CASO ENRON
"Enron mantinha poder com doações a políticos e contratação de jornalistas", copyright O Globo / Washington Post, 11/02/02
"Após o colapso da gigante do setor de energia Enron, em dezembro do ano passado, as ligações da empresa com a Casa Branca começaram a vir à tona, revelando uma intrincada rede de lobistas e contribuições de campanha, além da contratação de especialistas e jornalistas como conselheiros em seminários – em troca de algumas dezenas de milhares de dólares.
Sempre que um projeto de lei era levado ao Congresso, os lobistas inseriam dados num programa de computador, para que os economistas da Enron calculassem o custo da nova legislação. Se fosse muito alto, os lobistas se mobilizavam, telefonando para políticos que tinham recebido doações de campanha da Enron, para mudar os projetos em seu benefício.
Em dois anos, Bush recebeu US$ 114 mil da Enron
Os altos executivos tinham de contribuir de seus próprios salários. Em abril de 1999, quando começou a campanha presidencial, o presidente da Enron, Kenneth Lay, enviou uma carta a todos os executivos pedindo contribuições para George W. Bush, ao mesmo tempo que lhes recordava seus altos salários. Mais de cem executivos contribuíram para a campanha de Bush. Vários disseram que só fizeram isso por causa da carta de Lay.
Graças a essas contribuições, a Enron tornou-se a maior financiadora da campanha de Bush: US$ 114 mil em 1999-2000, de acordo com o Centro de Políticas Responsáveis. Para os diretores da Enron, ?doações significam acesso?, como disse um deles, que não quis se identificar:
– Todo mundo sabe que é para isso que se faz doações de campanha.
A Enron também convidava especialistas, jornalistas e políticos para seminários na empresa. Por dois dias de debates, eles recebiam US$ 50 mil. Entre os que prestaram esse serviço estão William Kristol, editor da revista ?Weekly Standard?, e Paul Krugman, agora colunista do jornal ?New York Times?. Lay chamava-os de conselho consultor.
Kristol nunca viu problemas em receber US$ 100 mil por dois seminários anuais:
– Os executivos queriam ampliar seus horizontes.
Larry Kudlow, comentarista do canal CNBC e da revista ?National Review?, disse que participou de uma reunião como convidado, por US$ 15 mil, mais US$ 20 mil para sua empresa. Lawrence Lindsey, assessor econômico de Bush, também era um consultor pago.
Até os ambientalistas prestaram serviços à Enron. Paul Portney, presidente da fundação Recursos para o Futuro, foi a cinco reuniões, junto com seu-vice-presidente, Robert Grady, que participou da elaboração da Lei do Ar Limpo, de 1990. A Enron pagou à fundação US$ 45 mil anuais.
As ligações com a imprensa
PAUL KRUGMAN: O economista deixou o cargo de consultor da Enron, pelo qual recebia US$ 50 mil anuais, ao se tornar colunista do ?New York Times?, por achar que havia um conflito de interesses. Quando começaram a surgir as denúncias sobre as fraudes na Enron, seu trabalho na empresa foi tema de um de seus artigos. Seus críticos não perdoaram.
WILLIAM KRISTOL: O editor da ?Weekly Standard? foi consultor da Enron e disse que nunca viu problemas em receber US$ 100 mil por ano da empresa ao mesmo tempo em que trabalhava na revista. Para Kristol, eram como honorários ?regulares e generosos? por palestras em associações comerciais.
LARRY KUDLOW: O apresentador do programa de TV ?America Now?, no CNBC, e colunista da ?National Review? admitiu ter participado de um dos seminários da Enron, por US$ 15 mil, além de um contrato de US$ 20 mil com sua empresa de consultoria.
PEGGY NOONAN: A colunista do ?Wall Street Journal? contou que foi à sede da Enron, em Houston, para escrever um relatório. Em sua coluna, ela admitiu ter recebido ?entre US$ 25 mil e US$ 50 mil? da empresa pelo relatório.
