Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O livro e as leituras da imprensa

SUPLEMENTOS LITERÁRIOS

Entrevista de Isabel Travancas a Luiz Egypto


O livro no jornal, Isabel Travancas, 162 pp., Ateliê Editorial, Cotia, SP, 2001. Tel. (11) 4612-9666; e-mail: <atelie_editorial@uol.com.br>

Para investigar como os suplementos literários atuam no Brasil e na França, Isabel Travancas escreveu O livro no jornal ? com subtítulo Os suplementos literários nos jornais franceses e brasileiros nos anos 90 ?, no qual compara os cadernos de livros do Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, Le Monde e Libération. O resultado da análise mostrou mais semelhanças que diferenças entre eles: todos assumem a lógica jornalística de acompanhamento do que é novo, original e imprevisível; todos funcionam como instrumento agregador de credibilidade ao projeto jornalístico das respectivas empresas editoras.

O livro é uma versão concisa na tese de doutoramento que a autora defendeu na UERJ, em 1998. No prefácio, o antropólogo Gilberto Velho escreve: "Entre vários aspectos interessantes de seu trabalho, destaque-se a sua visão da imprensa como mediadora entre o mundo da alta cultura e a sociedade em geral. Os suplementos literários constituem-se em objeto privilegiado para investigar essa mediação. Através de sua pesquisa aproximamo-nos das sociedades brasileira e francesa em seus pontos comuns e singularidade".

Isabel Travancas concedeu a seguinte entrevista ao OI. (L.E.)

Embora graduada em jornalismo, o que de certa forma explicaria a questão, o que justifica seu interesse em centrar a pesquisa acadêmica no universo dos jornalistas e do próprio jornalismo, pendor esse manifesto no seu trabalho de conclusão de curso, na dissertação de mestrado e na tese de doutoramento?

Isabel Travancas ? Acho que continuo uma apaixonada pelo jornalismo. Só que de outra forma. Quando estava na faculdade sempre me imaginava repórter. Mas as coisas mudam. Penso que a imprensa, o jornalismo e, em um sentido mais amplo, a mídia são temas riquíssimos de análise. São ótimas portas de entrada para entender e aprofundar o conhecimento de nossas sociedade modernas complexas e urbanas. E a antropologia oferece um bom arsenal teórico e uma reflexão particular deste campo. Ao mesmo tempo, acho que ainda existem poucos trabalhos sobre estes assuntos dentro da disciplina. Hoje, diferentemente de quando estudava comunicação, não quero mais ser repórter; entretanto, tenho cada vez mais interesse em refletir, discutir e avaliar esse universo.

Quais as diferenças e as similitudes mais notáveis entre os cadernos literários da imprensa francesa e brasileira?

I.T. ? Quando comecei minnha pesquisa achei que iria encontrar muito mais diferenças do que semelhanças entre os cadernos dos dois países. Mas não foi o que aconteceu. As semelhanças são enormes. Os quatro suplementos estão ancorados na lógica jornalística. Afirmam o tempo todo a sua especificidade e o seu lugar de caderno de livros dentro de um jornal diário. E demonstram em suas páginas que a seleção dos livros tratados está baseada no conceito de notícia, de novidade ? o que faz privilegiarem os lançamentos. A grosso modo, seria possível dizer que os jornais franceses discutem e/ou defendem o lugar e o papel da literatura francesa na sociedade, diferentemente dos brasileiros, que não têm esta postura. Os cadernos franceses diminuem de tamanho ou quase desaparecem dos jornais franceses e não privilegiam o Natal como grande período de vendas. A chamada "rentrée litteraire" ? período definido pela volta às aulas ? é o ápice do ano para o mercado editorial. São lançados mais títulos, os cadernos são maiores e nesse período são conhecidos os ganhadores dos prêmios literários do ano.

Seu livro analisa dois cadernos culturais da imprensa brasileira – Mais!, da Folha e Idéias, do Jornal do Brasil. O que dizer dos outros? Há vida inteligente no jornalismo cultural brasileiro? A cobertura literária está bem servida?

