Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

O ouro ficou com a mídia

Paulo Arenhart (*)

Nossos atletas não trouxeram o ouro. Mediocridade olímpica? Não, esta é a mais pura realidade nacional. Retrato vivo do Brasil. E, principalmente, da crescente falta de valores éticos da nossa mídia.

Não ganhamos os ouros prometidos, mas não foi, certamente, pela falta de qualidade dos atletas do vôlei, da natação, do judô, do tênis, do atletismo, do hipismo, da vela, ou de qualquer outro esporte. Nossos resultados são do tamanho exato das condições oferecidas aos nossos atletas durante os quatro anos que antecedem uma Olimpíada. Qualidade, raça e competência não faltam. Só que todos estes esportistas são atletas, e não os super-heróis que a mídia nos faz crer.

Muitos dizem que perdemos as medalhas no emocional, na angústia, na ansiedade. Pode até ser, mas de onde vem esta ânsia, este nervosismo? Vem de uma situação esdrúxula que os meios de comunicação de massa criam e colocam em cima de cada atleta olímpico. A obrigação de vencer e não apenas concorrer. A obrigação de trazer o ouro. O resto, nada vale.

País medíocre, mídia audaz

Vejam a responsabilidade jogada em cima de cada um destes jovens: muitos deles passaram quatro anos treinando de pés descalços, sem apoio ou incentivo. A mídia transforma esses atletas, do dia para a noite, em super-heróis anônimos, e exigem destes lutadores coisas inimagináveis. Na verdade, querem apenas um rosto novo, que vire manchete dos jornais, das televisões. Invadem suas casas, suas vidas íntimas, suas angústias, sua pobreza, sua humildade. Exploram suas carências e os fazem acreditar em contos de fadas, como fama, dinheiro, notoriedade.

Qual a razão de tudo isto? Nós jornalistas sabemos: fazer dinheiro, vender jornais, garantir pontos no ibope. Qual o custo social disto? Até onde nós, agentes da comunicação social, também somos responsáveis? Cria-se uma falsa expectativa na população, desvia-se a atenção de assuntos graves, como as eleições (tem eleição este ano? quantos comícios aconteceram? surgiu algo novo?), o desemprego, a fome, a seca, os sem-terra, a alta do petróleo e do custo de vida, os Lalaus da vida. Enfim, coisas importantes.

Mas, quem quer saber disto? O que importa é se Ricardo e Zé Marco (quantos já haviam ouvido esses nomes antes?) vão ganhar medalha de ouro, a última esperança de um povo.

As Olimpíadas nos mostram mais uma vez como somos um país medíocre. Vivemos sempre no limite. Com sofrimentos sem sentido, criados pela própria mídia, cada vez mais audaz no propósito de criar novos ídolos, novas emoções. Por falar nisto, quantos minutos foram dados ao Rubens Barrichello após o grandioso segundo lugar nos EUA? Certamente muito menos do que as horas de TV dadas às esperanças brasileiras no judô.

Até 2004, na Grécia

Bem, mas o que é o judô? O que é este esporte que só aparece de 4 em 4 anos, com seus ippons e outros nomes de golpes difíceis de entender? Vejam só, com as Olimpíadas até o Barrichello, talvez nosso único "herói", ao lado de Guga, ficou para trás. Tudo porque a mídia necessita de novas figuras para justificar seus investimentos e agradar aos patrocinadores.

Precisamos de novas histórias, novos rostos, novas vendas, novos lucros. Hoje, para os brasileiros, nossos atletas voltam, na grande maioria, derrotados. Alguns até com medalhas no peito. Mas derrotados, sem o ouro tão sonhado e garantido. A mídia, mais uma vez, é que sai como a grande vitoriosa deste evento. Com resultados financeiros magníficos, sustentados por patrocinadores que ajudaram a montar este circo, onde os únicos palhaços somos nós, que passamos madrugadas sem dormir, angustiados pela busca da medalha prometida.

O Brasil não dormiu para ver a tão sonhada medalha de ouro. Mais uma vez, ficaram com o "ouro" tão somente os donos dos meios de comunicação e seus fiéis patrocinadores. Daqui a 4 anos voltaremos a ouvir falar em judô, barras paralelas, nado sincronizado e histórias tristes e pitorescas de "novos heróis nacionais". Em 2004, na Grécia, ah, certamente eles conseguirão trazer o ouro olímpico.

(*) Jornalista

M. C.

Os narradores já não surpreendem, sempre torcem histericamente (certo, este ano eles exageraram! Até os tradicionalmente comedidos apresentadores da Globo News, por exemplo, aderiram à torcida do Brasiiil-il-il).

Mas espanto mesmo foram os comentaristas. Nunca se viu nada parecido. Nestes jogos, para os comentaristas, os atletas brasileiros eram os mais treinados, preparados, valentes, os melhores do mundo. "Vale a nossa torcida", diziam (?!). Os comentários se resumiam à história do atleta, da família do atleta, do cavalo do atleta, da bola do atleta, da rede do atleta. Opinião sincera sobre o real potencial do atleta? Nem pensar. Resultado: derrotas inexplicáveis. Como perdemos, com atletas tão perfeitos?

Exceção: Robson Caetano. Embora chatinho naquela fala monocórdica dele, não dava colher de chá a ninguém: "Este não tem chance", "Aquele está só ganhando experiência". No geral, porém, os comentaristas enganaram o telespectador. Mais uma dessas e os defensores do diploma vão exigir jornalista formado até para comentar.

Cruzes.

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