Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jornal das sete mulheres

IMPRENSA FEMININA

Fabiana Amaral (*)

Observando a nova trama global, a minissérie A Casa das Sete Mulheres, cheia dos seus erros históricos dos quais o público nem se dá conta, é possível traçar um paralelo interessante com a imprensa. Na verdade, é possível e até necessário falar de muito mais que sete mulheres na imprensa nacional, mas só para a analogia ficar mais acessível, atemo-nos em apenas sete atuais.

O papel da mulher na imprensa tupiniquim é bem mais amplo do que se imagina, bem mais portentoso do que os das mulheres da outra casa. Todavia, por inúmeros fatores, incluindo aí um latente preconceito e descabido despeito por parte dos ditos homens da imprensa, esse papel não é reconhecido, ou então relegado ao segundo escalão. Mas não cabe essa discussão agora, apenas as comparações.

A primeira combinação eficaz se dá com Fátima Bernardes. Modelo de referência ? afinal, gosto não se discute ? para o telejornalismo, principalmente esportivo, depois de suas peripécias na Copa do Mundo, a jornalista faz lembrar a primeira personagem: Caetana (Eliane Giardini). Mulher bonita e inteligente, esposa do grande líder revolucionário, admirados por todos e invejados por seu casamento feliz, Caetana é mulher de fibra, trazida para a guerra.

Fátima não faz feio na analogia. Também bonita e inteligente, esposa do editor-chefe do jornal de maior audiência da Rede Globo, que de revolucionário ? também não vamos apelar ? não tem nada. Admirados e invejados por sua família feliz, composta ainda pelos trigêmeos. Mulher de coragem e determinação, trazida das fitas do balé para o mundo do jornalismo, onde conheceu o marido.

Outra mulher interessante, não tão presente na imprensa atualmente é Madalena Bonfiglioli. Renomada jornalista, é inegável seu desempenho e contribuição à imprensa, mas ofuscada em meio a lágrimas. Lembra um pouco outra personagem da série: Rosário (Mariana Ximenes).

Não só as madeixas louras as fazem similares, mas a inadequação de ambas para sofrimento e guerras. Enquanto a da ficção tem visões fantasmagóricas do capitão Caramuru ? infelizmente falecido ?, nas quais chora até se cansar, a segunda a segue de perto. Seria maldade, no entanto, deixar de ressaltar suas mais variadas tentativas de enfrentar a realidade, principalmente no extinto Aqui e Agora (SBT) ? esse merecidamente jaz no esquecimento. Ótima profissional, não agüentava se postar de frente com iguais em condições subumanas. Esquecia-se a partir de então todas as regras do jornalismo e debulhava-se em copiosas lágrimas, condoída com a situação do próximo. Seus superiores concluíram ser em vão as tentativas de robustecer sua performance, fazendo-a dedicar-se às matérias mais amenas. Porém, assim como a arrojada Rosário se desvaneceu com o falecimento do capitão Estevão, com a morte do Aqui e Agora, “morreu” também a jornalista. Restam-lhe os frufrus da corte.

Pulando da TV para o impresso, não pode passar batida a participação marcante de Eliane Cantanhêde com seus artigos de esclarecimento a respeito de política no jornal. De maneira a não perder uma ponta de esperança no Brasil, não afrontando, mas estabelecendo ligações e projeções otimistas a respeito da fracassada política nacional, Eliane pode ser comparada com dona Ana Joaquina (Bete Mendes).

Ao longo de seus anos de experiência em jornais, atualmente colunista e diretora da sucursal de Brasília da Folha de S.Paulo, ela parece “segurar as pontas”, oferecendo uma certa segurança em suas análises e informações, mesmo quando não são as mais animadoras. Sua análoga da série fica no mesmo patamar. Dona da instância que abriga as mulheres e irmã mais velha de Bento Alves, dona Ana Joaquina é firme e corajosa e apesar dos maus momentos pelos quais passa, não perde o bom humor. Eliane é assim, respeitada na grande imprensa ? nem sempre de bom humor, é claro ? se mostra dona de opiniões nem sempre condizentes com o fluxo geral dos homens da imprensa. Mas sai por cima.

Continuando nas comparações, encontramos Martha Medeiros, que apesar de não ser jornalista de carteirinha, é tida como tal pela maioria, que não erra em considerá-la (?). Fazendo um estilo mais reservado na imprensa, impressiona quando quer. A analogia mais próxima pode ser feita com Perpétua (Daniela Escobar).

