LEITURAS DA VEJA
Paulo Lima (*)
A sanha espetaculosa da mídia foi servida de mais uma vítima, desta vez na tragédia carioca que envolveu a família Wunder, num caso de triplo assassinato seguido de suicídio. A superfície do brutal ocorrido foi revelada com maiores ou menores detalhes, sem perder de vista a perspectiva do melhor fait divers: tiros, muito sangue e um nebuloso mistério, como num romance policial.
Como soe ser, a cobertura zás-trás da imprensa restringiu-se ao trivial ligeiro, ao oferecer aqui e ali pequenas relações de causa e efeito. O engenheiro Wunder matou e matou-se porque: a) estava em bancarrota e não queria perder o status; b) sofria de depressão, em decorrência de um seqüestro do qual fora vítima.
Ao menos, essas foram algumas possíveis explicações oferecidas aos leitores pela revista Veja, na edição que está nas bancas. Compreende-se que estabelecer uma relação de complexidade para o infortúnio, no calor da hora, pode ser tarefa ingente para os repórteres, que até cuidaram de incluir na matéria uma opinião do psicanalista Jurandir Freire da Costa, oferecendo ao leitor uma espécie de aval sobre o caso.
Dupla devassa
Desconhecidas as causas que culminaram na tragédia, restou aos repórteres a exploração da sua mise-en-scène cinematográfica, detalhada na matéria como uma autópsia. Por contraste, o próprio título da matéria, "Era uma vez uma família feliz", já estabelece uma relação de tensão com o que virá em seguida: cheiro "enjoativo" de sangue, pescoços e rostos perfurados a bala.
Nada, porém, se compara à descrição do engenheiro Wunder, após desferir em si mesmo o disparo fatal: um cérebro que voa a uma incrível distância de 4 metros; um olho que salta e vai se aquietar num canto qualquer do banheiro. Mais escatológico, impossível; mais chocante, improvável. Ocorre que não se precisa ser expert em armas de fogo para entender que o disparo feito pelo engenheiro causaria efeito devastador. Apostando todas as fichas da matéria num viés mórbido, a Veja transforma uma tragédia real em frio e burocrático exame de causa mortis.
Ao reportar uma situação de violência familiar, a Veja comete ela também um ato de violência, expondo detalhes desnecessários de uma tragédia, no melhor estilo "espremendo, sai sangue". Exposta uma vez pela desgraça que sobre ela se abateu, a família Wunder foi novamente devassada pelo sensacionalismo do jornalismo-autópsia.
(*) Estudante de Jornalismo e editor do Balaio de Notícias <http://www.sergipe.com/balaiodenoticias>