do Globo com a dos demais jornais e tente achar em algum deles uma chamada na primeira página quando o caso já estava mais do que fervendo. Talvez você não tenha feito uma análise tão distorcida como essa em relação aos fatos desde que começou o seu trabalho no Observatório. Convido-o a uma reflexão sobre o episódio, com base numa leitura retrospectiva dos principais jornais.
Em relação a suas observações sobre os colunistas do jornal, gostaria de:
1. Sugerir a leitura da coluna de Tereza Cruvinel na quinta, 13, com o título "Grampos baianos";
2. Ponderar que é altamente ofensivo à "plêiade de colunistas" sugerir que eles recebem "luz verde" para poderem se posicionar sobre temas em questão no país. Realmente, caro Dines, você precisa, como diz aquele anúncio na TV, rever os seus conceitos. Achar, em fevereiro de 2003, que colunistas ainda escrevem ou deixam de escrever por pressão interna é desconhecer totalmente os presentes mecanismos de funcionamento de uma empresa jornalística.
Sobre a publicação destas observações, eu gostaria mesmo é que você pudesse fazer uma autocrítica, contestando, se possível, os fatos que eu aponto e as comparações que sugiro. Mas, insisto, com fatos, pois comparações entre coberturas esplêndidas e contidas não podem se basear em percepções superficiais. Se você me apontar um único jornal que tenha dado tantas chamadas na primeira página sobre o assunto quanto O Globo, retiro tudo o que disse.
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De: Alberto Dines
Enviada em: quinta-feira, 20 de fevereiro de 2003 11:32
Para: Rodolfo Fernandes – Diretoria de Redacao O Globo ? Infoglobo
Assunto: Re: ACM
Rodolfo, meu caro, insisto ? você autoriza a publicação desta carta (ou outra) em nossa próxima edição?
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From: Rodolfo Fernandes
To: Alberto Dines
Sent: Friday, February 21, 2003 11:38 AM
Subject: RES: ACM
Caro Dines;
Autorizar a publicação não é problema ? está autorizado. Que tal toda a troca de cartas, inclusive esta?
O que eu gostaria mesmo é de poder ser contestado em meus argumentos.
Os leitores reclamam muito de que nós, jornalistas, erramos nos fatos e depois publicamos uma carta e achamos que está tudo corrigido.
Espero que eu não esteja tendo esta desagradável experiência de leitor.
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From: Alberto Dines
To: Rodolfo Fernandes
Sent: Friday, February 21, 2003 3:41 PM
Subject: Re: ACM
Rodolfo, claro que podemos publicar as cartas enviadas por você. No pé farei um breve comentário e único. No Observatório, ao contrário da grande imprensa, as cartas e as contestações às cartas têm tanta importância quanto os artigos. Até onde eu posso observar, eu estava certo: a cobertura do Globo foi burocrática, do tipo "temos que dar". Mas quem decidirá é o leitor do Observatório.
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From: Rodolfo Fernandes
To: Alberto Dines
Sent: Friday, February 21, 2003 4:35 PM
Subject: RES: ACM
OK, Dines, você é mesmo incapaz de mudar de opinião. "Temos que dar", em seguidos altos de página, manchete, página 3, editorial… Deve ter sido o "temos que dar" mais enfático da história do jornalismo ? por esse seu raciocínio, era então o que antigamente se chamava uma "reco", as matérias publicadas por obrigação. Me perdi na sua argumentação. Desisto.
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From: Alberto Dines
To: Rodolfo Fernandes
Sent: Friday, February 21, 2003 4:39 PM
Subject: Re: ACM
(…) Vocês não foram obrigados a dar as matérias por ordem da direção, mas por imposição dos leitores. Foram álgidos inclusive na manchete, digamos, oficialista. A ausência dos colunistas é gritante. Não fosse o Zuenir dez dias depois do inicio do caso.
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**O Globo tem sido discreto desde o início. A plêiade de colunistas que pontua o jornal da primeira à última página, maravilhosamente entrosada, mantém a mesma algidez do episódio anterior, quando o senador renunciou ao mandato. Em algum momento deverá ser acionada a luz verde autorizando atuações mais firmes. Pouco antes ou logo depois de ACM converter-se em Geni.
Esta foi a nota que tanto desagradou ao diretor de Redação do Globo, Rodolfo Fernandes. Como o único juízo foi expresso logo no início pelo adjetivo "discreto", e num texto de 126 linhas apenas cinco (5) incomodaram o exigente jornalista, pode-se concluir que o resto está OK (ufa !) e que o confronto resume-se ao significado (direto ou oblíquo) do supracitado qualificativo.
Felizmente foi aprovado o reparo deste Observador a respeito da estranha casualidade que levou o vasto corpo de articulistas do jornal a manter silêncio sobre o megagrampo organizado pelo ex-ministro das Comunicações do governo Sarney.
Para evitar perdas de tempo com semântica e semiótica recorro à expressão mesma algidez da terceira linha que determina o sentido da mencionada discrição. Não estavam em questão quantidades de linhas, tamanho ou destaque das chamadas, mas o seu teor.
O media criticism não se pratica com modelos matemáticos, estatísticos ou topográficos. A principal ferramenta para o exame do desempenho dos meios de comunicação é o estudo do contexto, a subjetividade, o tal "espírito da coisa". Pelas contas do jornalista ? sem nenhum favor, um dos melhores da sua geração ?, as chamadas publicadas pelo Globo demonstram que o jornal cumpriu com o seu papel de despertar a atenção dos leitores a respeito do mais vergonhoso episódio da vida parlamentar da última década. Mais grave do que mandar violar uma votação secreta (cujos resultados eram praticamente de domínio público) é esta descomunal operação policial e judicial para devassar a vida de mais de uma centena de pessoas que coroa um reinado de terror, truculência e intimidação como jamais houve outro igual em períodos de normalidade constitucional.
Este Observador reconhece: O Globo não foi discreto ? foi tremendamente burocrático, reservado, recatado, circunspecto, prudente e moderado. Passou por cima das implicações, não se deu conta da dimensão moral do episódio, não apreendeu o sentido desta colossal agressão ao Estado de Direito. Não se sentiu ofendido por ACM. Seguiu o Manual de Redação da Folha de Reikjavik, na Islândia, que a outra Folha (a de S.Paulo) rasgou solenemente ao cobrir o caso com surpreendente desenvoltura.
O Globo fez o mínimo que poderia fazer para não ser novamente acusado de proteger o senador Antonio Carlos Magalhães. Tanto assim que só levou o caso para a manchete principal quando o governo deu o sinal verde (conforme a previsão contida nas últimas linhas do texto acima reproduzido).
Aqueles que, como este Observador, acompanham o extraordinário desenvolvimento do jornal a partir do momento que foi entregue ao comando de Evandro Carlos de Andrade, há mais de 30 anos, não esperavam esta cobertura acrítica, olímpica, distante, fria. Quando a moral está em jogo não pode haver neutralidade.
Tem razão, tem sempre razão, o jornalista Rodolfo Fernandes: O Globo não foi discreto. Foi indiscreto ? revelou-se por inteiro.