Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O impacto das fusões sobre o noticiário internacional

MÍDIA AMERICANA

Claudio Julio Tognolli (*)

A jornalista carioca Ana Tereza Condé Pereira defendeu nos EUA, em dezembro passado, dissertação de mestrado sobre o impacto das fusões de mídia na qualidade da notícia ? sobretudo nas coberturas internacionais. O trabalho, que lhe conferiu o título de mestre em Administração Pública na Universidade Bowling Green, esmiúça com perícia os meandros dessas fusões.

“Essa tese examina empiricamente o impacto das fusões dos meios de comunicação na quantidade e na qualidade da cobertura dos noticiários internacionais. A ênfase na mudança no número dos escritórios internacionais e sua localização, além da demissão de funcionários e o uso de recursos secundários ao invés de primários após as fusões, são as variáveis desse estudo”, diz Ana Tereza.

Ela explica que “teorias de integração vertical, monopólios, oligopólios e de recursos humanos são utilizadas para examinar os efeitos das fusões dos meios de comunicação. A integração vertical afeta a indústria dos meios de comunicação ao criar grandes conglomerados e limitando a competição entre os meios. Teorias de monopólios e oligopólios sugerem que, devido a redução na competição entre os meios de comunicação, tais fusões podem afetar negativamente a quantidade e a qualidade da cobertura dos noticiários internacionais. Teorias de recursos humanos ajudam a entender a mudança que ocorre entre os funcionários após as fusões”.

Para Ana Tereza, “utilizando recursos secundários de pesquisa e entrevistas, essa tese conclui que as fusões fizeram com que esses recursos fossem remanejados, principalmente os recursos humanos, utilizados na cobertura dos noticiários internacionais. Esse remanejamento de recursos faz com que haja uma redução na quantidade e na qualidade da cobertura dos noticiários internacionais”.

De uma linhagem que tem jornalismo na veia ? seu avô, João Condé, foi um dos expoentes do jornalismo cultural brasileiro ?, Ana Tereza Condé Pereira concedeu a seguinte entrevista ao Observatório da Imprensa:

Como você foi para nos EUA?

Ana Tereza Condé Pereira ? Nasci e fui criada no Rio de Janeiro. Terminei o segundo grau na Escola Nossa Senhora da Misericórdia e vim para os Estados Unidos. A escola em que estudei é uma escola americana, católica, com um programa de intercâmbio educacional com a Bowling Green State University em Ohio. Os alunos do curso de educação vão para o Rio de Janeiro fazer estágio na escola e os alunos da brasileiros têm oportunidade de concorrer a bolsas de estudos em Bowling Green. Em abril de 1996, recebi a notícia de que havia recebido uma das bolsas. A bolsa incluia toda a parte acadêmica com exceção do alojamento, alimentação e material didático.

Com 17 anos de idade arrumei as malas e fui à luta. Mesmo sendo filha única, meus pais apoiaram a decisão de ir estudar no exterior. Meu pai é coronel reformado do exército ? com 16 anos ele saiu de casa e embarcou em um navio para Porto Alegre, para seguir carreira militar. Minha mãe é bibliotecária aposentada e assim como eu, também herdou de meu avô João Condé a paixão pela literatura.

Aproveitei a bolsa de estudos para cursar jornalismo e artes cênicas. A minha primeira opção foi pelo jornalismo. Eu sempre soube que queria ser jornalista pela convivência que tive com o meu avô João Condé, jornalista, marchand e adido cultural do Brasil em Lisboa. Meu avô foi fundador do Jornal de Letras, no Rio, junto com seus irmãos José e Elysio, e desde pequena eu ouvia histórias sobre Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado, Murilo Mendes, Raquel de Queirós, Manuel Bandeira, entre outros, que eram colaboradores do Jornal de Letras. As histórias que eu ouvi em minha infância ainda hoje me fascinam e me servem de exemplo do que é ser jornalista e das responsabilidades que inerentes à profissão.

O curso de jornalismo de Bowling Green State University exige dos alunos um estágio em um dos meios de comunicação da universidade e dois estágios fora da universidade. Eu já havia feito estágio na estação de TV da universidade e exercia a função de repórter e editora do caderno de entretenimento do jornal, The BG News. Em 1998 fui estagiar na TV Globo Nordeste. Durante o estágio, tive a oportunidade de acompanhar os repórteres Helter Duarte, hoje apresentador do RJ TV, e Fernando Rêgo Barros em matérias relacionadas à privatização das empresas de telefonia e falsificação de medicamentos.

No verão de 1999, fiz o meu segundo estágio na rede de televisão americana ABC News. Durante esse período acompanhei repórteres e produtores à Casa Branca, Departamento de Estado e participei da cobertura da queda do avião do John F. Kennedy Jr. Ao término do estágio, consegui um outro na estação afiliada da ABC News em Ohio, onde passei a trabalhar nos finais de semana enquanto cursava o último ano de faculdade. Formei-me em maio de 2000 com um bacharelado em Ciências Jornalísticas e especialização em ciências políticas, e bacharelado em Artes Cênicas com especialização em alemão e espanhol. Duas semanas depois já estava empregada em Washington DC na rede ABC News, onde havia feito o meu estágio. Durante o início de carreira tive oportunidade de trabalhar com os melhores jornalistas americanos na cobertura de matérias como a explosão do navio Americano USS Cole, no Iemen, as investigações contra a Ford e os pneus Firestone, as eleições presidenciais de 2000 e a posse do presidente George W. Bush. Em junho de 2002 retornei ao Brasil para trabalhar com o Centro Internacional para Jornalistas como tradutora/consultora durante a conferência “Mídia e Liberdade de Expressão nas Américas”. Após a conferência retornei a Bowling Green para iniciar um Mestrado em Administração Pública e Relações Internacionais.

