MÍDIA & GOVERNO
Chico Bruno (*)
O relacionamento entre a mídia e o governo Lula da Silva nos primeiros 30 dias de administração variou entre a megalomania da cobertura da posse, muitas abobrinhas e uma tênue tentativa de compreensão entre a esperança e o medo.
O número de militantes presentes à posse de Lula da Silva, que variou de 150 mil a 300 mil pessoas nos noticiários de rádio e televisão e nas manchetes dos jornais acabou, por estudo encomendado pela Folha de S.Paulo, em exatos 71 mil participantes. O problema é que a megalomania dos números foi estampada em manchetes, e a informação do número exato passou despercebida: não mereceu o devido destaque. Um acontecimento corriqueiro na mídia, que sempre dá pouco destaque a desmentidos ou correções.
As abobrinhas incluíram as pernas da senadora Heloísa Helena, o vestido vermelho da primeira-dama, os óculos do presidente, o cardápio do Alvorada e do Planalto e a assunção de Marisa da Silva ao comando da cozinha dos dois palácios, com a devida dispensa da "chefe" que dirigiu a gastronomia palaciana na era FHC. Essas abobrinhas mereceram mais destaque do que as primeiras atitudes do governo Lula da Silva.
Timidamente, alguns veículos de comunicação tentam entender o que se passa com o novo governo que atua em duas frentes distintas. A dicotomia está presente de forma clara. A banda econômica é conservadora e neoliberal, atua à semelhança dos antecessores. Em algumas atitudes extrapolam os mestres do "malanismo". A banda mudancista tenta introduzir um discurso aproximado ao que Lula da Silva utilizou durante a campanha, mas nada além disso. É nessa área, a social, que o governo vem investindo em perigosas jogadas de marketing, como a Caravana da Fome, a doação do cachê de uma modelo famosa ao programa Fome Zero e o convite para que o lançamento do referido programa seja feito pelo pentacampeão mundial Ronaldo, o Fenômeno.
Além disso, Lula tem se esmerado em posar de "popstar", uma opção marqueteira que pode acabar transformando-o num populista. A imprensa demonstra certo receio em analisar todas essas questões a fundo, quem sabe por, ainda, estar aguardando sinais mais profundos de que será assim mesmo nos quatro anos de governo.
A única ousadia da imprensa foi da Istoé, com a manutenção de sua linha investigativa: divulgou a suspeita de participação do ministro Anderson Adauto em fraudes na prefeitura mineira de Iturama. Fora isso, a mídia está vendo com muita naturalidade, apesar do esperneio de uma parte do PT, a confirmação de que o governo Lula da Silva vai administrar o país em sintonia com as oligarquias de ACM, Sarney e Barbalho.
Ainda timidamente, a mídia vai fazendo certo contraponto entre o discurso passado de Lula e seus auxiliares e as ações de governo sobre juros, salário mínimo, dívida dos Estados, Imposto de Renda, CPMF, Lei de Responsabilidade Fiscal, reformas, política externa etc. O novo governo procura a tática de uma no ferro, outra na ferradura, basta ver os discursos para atos em que a platéia é a militância petista e os atos em que a platéia é de empresários.
A imprensa, ao que parece, ainda está se adaptando ao novo governo, e talvez seja por isso que ainda não se atreveu a análises profundas de que a esperança que venceu o medo em 26 de outubro a cada dia que passa vai se transformando no medo que pode vir a vencer a esperança.
(*) Jornalista