Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O papel da mídia na guerra

JOSÉ SARAMAGO

No dia 28 de novembro, durante apresentação de um livro em Madri, o Prêmio Nobel de Literatura José Saramago questionou o papel dos meios de comunicação na guerra dos EUA ao Afeganistão, conflito cujas razões disse desconhecer. "Os meios de comunicação estão de mãos atadas", disse o escritor português.

De acordo com a Reuters (28/11/01), Saramago afirmou que "aparentemente" os motivos que levaram os EUA a empreender a campanha foram os atentados contra Nova York e Washington. Contudo, questionou se o país atacaria a França e a Alemanha se os agressores tivessem vindo de lá. "Quais são os motivos da guerra? Há que se perguntar não apenas qual é o papel dos meios de comunicação no conflito, mas também que papel têm os meios de comunicação na vida em geral", disse Saramago.

O escritor declarou que há muitas informações não transmitidas, que ajudariam a compreender melhor o conflito. O autor de Ensaio sobre a cegueira e Evangelho segundo Jesus Cristo disse também que não se pode falar dos meios de comunicação como se detivessem a verdade absoluta.

Saramago teorizou dois tipos de guerra, as "de sorte" e as "sem sorte. "Uma guerra que interessa aos EUA é a que coloca em movimento todos os meios de comunicação do mundo, mas uma guerra sem sorte é uma guerra na qual se morre, se mata, mas não se é notícia", afirmou.

Comunista assumido, Saramago foi o primeiro escritor em língua portuguesa a receber o Nobel, distinção à qual, conforme disse, preferia renunciar, caso tivesse que abandonar suas convicções políticas. Saramago foi a Madri para o lançamento do livro Confessionários, que reúne 25 entrevistas com escritores realizadas pelo jornalista espanhol Juan Ramón Iborra.


REVISTAS

Os ataques aos EUA obrigaram muitas revistas a redefinir pautas ? mesmo aquelas que não costumam se destacar pela cobertura de temas como terrorismo e guerra biológica, a exemplo de Money e Vanity Fair. Dois meses depois, as publicações ainda se esforçam para se ajustar à guerra. Como é difícil competir com centenas de veículos que fornecem farta cobertura do assunto, a questão, revela Howard Kurtz [Washington Post, 26/11/01], é de que maneira uma revista mantém sua identidade ? para não dizer seu nicho no mercado ? sem ignorar a maior história deste século.

Obviamente, ninguém quer espantar seus leitores fiéis. Por isso, a Talk inclui em sua última edição do ano matérias sobre Osama bin Laden e a invasão do Paquistão pela mídia ao lado de reportagem sobre a atriz Gwyneth Paltrow. Graydon Carter, editor da Vanity Fair, informa que enviou dez repórteres ao Afeganistão e ao Paquistão; o assunto é incomum para a edição de dezembro – mas a capa exibe Brad Pitt.

A revista People foi exceção: no mesmo período, já deu capas sobre o príncipe William e Madonna, falando pouco ou nada sobre antraz e Afeganistão. "Percebo que as pessoas querem notícias alegres", diz a editora-administrativa Carol Wallace. "Nossos leitores não precisam desesperadamente deste tipo de notícia. Eles parecem querer que nós tiremos sua atenção destas coisas, mais do que concorrer com a Time, Newsweek ou CNN."

David Handelman [The New York Times, 26/11/01] conta que as publicações financeiras também abriram espaço para matérias que usualmente não publicariam. No dia 11 de setembro, a equipe da Money estava terminando um especial sobre 100 companhias de investimentos recomendáveis. Quando as torres gêmeas caíram, Robert Safian, editor-adiminstrativo, sabia que não tinha recursos para refazer totalmente a edição. Safian manteve o caderno especial completo, mas o prefaciou com uma seção de 12 páginas sobre as questões mais urgentes sobre investimento e economia.

As revistas financeiras já sofriam com a queda de faturamento publicitário e vendas tímidas em banca bem antes dos atentados, embora seus editores aleguem que este tipo de publicação seja ainda mais necessário em tempos de recessão. De acordo com a Media Industry Newsletter, Money e Smart Money, duas das maiores do ramo, perderam, respectivamente, 17% e 33% de páginas de anúncio neste ano.

Neste cenário de publicidade escassa, a AOL Time Warner planeja fechar três de suas revistas: On Magazine, de tecnologia, Asiaweek e Family Life. Segundo Matthew Rose [The Wall Street Journal, 28/11/01], On Magazine teve aumento de 11% em páginas de anúncio, e Family Life, 7%; ainda assim, a Time está cortando títulos marginais para se concentrar nas publicações maiores.