I.T. ? É difícil falar dos outros, quando não os estudei ou analisei. O Globo, por exemplo, criou o Prosa e Verso quando eu já estava no meio da pesquisa e por isso decidi não investigá-lo. Os jornais de Minas Gerais costumam ter bons suplementos. O Estado de S.Paulo não chega a ter um suplemento, mas faz uma boa cobertura de livros. Penso que quanto mais cadernos de livros e editorias de cultura que dêem espaço para os livros, melhor. Mas a cobertura em termos nacionais ainda deixa a desejar.

Duas perguntas em uma. Um: o que explica o atropelamento da crítica literária (que viveu época de ouro no jornalismo brasileiro) pelo trator da cobertura cultural, cuja característica maior é privilegiar a novidade em lugar da qualidade? Dois: as grandes editoras e seus interesses têm influência significativa na pauta dos suplementos literários?

I.T. ? Não sei se a expressão é "atropelamento da crítica literária". Acho que ela era produzida em outro momento, em outro contexto. O mundo mudou, os jornais mudaram e os suplementos literários não fugiram dessa regra. Talvez hoje estejam mais ancorados na lógica jornalística do que antes. Não acho que os cadernos estejam valorizando apenas a novidade e não a qualidade. Os livros de auto-ajuda e as novidades esotéricas não recebem atenção dos cadernos, ainda que a recebam ? e muita ? dos leitores. Editoras pequenas e mais cuidadosas com a seleção de seus títulos cada vez ganham mais espaço nesses cadernos. Acho que as editoras têm influência nos cadernos, sim, mas ela é menor do que se imagina. Não acho nem pude perceber nas análises dos jornais nem dos depoimentos que há uma interferência "maquiavélica" dos editores sobre os jornalistas ou sobre os jornais. A questão é bem complexa. Há conjunções de interesses.

O Brasil tem um mercado editorial parrudo, em termos nominais e quantitativos de faturamento e circulação de livros. Ainda é pouco, diante do fosso existente entre os que têm e os que não têm acesso à renda, à cultura formal e ao livro. Os suplementos literários brasileiros que você analisou, e os demais seus conhecidos, cumprem alguma outra missão além de reproduzir as "ideologias individualistas" (expressão sua), geralmente gestadas na universidade, e de acompanhar os movimentos do mercado?

I.T. ? Acho que pelo simples fato de existirem, de continuarem circulando, esses quatro cadernos cumprem um papel de defesa de um território, do território do livro dentro dos jornais. E, sem dúvida, esta defesa não é simples. A maioria desses cadernos não dá lucro para suas empresas, muitos dão muitos mais status ou mesmo legitimam seus jornais junto ao leitor do que apresentam um resultado financeiro positivo. Muitos estiveram ameaçados de acabar ou tiveram períodos de intensas crises e redução de seu tamanho. Então, em certo sentido, o fato de continuarem existindo não deixa de ser uma vitória. Não acho que eles têm a missão de reproduzir ideologias individualistas. Eles são fruto dessas ideologias presentes na sociedade e nos profissionais que produzem esses cadernos. Em relação ao mercado, gostaria de chamar a atenção que o livro está dentro da indústria cultural. Ele é um produto de mercado, elaborado para o consumidor, e para a maioria das editoras o objetivo é o lucro. Esses cadernos estão inseridos numa sociedade moderna, complexa, e atuam dentro deste mercado. Portanto, não acho que acompanhar o mercado editorial seja uma tarefa menor. A questão é muito mais sobre como acompanham, discutem ou refletem do que o fato de acompanharem o tal mercado.

Você escreveu, citando o historiador Roger Chartier: "Na escrita, quem tem papel fundamental é o leitor. Um texto só vai existir se houver um leitor que lhe dê significado" (pág. 57). O leitor brasileiro pode-se dar por satisfeito?

I.T. ? É díficil responder se o leitor brasileiro pode-se dar por satisfeito. Quem é o leitor brasileiro? Nas duas últimas décadas houve uma enorme transformação no mercado editorial brasileiro. A quantidade de títulos produzidos aumentou enormemente, o número de editoras criadas também cresceu muito, assim como o objeto livro mudou de cara. Passou a ter um tratamento mais aprimorado tanto em termos gráficos como de conteúdo. Foi um passo importante, sem dúvida. Mas a questão fundamental no Brasil é ampliar o universo de leitores.