Moça de boa índole e tida como “insossa” pelas primas, ela surpreende ao se mostrar apaixonada por um homem casado, o que vai de encontro aos seus princípios. Não que Martha seja considerada insossa pelos jornalistas ou que contrarie dogmas jornalísticos, mas convém ressaltar o papel de surpresa e comoção, como no caso da personagem, quando publica seus afamados artigos falando de relacionamento. Fazendo suspirar, inclusive, as mais ardentes feministas, como Perpétua, Martha Medeiros faz cair alguns queixos com revelações nem sempre confortantes, mas na maioria das vezes reais das mazelas emocionais.

A saga de Manuela (Camila Morgado), que começa como centro das atenções e vai perdendo espaço, principalmente quando se contrapõe a Anita, futura Garibaldi, faz lembrar uma paulatina queda. E, sem querer desconsiderar ou agourar a próxima citada, é mais ou menos isso que se acaba fazendo.

Maria Cândida há mais de dez anos na imprensa brasileira, já passou por grandes veículos como Rede Globo, Rede Record e SBT, com grandes e curiosas matérias jornalísticas. Parece, no entanto, ter perdido o tino de exímia repórter.

Para que o leitor mesmo considere, basta analisar seus recentes trabalhos no Domingo Legal, uma aberração televisiva que arroga ares jornalísticos ? sem entrar no mérito da questão. Maria deixa de lado seu espaço como conceituada repórter para abertamente manifestar o desejo de ser apresentadora de televisão ? não que isso seja desmerecedor em si. Para tanto, os degraus a serem subidos são os de arremedo de paparazzi, marcando ponto em casamentos e festa fúteis, com gente fútil e conversas mais fúteis ainda. Perdendo espaço no mundo jornalístico, parece em decadência, como sua análoga da série.

Marilene Felinto, com sua língua ferina, seria a próxima na lista e, embora exagerada a comparação com a amargurada dona Maria (Nívea Maria), esta é a mais próxima que temos da professora de Letras que se prostituiu com o jornalismo, como ela mesma costuma dizer.

Dona Maria, por vários traumas do passado, carrega no rosto uma expressão de descontentamento constante, como que buscando encontrar alguém em quem possa despejar suas lástimas. Faz de suas artimanhas maquiavélicas fontes e pedras de tropeço para quem está por perto. Parece dizer com suas atitudes que todos têm culpa de sua infelicidade.

Nascida no interior pernambucano e tendo sofrido algumas das provações e privações que a própria região impõe aos menos favorecidos, Marilene cresceu com espírito contestador. Formou-se em Letras pela Universidade de São Paulo e fez da escrita seu meio de expiação.

Ninguém pode negar que conseguiu. Escrevendo por alguns anos na Folha de S. Paulo, como uma das principais articulistas, derramou veneno a todos os lados, principalmente naqueles que julgava causadores das desgraças alheias e da sua própria. Talvez seja injusto taxá-la tão amarga como a personagem a que se compara, mas os efeitos de suas punhaladas são tão nocivos quanto.

Finalizando a lista das sete mulheres da imprensa, não poderia faltar Ana Paula Padrão. Tida como “padrão de jornalismo” e prata da Globo, Ana Paula é facilmente associável à personagem Mariana (Samara Felippo).

Não é difícil entender as semelhanças. A da série, impetuosa e lutadora, também atende por ousada e atrevida, com um jeito diferente de falar o que pensa sem ser penalizada, mesmo quando foge do ortodoxo.

Ana, como é tratada pelos colegas de redação, premiada jornalista, não é diferente das características citadas anteriormente. Num local onde não é costume sair do padrão, ela impõe o seu próprio, falando o que quer, mesmo que não pareça ousadia no momento, sem arriscar-se a penalidades. Inova e ganha espaço por sua simpatia e comportamento hodierno no que se refere a telejornalismo.

Teria, sem sombras de dúvidas, muito mais a falar sobre as mulheres da imprensa, principalmente para calar a boca de pessoas que tentam negar a relevância feminina na mídia, não como mero objeto de entretenimento, mas como formadoras de opinião.

Enquanto os varões saem à rua com tamborins e cornetas, esforçando-se a serem vistos, um forte muito mais poderoso toma a cena e as rédeas. É a imprensa das sete (ou setenta) mulheres brasileiras.

(*) Aluna do 3.? ano de Jornalismo do Centro Universitário Adventista (Unasp) e editora especial da revista Canal da Imprensa <www.canaldaimprensa.com.br>