Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O leitor como parte do negócio

IMPRENSA REGIONAL

José Carlos Marão (*)

A interatividade do leitor com a mídia, que já anda solta pela internet e está chegando à TV, não acontece onde poderia estar ocorrendo desde sempre: nas cidades com menos de 40 mil habitantes, que talvez representem a maioria dos municípios brasileiros. Mas, em Campinas ? cidade com 1 milhão de habitantes, enorme participaçccedil;ão no PIB e que, com seu ar cosmopolita, não pode ser chamada de interiorana ou provinciana ?, o editor-chefe do Correio Popular, Nelson Homem de Mello, encontrou um caminho que pode ser a solução para os jornais de muitas pequenas cidades.

Quem tiver curiosidade, que faça o teste: em qualquer cidade pequena, com as exceções de praxe, é mais fácil saber o que anda acontecendo no Congresso, nas favelas do Rio ou nos bastidores do poder na Grã-Bretanha do que o que ocorre em sua própria cidade. A TV e os jornalões chegam, hoje, a praticamente qualquer lugar do Brasil.

Os pequenos jornais, quando existem, dependem quase que exclusivamente dos editais das prefeituras. E muitos acabam como meros boletins oficiais do prefeito: atendem aos interesses do "dono" mas desconhecem o leitor. O pobre do cidadão comum precisa recorrer ao boatopress ou ser amigo de alguém "influente" (e comprometido) para saber coisas corriqueiras mas fundamentais ? como se pretende desapropriar um pedaço da sua rua, o que vão fazer com o esgoto que perfuma a cidade, ou, simplesmente, quantos frangos morreram de susto no dia em que a enorme carreta da avícola perdeu os freios e foi ocupar o salão principal da loja da esquina. Isso sem falar, claro, na discussão de idéias e de problemas locais, que poderia estar nas páginas de um honesto semanário em vez de estar restrita aos salões íntimos dos fechadíssimos grupos de caciques locais. Ou restrita às divertidas piadas de botequim, onde rouba um tempo precioso dos sérios debates sobre futebol, jogo de truco ou a viúva da Rua da Estação.

Projeto correto

O cidadão comum, com o suposto direito à informação, vê os telejornais, manda e-mails mas não sabe o que se passa em seu pequeno burgo.

Claro que, em cidades maiores, com seus 100 mil habitantes ou mais, a atividade econômica ? comércio, indústria, classificados ? acaba viabilizando jornais com mais independência. E em algumas cidades ? como Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Piracicaba, São José dos Campos, todas no estado de São Paulo, e outras tanta espalhadas pelo país ? os jornais são altamente profissionalizados, com equipes competentes e preocupados com os problemas regionais. Mas, mesmo esses, têm, vez ou outra, recaídas de provincianismo quando querem imitar os grandes. Em uma concorrência injusta e perdida por antecedência, acabam dando destaque às guerras do Oriente Médio ou às declarações do ministro José Dirceu, que a TV deu antes e os jornalões das capitais cobrem melhor.

Essa concorrência é que o Nelson Homem de Mello resolveu enfrentar, no Correio Popular, em Campinas. Suas únicas vantagens sobre os dois concorrentes diretos ? Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo ? eram as mesmas de qualquer jornal regional: o conhecimento da cultura local, o acesso às fontes locais e o eventual bairrismo de alguns leitores.

Então, como transformar isso em aumento de circulação, de prestígio e em serviços à comunidade? Nelson resolveu trazer o leitor para as páginas do jornal, sem prejuízo das grandes coberturas.

Entre as várias medidas, duas chamam a atenção pela sua simplicidade e acerto. A primeira: de todas as cartas publicadas diariamente, pelo menos três trazem a foto e declarações complementares do leitor. Isso significa pautar, diariamente, repórter e fotógrafo para essa tarefa. A segunda: olhar com atenção às sugestões de pautas enviadas, aproveitar a maioria e complementar a matéria com entrevista e foto do leitor que fez a sugestão. Nos dois casos, um custo mínimo diante do significativo retorno ? que, rapidamente, se transformou em efeito-cascata, aumentou a participação dos leitores no jornal e ajudou a consolidar a circulação.

Enfim, o leitor também é notícia.

Se essa idéia funciona em uma cidade como Campinas, tem tudo para funcionar em pequenas comunidades. Qualquer publisher sabe que uma publicação se sustenta com duas fontes de receita: publicidade e circulação. E também sabe que os custos de um semanário tablóide em branco e preto são muito baixos.

Se os editais das pequenas prefeituras estão em seus "órgãos oficiais", um pequeno jornal pode muito bem sustentar-se com seus assinantes. Se o projeto editorial for correto, permitindo a participação dos leitores, a tendência é que se consolide uma boa circulação auto-sustentada. E boa circulação pode significar a vinda de anúncios com interesses apenas no retorno comercial. Circulação e anúncios podem significar algum lucro, suficiente para uma publicação independente.

Que apareçam os empreendedores.

(*) Jornalista