GAVYN DAVIES: O atual presidente da rede BBC prestou consultoria à filial inglesa da Enron por dois anos, mas, ao contrário de seus colegas dos EUA, nunca aceitou o salário de US$ 50 mil. Davies, na época, era economista-chefe da Goldman Sachs e considerou que os conselhos faziam parte de seu trabalho no banco de investimentos."
ZIMBÁBUE
"Zimbábue amplia repressão à imprensa", copyright Folha de S. Paulo, 6/02/02
"A polícia do Zimbábue deteve ontem Basildon Peta, um conhecido jornalista zimbabuano que desempenha o papel de correspondente do diário britânico ?The Independent? no país, porém resolveu libertá-lo horas depois por ?falta de provas?.
Peta foi o primeiro representante da imprensa internacional a ser preso desde que a nova Lei de Segurança e de Ordem Pública foi aprovada, em 10 de janeiro passado. O projeto de lei aprovado pelo Parlamento proíbe que o presidente Robert Mugabe seja ?criticado ou ridicularizado?. De acordo com seus detratores e com analistas, a nova legislação visa a calar vozes contrárias ao governo.
?A polícia não se confundiu, não houve erro de interpretação da lei. Eles [os policiais? sabiam exatamente o que estavam fazendo. Queriam apenas me humilhar e enviar uma mensagem a meus colegas: seguiremos de perto o trabalho daqueles de quem não gostamos?, declarou Peta, presidente do Sindicato dos Jornalistas do Zimbábue, após ser solto.
No início da semana passada, a União Européia ameaçou impor sanções ao Zimbábue se seu governo não desse garantias de que a eleição presidencial de 9 e 10 de março seria ?livre e justa?. Assim, o bloco europeu decidiu que, se a administração zimbabuana continuasse a opor-se ao envio de cerca de 150 observadores da UE, uma proibição de viajar ao território europeu seria imposta a Mugabe, a 19 de seus assessores diretos e a suas famílias.
Política de repressão
A preocupação européia não é desprovida de sentido, segundo analistas ouvidos pela Folha. Afinal, desde fevereiro de 2000, quando não conseguiu aprovar um referendo que garantiria a reforma da Constituição e ampliaria seus poderes, Mugabe passou a incitar a ocupação de fazendas pertencentes a brancos de origem britânica e a repressão -muitas vezes violenta- a oposicionistas.
Em junho do mesmo ano, num pleito cercado de dúvidas e de denúncias de fraude, a oposição, liderada pelo Movimento para a Mudança Democrática (MDC), conquistou 57 das 120 cadeiras do Parlamento que estavam em disputa e, mais uma vez, impossibilitou o presidente de concretizar seus planos de reformar a Constituição. Antes da eleição, 63% dos zimbabuanos diziam querer uma mudança de governo. Desde então, a situação só fez agravar-se.
?A cena política zimbabuana é caótica. É uma grande decepção para nós, os especialistas, pois, quando se tornou independente, em 1980, o Zimbábue representava uma grande esperança de unidade e de progresso africanos, mas ainda hoje tem o mesmo presidente?, disse Robert Rotberg, da Universidade Harvard (EUA).
?Há agora uma campanha de intimidação política muito dura. Trata-se de uma tentativa desesperada de evitar que a oposição vença o pleito, o que deverá ocorrer se não houver fraudes. Mugabe é diretamente responsável pelo caos político. Ele é um ditador sem escrúpulos, e nada acontece sem sua aprovação. Prova disso é que ele tem usado e abusado de decretos presidenciais para invalidar decisões do Parlamento e da Justiça?, acrescentou Rotberg, de Harare, capital do Zimbábue.
Nos últimos tempos, o partido do presidente (Zanu-PF) tem recrutado jovens negros desempregados para reforçar a Brigada de Jovens nacional. Eles recebem treinamento militar e ?aconselhamento ideológico? e são utilizados na campanha de terror contra os políticos da oposição, segundo o jornal ?The Independent?.
