Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O ocaso de Lech Walesa

Fabiano Golgo, de Praga

O mundo foi pego de surpresa pelas acusações de que Lech Walesa, o lendário líder do movimento Solidarnösc (Solidariedade), que nos anos 80 comandou a luta contra o totalitarismo na Polônia, teria colaborado com a polícia secreta Sluzba Bezpieczenstva, do general-caolho Wojciech Jaruzelski. O nome de Walesa sempre foi associado à queda do regime marionete dos soviéticos, por isso a (fraudulenta) denúncia deixou muita gente confusa.

A mídia polonesa fez alarde, com a tradicional exceção do jornal Gazeta Wyborcza, conhecido pela seriedade e a profundidade – uma raridade não apenas no país, mas no mundo. Somente o Gazeta se recusou a lucrar com o interesse gerado em torno de uma possibilidade tão surrealista como essa – a de que o principal adversário do regime autoritário, até encarcerado por isso, haveria de ter ajudado o inimigo. Edições extras de revistas exploraram o caso como se Walesa não passasse de uma farsa, um lobo vestido de ovelha.

Nas mãos de ex-agentes

Gazeta publicou o óbvio: confiar em "documentos" produzidos por famigerados agentes de um sistema repressor e mentiroso é pior que ingenuidade, é falta de bom senso. Bem antes do veredicto de 11 de agosto, quando os juízes encarregados de decidir sobre a veracidade das acusações (que surgiram em tempo hábil para os adversários do ex-dissidente: as eleições – às quais ele concorre para voltar à Presidência – estão marcadas para 8 de outubro, e a lei eleitoral impede que colaboradores da antiga polícia secreta se candidatem) inocentaram Walesa, o jornal já deixava claro que os tais documentos gozavam de pouco crédito, considerando-se tanto as circunstâncias quanto as fontes (no caso, antigos agentes).

Em vez de seguir a onda para vender jornal, a Gazeta preferiu jogar água fria nas denúncias e prever o veredicto de inocência, o que de fato aconteceu. Aventaram a hipótese de que esses documentos faziam parte de um esquema antigo cuja intenção era atrapalhar as chances de Walesa levar o Nobel da Paz em 1982, o que transpareceu no relato de alguns árbitros da Academia escandinava: eles confirmaram que o eletricista de Gdansk fora preterido naquele ano para que uma investigação mais extensa fosse feita sobre possibilidade de ele estar envolvido com a polícia secreta polonesa. Após a exegese, concluiu-se que as pistas eram fabricadas, e o prêmio lhe foi concedido em 1983.

O jornal lamentou que "o destino da história de nosso país esteja nas mãos de quatro ex-agentes da repressão comunista", referindo-se às testemunhas contra Walesa que justificaram a abertura das investigações oficiais.

Manchetes garrafais

O atual presidente polonês, Aleksander Kwasniewski, também foi acusado, e depois inocentado, mas ainda pairam suspeitas sobre seu passado, já que ele foi um dos ministros do antigo regime. Mesmo assim, as pesquisas mostram que Walesa tem pouquíssimas chances de voltar a ocupar a cadeira de presidente, com apenas 4% nas pesquisas, enquanto seu arquiinimigo Kwasniewski (Walesa inclusive se recusou a passar a faixa presidencial a ele, quando perdeu o cargo) acumula sólidos 60-64% das intenções de voto.

Por incrível que pareça, o segundo colocado é o ex-comunista Andrzej Olechowski, ex-ministro das Relações Exteriores de Jaruzelski, que pôde se candidatar porque uma lei garante uma espécie de anistia aos que se identificaram voluntariamente como colaboradores do antigo regime. De comunista, curiosamente, Olechowski virou banqueiro depois da queda do regime, e confessou há três anos sua colaboração de duas décadas com a polícia que tanto aterrorizou a população não-engajada. Mesmo assim aparece com 8-9%.

A mídia polonesa é raramente imparcial. A principal influência é da Igreja Católica, e há veículos que se referem ao atual presidente como "o judeu". O próprio Walesa, mesmo declarando abertamente o quanto odeia Kwasniewski, interferiu várias vezes pedindo que não chamassem seu adversário dessa forma racista. Mas, embora boa parte da mídia seja contrária à reeleição do presidente, seus índices de aprovação são mais que satisfatórios, refletindo sua larga vantagem no próximo pleito. O que indica que o poder da mídia é limitado. A Gazeta declarou que Walesa saiu vingado, mas manchado. Que muita gente mundo afora que não lê mais que as manchetes dos jornais vai ficar com a impressão de que ele colaborou com a polícia que o reprimia, pois muitas mostraram em letras garrafais a acusação, mas poucas o veredicto de inocência.

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