Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O "liberou geral" da educação

AVALIAÇÃO IMPLODIDA

Victor Gentilli

Como previsto, o Provão acabou. A reação da imprensa, surpreendentemente, foi compatível com o impacto da informação na opinião pública. Sensível, o ministro Cristovam Buarque, da Educação, percebeu a iminência de problemas e anunciou que desejava "fechar cursos" ? como se isso fosse tarefa simples: nunca fora tentada e não havia uma incompatibilidade básica entre o propósito e a equipe de assessores e dirigentes do MEC.

A situação é grave. O ministro encomendou um trabalho no início de sua gestão a um grupo de trabalho para "avaliar a avaliação do ensino superior". Pois o grupo propôs acabar com o Provão, criar uma "avaliação institucional" ainda não decifrada, e outras medidas. Agradou a UNE, agradou aos lobbies privados e incomodou a imprensa, apenas porque a imprensa optou por opor-se ao governo.

A semana passada começou com os jornais comprando de olhos fechados a versão de um colunista dominical sobre a crise na Agência Nacional de Vigilância Sanitária. O tema é polêmico, mas toda a imprensa, sem exceção, aceitou a versão daqueles que divergem do governo e não se preocupou em verificar que o Ministério da Saúde estava preocupado em oferecer uma vigilância sanitária séria e comprometida com o interesse público. Claro, a demissão de nove membros de uma comissão de dez sempre causa impacto e é notícia. Mas confundir maioria e minoria com certo e errado e ignorar os argumentos das partes decididamente não é um bom caminho.

O fato é que, apesar disso, há uma preocupação com a vigilância sanitária. Mas, e a vigilância educacional? O texto do documento que a comissão especial entregou ao ministro é raso, político e, no fim das contas, abre um verdadeiro laissez-faire na educação superior.

Não se questionam intenções, aqui, embora haja quem veja interesses escusos na proposta. O fato é que o novo Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior) acaba com a avaliação dos cursos (no caso específico Jornalismo ou Comunicação-Jornalismo) e estabelece a prevalência da avaliação institucional. Avaliar a instituição pode vir a ser um bom instrumento de aferição de qualidade de universidades consolidadas, estabelecidas e que incorporem de fato a cultura da avaliação. É o caso das grandes instituições públicas, de onde se originam os membros da comissão designada pelo ministro. Fiquemos nas lideranças maiores do grupo: José Dias Sobrinho é da Unicamp e Dilvo Ristoff é da Universidade Federal de Santa Catarina (disputaria a eleição para reitor se não tivesse aceito o convite para ocupar a direção de Avaliação do Inep, órgão do MEC encarregado do sistema de avaliação conhecido por promover o Provão).

Mas não é o caso das grandes, médias e pequenas empresas privadas que oferecem serviços de educação superior.

Ninguém esclareceu como vai funcionar o sistema de avaliação proposto. Sabemos que tudo tem início com uma auto-avaliação. Pois o problema é claro: é preciso um sistema duro de controle das verdadeiras "fábricas de diplomas" privadas. Mas quem tem experiência nisso e sabe como fazer?

O que veremos é Ronald Levinsohn patrocinando a avaliação de sua UniverCidade (um erro de grafia e de informação, pois seu centro universitário não é uma universidade); e João Carlos Di Gênio cuidando de avaliar sua Unip e outras instituições de sua propriedade espalhadas pelo país.

Priorizar a avaliação institucional e praticamente abandonar a avaliação dos cursos, do qual o finado Provão era apenas um dos instrumentos, é o caminho para um verdadeiro "liberou geral" numa estrutura de ensino superior marcada por um forte crescimento do setor privado.

Quando o ministro Cristovam Buarque se deu conta que a imprensa captara parte da proposta a ele apresentada, foi logo falando em "fechar cursos" e criticar o ex-ministro Paulo Renato. Ora, não se "fecha cursos" assim, por vontade ministerial. A bem da verdade, é preciso dizer que o ex-ministro encaminhou pedidos para fechar cursos de Direito e Administração (reprovados depois de Provões, avaliações, sucessivas visitas in loco, prazos para que acertassem problemas etc.), mas foi impedido pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).

Quando o ex-ministro mudou o sistema e retirou do CNE as atribuições de referendar as decisões da Secretaria de Ensino Superior (SESu) nessas ações, aí foi impedido de fechar cursos por liminares judiciais.

Pena que a imprensa estava mais preocupada em criticar o governo do que em explicar a proposta. Lógico, acertaram ao ouvir o ex-ministro Paulo Renato Sousa e, claro, o ex-ministro criticou duramente a proposta. Mas ninguém lembrou que foi o hoje consultor Paulo Renato quem desmontou o sistema de avaliação, acabando com as comissões de especialistas.

Saúde e educação: no caso da saúde, a crise na comissão equivalente às comissões de especialistas da SESu gerou grandes matérias semana passada. As comissões de especialistas deixaram de se reunir em outubro de 2001. Foram extintas em julho de 2002, no mais absoluto silêncio da imprensa.

Agora, a imprensa vislumbra alguma coisa não porque esteja de olho na educação brasileira. Mas porque ocupa-se (ou preocupa-se) em criticar o governo.