Questão agrária
No primeiro semestre de 2000, invasões de fazendas pertencentes a brancos de origem britânica -protagonizadas por facções armadas ligadas ao partido de Mugabe- agitaram o Zimbábue e evidenciaram a questão mais premente no país: a divisão das terras produtivas. Desde então, o ritmo das invasões de fazendas diminuiu, todavia jamais cessou.
Amparados pelo discurso nacionalista entoado pelo presidente, que acusa o Reino Unido, ex-potência colonial, de ser responsável pelos problemas do país e de apoiar o MDC, os invasores de terras se dizem anticolonialistas.
É verdade que 30% das terras produtivas do país estão nas mãos de cerca de 4.500 fazendeiros brancos, contudo analistas são unânimes em afirmar que essa não é a verdadeira razão das invasões. O Zimbábue tem 11,5 milhões de habitantes. ?O legado britânico não é responsável direto pela situação atual. Esse argumento é um curinga político para Mugabe?, apontou Roland Marchal, especialista em África do Centro de Estudos em Relações Internacionais de Paris. (Com agências internacionais)"
"?Sofri na prisão por um crime imaginário?", copyright Folha de S. Paulo / The Independent, 6/02/02
"?Veja bem?, disse o detetive, ?você está numa cela VIP. Não tem por que se preocupar. Vamos cuidar de você.? Percebi que eu teria uma noite longa pela frente. A cela minúscula na qual me jogaram ficava ao lado de uma privada entupida. O fedor sufocante passava diretamente para o cômodo vizinho. Minha cela era imunda, e os poucos móveis estavam caindo aos pedaços.
Para dormir na Delegacia Central de Harare, o notório quartel-general dos agentes de segurança do presidente Robert Mugabe, deram-me algumas tábuas de madeira quebradas.
Aquilo não me surpreendeu. Dias antes, quando me disseram que detetives armados estavam à minha procura, eu previ tudo.
Eu sabia que teria de sofrer na prisão por um crime imaginário. Mas não haveria nada de imaginário no tratamento que a polícia me daria. Desconfiava de que, na última hora, depois que os agentes de Mugabe tivessem tido prazer sádico em me maltratar, a acusação seria retirada. Sabia que a polícia não expressaria remorso.
Assim, nem me dei ao trabalho de perguntar por que os policiais tinham invadido minha casa no sábado, como se estivessem à caça de um assaltante ou terrorista. Procurei cooperar, embora soubesse que o crime que eles estavam, supostamente, investigando não passava de balela.
Mas isso não os impediu de fazer de conta que eu não estava cooperando. Cheguei de Johannesburgo (África do Sul) na segunda-feira e, enquanto a polícia se dirigia à minha casa, fui à Delegacia Central de Harare para me entregar. Às 13h45, a polícia me prendeu.
Fui jogado naquela cela imunda e deixado lá pelo que me pareceu uma eternidade. Os policiais cuidavam de seus afazeres como se eu não estivesse lá. Tarde naquela noite, um dos policiais apareceu e anunciou qual teria sido meu crime: eu não tinha informado à polícia sobre a realização de uma manifestação por um grupo de jornalistas contra a lei de imprensa que ameaça acabar com o jornalismo independente no país.
Neguei a acusação. A discussão não foi para lugar nenhum. O policial foi embora. Continuei preso.
O dia raiou, e me tiraram da cela. Policiais entraram no meu carro e me mandaram lev&aacuaacute;-los à Promotoria. Obrigar-me a ir em meu próprio carro foi mais um insulto. A Promotoria decidiu que eu não tinha acusação alguma pela qual responder. Fim da história.
Mas a polícia informou que ?o promotor pediu outras investigações?. Significa que vou voltar a ser preso? Não posso deixar de me perguntar. (Tradução de Clara Allain)"