De onde surgiu a idéia da tese?

A.T.C.P. ? A idéia sobre o tema “O impacto dos conglomerados de imprensa na qualidade e na quantidade dos noticiários internacionais” surgiu da experiência de meu trabalho na ABC News, emissora que é uma das várias empresas pertencentes ao Grupo Disney. Em maio de 2000, a Disney iniciou negociações com a AOL/Time Warner e com o Grupo Viacom para uma possível fusão entre as suas organizações de imprensa ? ABC News, CNN e CBS News. A fusão entre essas organizações nunca se concretizou porque não houve consenso sobre quem teria o controle editorial das matérias. Todavia, durante o período de negociações vários funcionários da ABC News receberam incentivos para deixarem a empresa ou foram demitidos. Como conseqüência, a carga horária de trabalho dos que permaneceram na empresa praticamente dobrou pois as vagas que se abriram durante as demissões não foram preenchidas ? o que afetou a quantidade e a qualidade dos noticiários internacionais.

Por que escolheu a fusão AOL Time Warner como estudo de caso?

A.T.C.P. ? Os fatores que me levaram a escolher os meus estudos de caso ? Cap Cities/ABC News, Disney/ABC News, Time Warner/Turner Broadcasting System e AOL/Time Warner ? e estabelecer uma análise comparativa entre eles foram: 1) a seqüência temporal das fusões involvendo a ABC News e a Time Warner e a valorização dessas fusões:

** Cap Cities/ABC News ( 3/1/1986 ? 3,5 bilhões de dólares)

** Walt Disney/ABC News (9/2/1996 ? 10 bilhões de dólares)

** Time Warner/Turner Broadcasting System (11/10/1996 ? 7,6 bilhões de dólares)

** AOL/Time Warner (10/1/2000 ? 135 bilhões de dólares)

2) A redução dos recursos utilizados na cobertura dos noticiários internacionais após as fusões, incluindo recursos humanos, escritórios internacionais e a utilização de recursos secundários em vez de primários na apuração das notícias.

Fale do caso Ted Turner e Time Warner.

A.T.C.P. ? O império televisivo do Ted Turner teve início no final dos anos 60 quando ele comprou a estação de TV WJRJ, em Atlanta. Desde então, mudanças nas leis de TV a cabo facilitaram pequenas fusões que colaboraram com o crescimento da Turner Broadcasting System ? culminando com a fundação da rede CNN, em 1981. Dez anos depois, a CNN inovou o conceito de jornalismo internacional ao proporcionar a cobertura em tempo real, através de tecnologia via satélite, da Guerra do Golfo. Em 1996, com o intuito de promover a competição entre os canais a cabo, a Suprema Corte americana autorizou a fusão entre a Time Warner e a Turner Broadcasting System. No período em que ocorreu essa fusão, no valor de 7,6 bilhões de dólares, foi estimado que a renda anual das duas empresas ficaria em torno de 18 bilhões de dólares, formando assim a maior empresa de comunicação do mundo.

As fusões ocorridas nos EUA estão prejudicando o noticiário? De que forma?

A.T.C.P. ? As fusões que vêm ocorrendo entre os meios de comunicação nos Estados Unidos tiveram início nos anos 70. Vários fatores contribuiram para a concentração desses meios, entre eles o desenvolvimento tecnológico e a desregulamentação das leis de radiodifusão e de televisão a cabo. Em relação à cobertura internacional por meios televisivos, o que se vê é o aumento de recursos secundários na apuração das notícias. Por exemplo: devido aos custos, é raro hoje em dia uma organização de imprensa enviar uma equipe para fazer uma matéria internacional. Nesse caso, é preferível comprar imagens de um freelancer ou de uma rede de notícias como Associated Press Television News (APTN) ou Reuters. Nos últimos meses esse cenário vem se modificando com o aumento da ameaça de guerra entre os Estados Unidos e o Iraque.

Face a essas fusões, podemos dizer que a mídia dos EUA está menos imparcial?

A.T.C.P. ? Já houve casos de parcialidade e censura na mídia americana devido a essas fusões. Por exemplo, há alguns anos o programa 20/20 da rede ABC News estava fazendo uma matéria sobre a segurança nos parques de diversões que incluia a Disneyworld. A matéria não foi ao ar pelo fato de a ABC News pertencer ao Grupo Disney. Outro caso semelhante ocorreu com a NBC News, que pertence a General Electric. Eu não diria que a mídia americana está menos imparcial devido a essas fusões, muito pelo contrário. Acredito que haja imparcialidade na divulgação das matérias. Todavia, a mídia de um modo geral ? e não só a americana ? parece estar muito menos crítica.