A CRISE E O NOTICIÁRIO
Alberto Dines
O feriadão já passou, o verão está longe, a crise econômica está feia mas já houve piores, as redações foram esvaziadas pelas ondas de demissões mas não estão desertas.
Pode-se afirmar que não há causas precisas, pretextos claros, bodes-expiatórios definidos e explicações convincentes para o atual empobrecimento da mídia brasileira. Mas, nos últimos 15 anos, raras vezes ficou tão visível a decadência dos meios de comunicação como agora. É palpável, concreta, pode ser medida por qualquer um: jornais que exigiam pelo menos 45 minutos de leitura, hoje podem ser folheados em 15 minutos.
Pior do que isso é perceber que, para o leitor, a questão de ler ou não ler jornais e revistas tornou-se indiferente. Desapareceu a sensação de vazio e marginalidade nos dias em que não se tem tempo para ler o(s) veículo(s) preferido(s). Uma bicada na internet, um boletim entreouvido no rádio do carro, alguns flashes no telejornal noturno ? pronto, estamos informados.
Se as razões ainda não são claras ? sobretudo porque estamos em meio a um processo ?, os efeitos não podem ser ignorados. Estão aí, a olho nu, reiterados e gritantes. Ao haraquiri das revistas semanais seguiu-se nos jornais uma espécie de surto depressivo e anoréxico. Recusam-se a alimentar-se, entregam-se à inapetência, assumem-se como esquálidos, prontos para se tornarem descartáveis.
Alguns dados podem ser identificados:
** As demissões concentraram-se na reportagem: os empresários preferem manter os "cozinheiros" (redatores e editores) capazes de fechar uma edição com qualquer tipo de material. Inclusive releases. Nunca houve tanta facilidade para matérias sopradas e infiltradas.
** Repórteres inexperientes ou apenas "noticiaristas" produzem matérias lineares que editores e subeditores atarefados não conseguem arredondar e enriquecer.
** Impera o opinionismo e os opinionistas. Obrigados a escrever todos os dias porque ganham bem, contentam-se em produzir tiradas inconseqüentes (em geral auto-referidas ou referentes a colegas do mesmo jornal) quando não se esfalfam em intermináveis e repetidas elucubrações.
Exemplo da anemia jornalística foi a continuação do julgamento do editor Siegfried Ellwanger no Supremo Tribunal Federal (quinta-feira, 26/6), com lances inéditos e sensacionais: três ministros (inclusive o ex-presidente da corte) tentaram outra vez um adiamento e solicitaram o exame do processo. Outros magistrados, estimulados pelo novo presidente, adiantaram os seus votos. Resultado: mesmo que o placar final ainda não seja conhecido, os sete votos contra Ellwanger consagram o princípio de que perante a lei brasileira o anti-semitismo é racismo. Portanto, crime.
Raras vezes assistiu-se a um julgamento no STF com tantas peripécias. Independente das implicações políticas e morais, o duelo forense foi um prato feito para os leitores interessados em histórias dramáticas.
O Jornal do Brasil vem cobrindo o caso com riqueza de detalhes em todas as fases, O Globo foi atrás. Na imprensa paulista, o caso ficou escondido. Certamente coberto por todas as sucursais em Brasília mas, por inapetência ou incompetência da maioria, considerado "irrelevante".
São essas irrelevâncias que afastam os leitores dos jornais [veja remissões para matéria publicadas no OI sobre o assunto].
Se a discussão em torno da reforma da Previdência é considerada de alta relevância, sua cobertura carece de inspiração. A agenda dos "rebeldes" do PT assim como as reclamações dos juízes já saturaram o leitor. José Dirceu e José Genoíno estão desgastados ? não pelo que dizem mas pela insistência em colocá-los com as mesmas fotos dizendo as mesmas coisas. Declarações são publicadas sem conseqüência e continuidade: uma economista declara que a Previdência é superavitária e ninguém se dá ao trabalho de saber se é verdade ou lorota.
O noticiário fragmenta-se nas editorias de política e economia, sem remissões para a cena internacional, sobretudo européia, onde a reforma da Previdência também está na ordem do dia.
Sem dimensão, achatado, o debate corre o risco de ficar chato. Isso é extremamente perigoso. Não é por acaso que as lideranças no Parlamento se queixam da falta de interesse das bancadas. Desinteressado está o leitor graças a uma cobertura burocrática, quadrada, sustentada pelos opinionistas.
Pode-se alegar que a pasmaceira da mídia tem a ver com o "inferno astral" que vive o governo Lula, o primeiro da sua gestão. Sem entrar no mérito da questão, a desculpa é esfarrapada. Se o governo vive um mau momento ? o que pode acontecer com qualquer governo num regime democrático ?, mais uma razão para dar ao debate sobre as reformas a criatividade e, sobretudo, a intensidade que merece. E não adianta calçar o noticiário sobre pesquisas de opinião e suas repercussões porque isso não é jornalismo, é estatística.
Inferno astral também é notícia, a não ser que a mídia esteja em estado de profunda depressão.
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