SEM NOTÍCIAS
Marcio Varella (*)
Para ficar bem informado sobre o conflito no Oriente Médio o brasileiro tem que ler jornais estrangeiros, de preferência de países que não estejam envolvidos na invasão americana ao Iraque. O Clarín, de Buenos Aires, por exemplo, na edição do dia 22 de março, já trazia o número de civis mortos em Bagdá, notícia desprezada pela grande maioria dos jornais brasileiros.
Mas o que mais deixa a civilização transtornada não são os horrores do conflito. O mundo já está acostumado com o homem-guerreiro: após a Segunda Guerra Mundial, em 1945, mais de 85 milhões de pessoas já morreram em diversas guerras em todo o planeta. Não é isso que transtorna e confunde o leitor. É a falta de honestidade dos meios de comunicação sobre os fatos mais importantes deste conflito. Não podemos criticar as notícias veiculadas pelas emissoras de TV da Europa, por exemplo, mesmo porque, no Brasil, não temos acesso.
Na opinião pessoal deste jornalista comum, há notícias muito mais importantes que até agora não fizeram parte de nenhuma das manchetes da Rede Globo de Televisão e muito menos das outras emissoras, que são, verdade, cópias da primeira.
Vamos a elas. Antes mesmo de a invasão terminar, Saddam pode comemorar uma grande vitória: conseguiu aumentar grandiosamente o antiamericanismo e o anti-semitismo no planeta, mostrou a fraqueza política e diplomática das Nações Unidas, da Otan e da União Européia. Além disso, como bem lembra o jornalista Oscar Raúl Cardoso, do Clarín, conseguiu transformar a Alemanha em grande opositora dos EUA, mais ainda do que a França. O governo alemão tomou uma atitude inédita desde 1945: estendeu sua defesa para além dos seu territórios, nos Bálcãs.
Os telejornais brasileiros pouco ou nada falam da Coréia do Norte, da espetadela dada na China pelo Japão, ao apoiar a invasão americana. E isto tudo sem falar na crise de identidade provocada por Saddam nos outros países árabes, que, sem dúvida, já está levando o mundo muçulmano a pensar seriamente na reedição de um líder único do califado, tal qual Nasser tentou no século passado. Se isto ocorrer, de fato, e os países produtores de petróleo decidirem negociar em euros, o dólar terá uma queda vertiginosa.
A nossa imprensa nem ao menos reclamou da censura imposta pelos americanos à cobertura da invasão. As imagens são sempre as mesmas e o telespectador (ou o leitor de jornais e revistas) não pode ver o que realmente acontece em Bagdá e cercanias. Se fosse um terremoto, certamente as imagens não seriam censuradas. Mas e o helicóptero que caiu no Kuwait? Cadê as imagens? Cadê o jornalismo investigativo, cadê o repórter que arrisca a vida para mostrar uma grande matéria? As manchetes dos telejornais deveriam explicar o conflito a partir das repercussões internacionais, das divisões políticas e do desenho do novo mapa político mundial a partir desta invasão.
O que está ocorrendo, e já faz tempo, é que as notícias mais importantes sobre o que ocorre no mundo estão sendo substituídas pelo sensacionalismo, em nome da competitividade das emissoras. Ou será que o sensacionalismo sobressai justamente para evitar a divulgação daquilo que não interessa à pátria-mãe, no caso os EUA?
É este o ponto: a subserviência dos nossos meios de comunicação aos mandos e desmandos do governo americano, por meio de seus agentes de comunicação, principalmente a Fox News e a CNN, numa disputa acirradíssima pelo primeiro lugar de audiência. Esses dois grupos transformaram-se nos maiores lambe-botas do governo americano, e nós, simplesmente, os imitamos, assim como imitamos o Big Brother, os programas de auditório, sem nenhuma criatividade tropical, como se não a tivéssemos.
Tantas perguntas
Dirão os nossos patrões travestidos de jornalistas: mas isso é mera especulação. Não podemos transformar especulação em notícia. Isso é coisa para colunista.
Coisa nenhuma. Esta é a notícia. A farsa em que foi transformada a ONU não é especulação; a oposição a Bush por parte de França e Alemanha, também não. Muito menos as conseqüências disto tudo. Este modo de agir da política externa americana e inglesa já deu como fruto as guerras internas da África, por exemplo, o imobilismo social do Brasil e da América Latina, a fuga de povos inteiros de países em conflito no território da ex-URSS, da Croácia etc. É pouco? Por causa do dólar, centenas de economias foram para o buraco. E as resoluções da ONU que impedem a invasão do território palestino? E o pitbull Sharon, um simples imitador do seu patrão, Bush? Mauro Santayanna, jornalista brasileiro, disse em recente e brilhante artigo no Correio Braziliense: "Bush abriu as portas do inferno".
E o presidente Lula? Foi o primeiro chefe de governo brasileiro, nos últimos 500 anos, a criticar abertamente um governo americano. A notícia foi ao ar no Jornal Nacional como se esta atitude do presidente fosse comum, fizesse parte do seu dia-a-dia. O que, politicamente, quer dizer isto? Quem explicou? E a reação dos outros chefes de governo da América Latina à fala de Lula? Onde passou? Foi um ato isolado? E o trabalho desenvolvido pessoalmente por Lula para acabar de vez com a ingerência americana na política venezuelana? Cadê?
Nada disse é notícia, para nós, apenas o sensacionalismo. As mesmas imagens de sempre. Nada além. Mas será que se as notícias forem de fato veiculadas os anunciantes pagarão por isso? Aí, outra conseqüência: os empresários brasileiros investem apenas naquilo que dá audiência, no sensacionalismo, em detrimento da verdade? Não seria o caso de se fazer uma ampla reportagem sobre isso, ou o sensacionalismo interessa apenas às emissoras e aos outros meios de comunicação, preocupadas com o índice da audiência? Até onde o dinheiro, a comissão impedem a divulgação daquilo que realmente é notícia? Cadê os acusados de matarem aquele estudante de Medicina em São Paulo, cadê o processo, houve julgamento? E as patifarias de Pitta e Maluf? Devolveram a grana? E o caso do prédio do TRT paulista, só um juiz está preso. E os empresários envolvidos? Falecidos?
Há um lobby que vende sensacionalismo para a imprensa?
Tantas perguntas e nenhuma resposta. E assim caminha a humanidade, surda, acovardada, reprimida, sem voz, hoje comandada pelo capitão Bush, eleito pelo planeta como seu senhor onipotente e onipresente, mais que Deus, aquele que apenas sentimos devido às nossas limitações. Porém, temos a certeza de que Ele está trabalhando, e está do lado do Bem. A História dirá. A imobilidade humana e a desorganização social de hoje foram antevistas por um grande escritor e poeta logo nos primeiros anos do século passado. Em 1912, escreveu Mayakovski:
"Fiz ranger as folhas do jornal abrindo-lhe as pálpebras riscantes
E logo, de cada fronteira distante, subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa
Nesses últimos 20 anos, nada de novo há no rugir das tempestades…
O mar da história é agitado".
(*) Jornalista em Brasília