Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O Judiciário foi conservador

DIPLOMA EM XEQUE

Ewaldo Arruda Oliveira (*)

Depois de 33 anos sob a botina do Estado, os jornalistas estão agora libertados da deplorável exigência de diploma para exercício da profissão. Se, por um lado, a decisão foi histórica e alvissareira, por outro o juiz demonstrou certo conservadorismo e nos arremessa a um novo problema. Já argumentei neste espaço sobre a intimidade dos conceitos: de liberdade de expressão e livre exercício desta profissão ? especificamente, esta. Não cansarei os leitores voltando aos argumentos a respeito da não-exigência do diploma, mas irei adiante na tentativa de expandir a discussão sobre outro aspecto do mesmo problema: a exigência de registro profissional no Ministério do Trabalho.

A sentença da Justiça Federal que derrubou a exigência do diploma não contemplou todo o pedido formulado na ação em que o autor, Ministério Público Federal, requeria também, em caráter definitivo: “Que seja determinado à Ré União Federal a não mais registrar ou fornecer qualquer número de inscrição no Ministério do Trabalho para os diplomados em Jornalismo, informando aos interessados a desnecessidade do registro e inscrição para o exercício da profissão de jornalista.”

Entendeu o procurador dos Direitos da Cidadania que o registro serve de instrumento de desnecessário controle estatal. Tese que a juíza federal Carla Rister não acolheu. Trecho da decisão:


“(…) Não acredito que a existência do registro junto ao Ministério do Trabalho seja de todo despropositada, desde que não se faça a exigência do referido diploma, tendo em vista que, em todas as profissões, é salutar que exista uma entidade de controle e fiscalização daquelas pessoas que as exercem de modo profissional. Nesse sentido, trago novamente as palavras de Jean Rivero, na obra citada, pág. 232: ?A qualidade de jornalista profissional supõe duas condições de fundo: ? a profissão deve ser exercida a título principal, de forma regular e remunerada, em uma publicação periódica, uma agência de imprensa, ou em rádio e televisão; ? o interessado deve ter esta como a principal de suas fontes de renda (Código do Trabalho, artigo L. 761-2). A reunião dessas condições é constatada pela Comissão da Carteira de Identidade Profissional. A carteira permite ao titular prevalecer-se de medidas tomadas pelas autoridades administrativas em favor dos representantes da imprensa?. Assim, tenho que a idéia subjacente ao trecho mencionado pode ser aproveitada no presente, ou seja, o registro em si mesmo não importa em qualquer cerceamento de direitos, diferentemente do que ocorre com a exigência do diploma de nível superior.” (o destaque é do original)


Ora, a Justiça mostrou aqui sua face conservadora, contemplando a tese do Estado controlador. E a sentença foi econômica: não acrescentou além do adjetivo “salutar” nenhuma argumentação sólida, senão a que sustenta um privilégio dispensável, apesar de cinicamente defendido pelos sindicatos e federação da categoria: o da carteirada. Além disso, à vista de meu ponto, a sentença sugere que o juiz foi ingênuo ao acreditar que, se não há “cerceamento”, não haverá constrangimento.

Sem propósito ou serventia

O risco de constrangimento ilegal subsiste. Como estão amarrados os fios, continua destinado aos sindicatos e à Fenaj o controle da expedição da carteira. Não haveria nada de mal se os sindicatos já não tivessem se apressado, manifestando publicamente que não fornecerão carteira a jornalistas sem diploma ? o que representa um acelerado processo de desrespeito à decisão. O absurdo (a carteira e o poder de expedição) sobreviveu. A manutenção da exigência do registro nada acrescenta. O “controle” sobre os possíveis distúrbios provocados pela obra de qualquer jornalista não cabe ao Poder Executivo. Todo cidadão que se veja prejudicado por um mau jornalista ou mau jornalismo deve socorrer-se no Poder Judiciário. Portanto, inexistem razões para manutenção de um fichário dos jornalistas profissionais no Ministério do Trabalho. Não há serventia, não responde a nenhuma necessidade social, não é papel do Estado ? pelo menos não representada pelo Executivo.

Não fosse o despropósito total pelas razões arroladas, eis que a exigência da matrícula impinge um rito burocrático desnecessário, cria condições para o surgimento de novas portarias internas do MTb no sentido de, desrespeitando a intenção manifesta da Justiça, manter a elitização do acesso à prática desta profissão.

Prova da fragilidade dos argumentos da sentença é o trecho claudicante: “(…) Não acredito que a existência do registro junto ao Ministério do Trabalho seja de todo despropositada“. (grifo deste autor). Ora, se há algum despropósito (como a sentença sugere) e nenhuma serventia ? a não ser o abominável controle estatal da produção intelectual ?, a exigência de registro deve ser também removida no julgamento das instâncias superiores. É o que esperamos.

(*) Jornalista profissional não-diplomado, 39 anos

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