Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O homem e sua voz

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ARMAZÉM LITERÁRIO

Autores, idéias e tudo o que cabe num livro

Apresentação de Alberto Dines para O rádio na era da informação ? teoria e prática do novo radiojornalismo, de Eduardo Meditsch

Marshal McLuhan saiu de moda. O sábio-feiticeiro que pressentiu e formulou a revolução informativa no início da década de 60, hoje, quase quarenta anos depois, está esquecido. Lido às pressas e às pressas incensado como guru definitivo, McLuhan foi rapidamente enterrado pelo oblívio. Em homenagem às suas percepções dele retiro a definição de que o rádio é o tambor tribal, tribal drum [McLuhan, Marshal, Understanding Media: the Extensions of Man, Capítulo 30].

O rádio oferece proximidade e intimidade, portanto, verosimilhança. Credibilidade. Dez pessoas podem ouvir juntas uma mesma mensagem radiofônica mas ela será apreendida individualmente, como manifestação pessoal. Experiência privada num meio de comunicação de massas. Essa é uma das suas vantagens intrínsecas, razão pela qual McLuhan considera o rádio como um meio "quente", ao contrário da TV que, para ele, é "fria". Ainda não estavam popularizados os conceitos de real e virtual mas o estudioso canadense já ponderava que a apresentação de uma imagem minimiza o uso da imaginação, a realidade não aciona fantasias.

O que foi informado no rádio (ou na rádio, a emissora é feminina e dominante), porque exige uma colaboração mais ativa ou participativa do sujeito-receptor, tem condições de sobrevida e permanência. O que nos leva a acreditar que o rádio, embora inventado quando a palavra ainda não existia, é o mais interativo dos meios tradicionais porque oferece condições efetivas de parceria entre o emissor e o receptor. Levando o raciocínio às últimas conseqüências pode-se chegar à conclusão de que as páginas de Balzac ou de Flaubert ? porque exigem maior participação da parte do leitor ? têm capacidade evocativa superior à de um ficcionista contemporâneo, em geral comprometido com a ação e menos preocupado com a ambientação.

Se o rádio como medium é um experiência pessoal, o rádio como aparelho, na medida em que foi o maior beneficiário do processo de miniaturização e portabilidade oferecido pela tecnologia, converteu-se em verdadeira extensão do homem. Seu único rival talvez seja o relógio, apesar da limitação do seu "repertório informativo". Nem o livro in-oitavo desenvolvido por Aldus Manucius (cerca de meio século depois de Gutenberg), e precursor do pocket book conseguiu incorporar-se com tamanha eficácia no cotidiano sensorial da humanidade. As mais audazes projeções sobre o uso da internet são incapazes de competir, em número de horas, com a utilização do rádio hoje em dia.

A dimensão política do rádio está ligada à sua própria história. Quando Hitler iniciou sua nefasta ascensão rumo ao poder nos anos 20, a nascente TSF (telefonia sem fio) estava na mão de seus adversários. Mas a partir do momento em que os nacional-socialistas alemães sob a égide do dr. Josef Goebbels conseguiram arrebatar um microfone imprimiram uma tremenda velocidade ao processo de tomada do poder.

Outro foi o caminho das lideranças soviéticas depois de 1919: escolheram o cinema como o meio preferencial para mobilizar as massas. Ao contrário do grupo que engendrou e assumiu o nazismo, a elite revolucionária russa era intelectualizada, para ela a sétima arte era a arte das massas. Não era um trampolim para o poder como o rádio. McLuhan, naquela sua forma arrebatada de expor e amarrar suas idéias, chega a afirmar que se já existisse TV quando Hitler tomou o poder, talvez não tivesse o mesmo êxito ? no rádio, sem a imagem apenas com a imaginação dos ouvintes, suas inflamadas arengas criavam ilusões, fantasias. Magia.

De qualquer forma, os quatro milhões de ouvintes na Alemanha de 1933, saltaram para 29 milhões em 1934 e para 97 milhões em 1939, quando começou a 2? Guerra Mundial [Os dados referem-se provavelmente ao número de ouvintes em língua alemã e foram citados por Gordon A. Craig em The New York Review of Books (19/9/96) na resenha da biografia de David Irving, Goebbels: Mastermind of the Third Reich (Focal Point, Londres, 1996). Irving, controvertido historiador do nazismo, defende a posição de que Hitler não ordenou o Holocausto. Nesta biografia do ministro da Propaganda de Htiler, transfere para ele a orquestração do furor anti-semita. De qualquer forma, Goebbels não apenas incentivou o uso do radio como arma de propaganda como estimulou a indústria alemã a produzir maciçamente aparelhos pequenos e baratos.].

Então o cinema é de esquerda e o rádio, de direita? Não esqueçamos que o clássico de D.W. Griffith que marcou o início do cinema como arte, The Birth of a Nation (1915), exaltava o Ku-Klux-Kan. E que Franklin Roosevelt dobrou a direita americana vendendo ao povo a idéia do New Deal graças aos seus programas radiofônicos semanais.

O rádio não tem matiz político, favorece quem sabe usá-lo, gosta de usá-lo e nele acredita. É um extraordinário meio de comunicação tanto para as massas iletradas como para os segmentos intermediários e elites. Ajuda na mobilidade social, agrega valor ao processo de crescimento econômico. E, apesar do padrão que já alcançou no Brasil hoje, sob o ponto qualitativo está longe de atender à sua vocação como agente de mudanças. Na era da mundialização, o rádio e as rádios constituem um valioso ferramental para a fixação de identidades. Estimula apegos locais ou regionais, cimenta aproximações. É naturalmente cívico, comunitário. Porque é pessoal, porque transfere humanidade tem condições de transformar informação em conhecimento.

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Essas são algumas das reflexões provocadas e extraídas do esplêndido trabalho de Eduardo Meditsch. Conheço o autor desde os tempos em que iniciava a pesquisa para a sua tese de doutorado na Universidade Nova de Lisboa. Acompanhei a diligência com que estudou o radiojornalismo português ? de excelente qualidade, diga-se ? e suas movimentações pela Europa em busca de modelos e paradigmas.

Meditsch faz parte de um grupo que transformou a Universidade Federal de Santa Catarina numa instituição modelar no ensino do jornalismo. Agora, vejo-o junto com outros abnegados professores de outros estados tentando fazer das escolas de jornalismo algo mais do que uma fábrica de diplomas para atender à reserva de mercado profissional.

Ouvinte atento desde os tempos de criança, tenho a esperança de que este compêndio e os leitores que dele se servirão ajudem o rádio brasileiro a reencontrar-se. Como o tambor de convocações mas, também, como a voz humanizada e humanizadora da informação.

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