ASSASSINATO DO FOTÓGRAFO
“Rota da desordem”, editorial, copyright O Globo, 25/7/03
“O assassinato do repórter fotográfico Luiz Antônio da Costa, da revista ?Época? – não importa quem tenha sido o autor, mas as circunstâncias do crime chama a atenção para uma perigosa escalada de radicalização, uma tendência que se iniciou no campo, chegou à região metropolitana de São Paulo, invadiu tribunais e já atingiu até mesmo o Congresso e a Esplanada dos Ministérios. É preciso evitar que o país siga nessa perigosa rota rumo a uma crise que não interessa a ninguém.
Cabe a todos os poderes da República trabalhar pela manutenção dos espaços institucionais em que os conflitos e os desentendimentos têm de ser conduzidos e mediados – como em qualquer sociedade democrática e moderna, inimiga da barbárie.
A política vive de símbolos, e é muito provável que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tenha entendido a real dimensão do ato de receber o MST festivamente no Palácio do Planalto, e de usar um boné do movimento como se fosse um dos sem-terra e não o presidente de todos os brasileiros. É possível que líderes dos chamados movimentos sociais tenham decodificado o gesto como sinal de que as leis não são as mesmas para todos.
Para agravar a situação, o fato de o Incra e o Ministério do Desenvolvimento Agrário terem se convertido num aparelho do MST começou a surtir efeito. No caso, contra a paz no campo e a favor da desestabilização do único setor da economia em funcionamento pleno e eficiente, a agricultura. Não passou despercebido que o Incra, por meio de um simples memorando da sua procuradoria-geral, revogou a medida provisória segundo a qual terra invadida fica automaticamente à margem da reforma agrária por dois anos. Oficialmente, o governo comprometeu-se a manter esse providencial freio a ações violentas do MST. Na prática, fez o contrário. Mesmo que tenha sido por omissão.
A escalada da desordem chegou ao ponto de levar juízes, promotores e procuradores a ameaçarem com uma greve declaradamente ilegal. Deu-se o absurdo de guardiões da lei acenarem com o atropelamento da própria lei. É dentro desse clima que eclodem ações violentas do braço urbano do MST na região metropolitana de São Paulo. Não deve ser por coincidência.
O governo Lula, ao tomar posse, entendeu corretamente que teria de conquistar a confiança dos mercados. E por isso, diante de grave surto inflacionário, executou uma dura política monetária e fiscal. Deu certo. Agora, é o momento de dar um outro choque, o da legalidade, para desfazer temores que o próprio governo semeou ao emitir sinais contraditórios em relação à defesa da ordem pública.
Chegou o momento de dar demonstrações objetivas de que a lei vale para todos, sejam sem-teto, sem-terra, servidores públicos ou quem for. Os acertos na área econômica não apenas não compensarão os danos provocados pela leniência em fazer valer o Estado de direito como eles próprios serão prejudicados pela passividade diante da anarquia militante.”
?Tiro mata repórter fotográfico em acampamento?, copyright O Estado de S.Paulo, 24/7/03
“O repórter fotográfico Luís Antônio da Costa deveria registrar uma invasão de terra. Mas, com um tiro no peito, morreu a caminho do Pronto-Socorro de São Bernardo do Campo. La Costa, como assinava suas imagens, foi atingido na entrada do acampamento dos sem-teto num terreno da Volkswagen. Estava no local a serviço da revista Época para registrar a invasão ocorrida dias antes por cerca de 6 mil pessoas. Jornalistas, fotógrafos, cinegrafistas e sem-teto testemunharam o crime, às 15h30. Com o disparo, houve confusão, gritaria e correria. O assassino e um outro homem fugiram na direção do acampamento e não foram capturados.
O delegado-seccional de São Bernardo do Campo, Roberto Avino, afirmou não ser possível relacionar o assassinato com o assalto feito por dois ou três homens ao posto de gasolina Ypiranga ocorrido 10 minutos antes do homicídio e a 50 metros do local do disparo. ?Não podemos nem mesmo fazer qualquer relação do crime com os invasores do terreno da Volkswagen.? Todas as hipóteses serão investigadas.
Segundo as testemunhas, o assassino é um homem de 20 a 25 anos, 1,60 metro de altura, que vestia uma camisa cáqui suja de graxa. Um grupo de fotógrafos e cinegrafistas estava no portão de entrada do acampamento à espera de uma autorização para registrar as imagens do dia. O fotógrafo Ernesto Rodrigues, da Agência Estado, estava no local (Veja texto ao lado). O repórter Javier Contreras, do Diário do Grande ABC, disse que o autor do disparo entrou no acampamento empurrando-o e ofendendo-o minutos antes. ?Depois ele voltou, sacou a arma, mandou o La Costa sair da frente e atirou.?
O advogado Ariel de Castro Alves, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, estava no local para discutir com os líderes dos sem-teto. ?Vi o fotógrafo cair na minha frente. Naquele momento não deu para saber de onde vieram os tiros.? Segundo Alves, a reunião com as lideranças correu tranqüilamente e não havia qualquer tumulto. Momentos antes, a líder Camila Alves havia dito que a imprensa tinha ?pisado na bola?, com reportagens mostrando que os sem-teto apareciam com bons carros e celulares modernos.
A líder dos sem-teto foi uma das primeiras a socorrer La Costa. Logo após o tiro, o fotógrafo foi levado em um carro da direção do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) para o pronto-socorro. O ex-deputado estadual do PT Wagner Lino estava no carro. ?Seu rosto estava molhado (de sangue), não dava para saber nem mesmo onde ele havia sido baleado.?
Depois do crime, militantes preocupados com a imagem negativa do episódio davam várias entrevistas para as televisões e jornais. O MTST divulgou uma nota: ?Esperamos que a morte do jornalista, que lamentamos profundamente, não venha a ser justificativa para mais uma violência contra nós. Somos um movimento de moradia pacífico, onde há mais de 3 mil crianças.?
Segundo Camila, o sistema de segurança será reforçado. Os sem-teto admitiram que não tinham condições de controlar o acesso de pessoas. Em seu site, a revista Época divulgou nota cobrando a apuração do assassinato e repudiando a violência gratuita: ?Hoje, infelizmente, um jornalista foi vítima de uma truculência sem precedentes.? (Colaborou Adriana Carranca)”
?’Qualquer um de nós poderia ter morrido’?, copyright Folha de S.Paulo, 24/7/03
“Parecia só mais uma reportagem de rotina. Parecia. Às 11h, quando cheguei ao terreno invadido no ABC, encontrei outros colegas, inclusive La Costa. Logo fiquei sabendo que os sem-teto não queriam conversar com a imprensa. Como todos, aguardei horas em frente ao portão.
Em um momento, La Costa se afastou dali -provavelmente para tentar alguma imagem de outro ângulo. Voltou. Em seguida, o assassino apareceu. Foi tudo muito rápido. Quando vi, o homem, de capa, havia sacado um revólver e atirado em La Costa, que estava bem ao meu lado.
De máquina em punho, tive duas reações instintivas. As pernas moveram-se para trás, mas o dedo começou a disparar, a fotografar. Não quis olhar para a cena. Minutos depois de o colega ser levado para o hospital, eu e os outros fotógrafos ainda parecíamos não entender o ocorrido. Algo, porém, era muito claro: qualquer um de nós poderia ter morrido ali. (André Porto, 30, é repórter-fotográfico do ?Agora? e testemunhou o assassinato de Luis Antônio da Costa)”